Autor: Prof. Alcir Rodrigues
A ponte quase que somente liga hoje o Mosqueiro ao nada,
Pronunciam alguns... nada disso: é uma voz do passado, cochichando
Ao nosso ouvido: “Não deixem morrer nossas memórias!”
E, se é uma ponte de memórias, um trapiche de lembranças,
É também um convite a um mergulho, de um salto rápido,
Não só nas águas da Baía de Marajó, mas uma imersão
Nas águas passadas do tempo e do espaço, sob e em frente
Deste monumento erigido por ingleses em 06/09/1908.
Cem anos de nascimento, cem anos de ir-e-vir de pessoas...
E nada de batismo, um monumento anônimo,
Que ergue sua voz secular, vinda com os ventos ancestrais
Da Belle Époque Paraense, que o Ciclo da Borracha
Fez passear em trajes afrancesados e arquitetura requintada,
Da melancólica praia do Bispo até o doce recanto do Ariramba...
A transfusão de tempos nos vislumbra esta Ponte, pontas atadas
De um século e outro, do outrora ao agora, a lembrar
Que seu parto coincidiu com a chegada dos estrangeiros da Amazon River,
Da Port of Pará e Pará Eletric Railways Company,
Construtores dos chalés da orla de nossa bela Ilha.
Antônio Lemos ressuscita em nossa memória mosqueirense,
E esta ponte que não liga margem a outra ― liga tempo e memória―
Já testemunhou a atracação de centenas de navios-fantasmas...
Ponte a interligar a Ilha do agora àquela do outrora, do fim
Do Ciclo Áureo da Borracha, trapiche, atracadouro onde aportaram
Personagens navais que jamais devem mergulhar nas águas
Barrentas da desmemória: o vapor Gaivota, o mais antigo
Na linha Belém-Mosqueiro-Belém. A lancha Tucunaré, o saudosíssimo
Almirante Alexandrino, o Lobo Dalmada, o Lauro Sodré, o belo,
Luxuoso e elegante Presidente Vargas. Ei, psiu! Acorde de seu sono,
Sob estas águas! Mas... é impossível...
Muitas águas passadas, e o trapiche ainda sobrevive em seu eterno
Retorno de tentativas com outras embarcações: Otávio Oliva, Capitariquara,
Mazagão... E hoje, esporadicamente, surge nos horizontes da Baía
De Santo Antônio, como um mito vivo, eis de novo o intendente,
Antônio Lemos, um retorno ao passado, mesmo que raro, muito raro.
Importa é que nosso secular monumento anônimo ainda
Sobrevive, sem projetos, sem nome sequer, apesar de não ser mais
Metálico, ser de madeira, em estado de decadência que dá dó de ver...
Mas é um sobrevivente teimoso. Por isso venceu a outros, já extintos.
Na sua inglória luta temporal, sobreviveu aos trilhos do Ferril-Carril,
ao Cine Guajarino, ao Bonde Pata Choca.
Nasceram a Rádio Nacional, o Estado Novo. Veio Magalhães Barata,
eclodiram duas guerras mundiais, nasceu Brasília e a Rodovia
Belém-Brasília, chegaram os mega projetos desenvolvimentistas amazônicos,
O Milagre Brasileiro trouxe-nos a PA-391 e a Ponte Belém-Mosqueiro
― para ofuscar o trapiche.
Veio a energia de Tucuruí, espantando visagens e assombrações...
O trapiche, caprichosamente, ainda está de pé, por assim dizer,
À revelia da ausência de projetos de melhoria de vida para a gente daqui da Ilha.
As águas passadas e as atuais não destruíram o trapiche anônimo:
As do futuro, então, o farão?
Ponte sem função? Não: perdeu uma função e ganhou outra: os namoros em flor!
O guerreiro já velho, cansado e calejado, de muitas batalhas, tanto ganhas
Quanto perdidas ― sem mais nenhuma por vencer―, talvez não queira mais,
Do mundo e das pessoas, nada mais que se mantenha dele, na memória,
Os tempos de glória, para o eternizarem. Jamais deseja o esquecimento,
Pois o esquecimento, este sim, significa a morte.
FONTE DO TEXTO: http://www.escrita.com.br/leitura.asp?Texto_ID=9248
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