sábado, 4 de agosto de 2012

JANELAS DO TEMPO: A ILHA E AS GUERRAS

Autor: Cândido Marinho Rocha

“Cento e sete anos separavam as duas épocas: 1836 e 1943”. Um de oitenta anos de idade, nascido naquele belo bairro da Ilha, falava assim:

-- Meu pai me contou que meu avô brigou aqui na praia do Chapéu Virado de armas nas mãos, onde dois canhões atiravam sobre invasores de nossa Ilha. Um calibre 12 e outro jito, quase parece um rifle, desses 44, velho, enferrujado, gaiato. Meu pai me contou que meu avô fugiu pra dentro das matas, escondeu-se no igarapé, nadou pra outras ilhas, Gambá, das Pombas, Caratateua. Era o tempo de um Marechal Rodrigues, que governava o Pará da Ilha de Tatuoca, pois em Belém havia um governo revolucionário, cabanos chamados.

Em nome do governo imperial, dois navios de guerra de nomes Independência e Brasília mais lanchões e canoas, sob comando de um fragata Ricardo Hayden, atacaram os valentes fortificados na Ilha. Corria o mês de janeiro de 1836, dias 21 e 22 e o 2º. Batalhão de Caçadores da Brigada de Pernambuco comandado pelo Major Muniz Tavares mais trinta e seis paraenses da Vigia e de Belém desembarcaram e perseguiram os revoltosos. As forças imperiais venceram pelo número, pelo fogo, pela técnica. A Ilha resistiu tenazmente, mas a perícia militar prevaleceu. “Após algumas horas de combate, os rebeldes abandonaram as trincheiras, deixando alguns prisioneiros, peças de ferro, armamento e munições. Na fuga, muitos morreram.”

Portanto, Mosqueiro não viveu sempre de amores e sonhos. Também prestou seu sacrifício à história da liberdade paraense. Ali mesmo onde cochilava aquele pacífico canhão de 1943, velha peça aguerrida expeliu fogo em 1836 em defesa da terra e de suas convicções de disciplina e libertação.

E, sobretudo, de repúdio sanguinolento e patriótico aos que desejavam subjugar o povo.”

“Tornemos à Ilha. A vida, colorida pela presença da peça de artilharia, era uma graça de Deus. Cada vez mais banhados pelas luas de paz e marés de boa vontade, os habitantes, não podendo obter açúcar branco triturado, por falta de transportes nas costas brasileiras, fabricavam mascavados; não recebendo charque, comiam mariscos; faltando-lhes sal, usavam limão; frutas, farinha, feijão, verduras vinham da terra, da qual então se lembraram para plantar. Barcos chegados da contra-costa traziam miudezas de sal, trocadas por cachaça, melado, ovos e criações.

Tudo era vencido pelo espírito esportivo do mosqueirense, que raramente se aborrece. Tanto que nunca se teve notícia de crimes bárbaros na Ilha. Aqui e ali uma terçadada mais vibrante, uma facadazinha mais audaciosa, tabefes, brigas corpo-a-corpo, nada mais. As festas, bailaricos simples dos brasileirinhos do Mosqueiro, muitas vezes terminam em brigas. No dia seguinte, estavam reunidos novamente, a gozarem as pancadarias, os rabos de arraia, as capoeiras, os pileques e, até mesmo, as irreverências dos que se apoderavam da namorada do companheiro:

-- Tu já “derrubaste” aquela uma?

-- Mas quando? Se foi ela quem me “derrubou”...

-- E que ela te disse de mim?

-- Que tu és chocho e gorado.

No Mosqueiro, nem a presença do artefato guerreiro deu ideia de guerra. Nem a presença da ameaça da repetição dos bombardeios de 1836 mortificou o espírito daquela gente amorosa. O canhão transformou-se no anti-símbolo do extermínio. Á noite, no escurinho, quantas vezes aquela arma protetora foi dos encontros de amor dos brasileirinhos pobres e alegres da Ilha.

Não riam do que representava, na verdade, a precaução militar. Riam e amavam porque aura afrodisíaca a isso os impelia. Aura permanente, que brota do seio da terra, dos ventos do Marajó, das copas dos açaizeiros faceiros, altaneiros, do coração simples do homem, da alma dadivosa e crente da mulher, da alegria integrada das crianças, do repouso de válidas velhices, da alimentação calcificada de quantos tipos de peixes pescam na orla da Ilha.

Os pomares imensos, com o silêncio aliciante das mornas tardes, revaldo coberto de folhas macias, sinfônicas aves plangendo flautas, amores vivendo no ar e no som, pediam casais, pediam amores, na oferenda dos frutos gostosos, seios fartos na oferta da vida.”

FONTE: MARINHO ROCHA, Cândido. “Ilha Capital Vila”- GRÁFICA FALÂNGOLA EDITORA. Belém-Pa. 1973- pp. 182, 183 e 184).

PESQUISE NESTE BLOG:

A ILHA DOS CABANOS

JANELAS DO TEMPO: O CANHÃO DO CHAPÉU VIRADO

http://www.mosqueirando.blogspot.com.br/2011/08/mosqueiro-lendas-e-misterios-o-guardiao.html

Um comentário:

  1. Posso acreditar no causo citado, mas duvido que o Chapéu Virado tenha sido palco de brigas. Sabemos, por antigos relatos, que quando chegaram à ilha, os portugueses já encontraram os índios Tupinambás (os "filhos de Tupã"), que fugiram do Nordeste após as invasões estrangeiras no litoral brasileiro. Bastante evoluídos para a época, os Tupinambás sabiam falar a língua geral, o Nheengatu, devido ao contato mantido com os estrangeiros. A partir do ciclo da borracha, a vila entrou num processo de grandes mudanças. Junto com Belém, Mosqueiro passou a conviver com a riqueza e o luxo e a usufruir as benesses trazidas pelo acelerado desenvolvimento registrado na capital. Chegaram os ingleses da "Pará Electric Railways Company", responsáveis pela instalação de energia elétrica e de meios de transportes interno.

    ResponderExcluir