sábado, 14 de maio de 2022

PRAIAS DA ILHA: PRAIA DO MURUBIRA


Segundo a História local, o nome dado à praia e ao rio que, nascendo às suas proximidades, corta a Ilha do Mosqueiro de noroeste a sudoeste, é registro da presença de nossos ancestrais morobiras, os pacíficos tupinambás que se dedicavam à pesca e ao moqueio. Na língua tupi, morobira significa “homem forte” ou “homem vigoroso”. Ali, em 1653, quando os jesuítas chegaram à Ilha, instalaram, na aldeia chamada Mortigura, a Missão Myribira, para catequisar os indígenas. Localizada entre as praias do Porto Arthur e do Ariramba, é banhada pelas águas da baía do Marajó e sua orla original ficava ao nível do mar, sendo depois elevada e protegida por extenso quebra-mar, para resistir ao ímpeto das marés altas.

 

                            Praia do Murubira em 1976 (FOTO: Augusto Meira Filho)

 


                                    Praia do Murubira (Foto: João Araújo)


Entretanto, esse topônimo ganhou outra explicação de cunho popular: estória jocosa bem ao gosto do mosqueirense, fielmente captada pelos versos do nosso poeta repentista Manoel Gomes da Silva e registrada em sua literatura de cordel:


“A praia do Murubira

É a praia da emoção.

Dizem que lá morreu

Um tal de Manoel João,

Que era neto legítimo

Do perigoso Lampião.

 

 

O tal de Manoel João

Tinha um filho holandês

Que se casou com uma jovem

Filha de um português,

Que se banhava na praia

Sempre uma vez por mês.

 

 

Um dia ela ia descendo

Pra na praia passear

E viu o sogro no muro

E viu que o muro ia virar.

E gritou: o muro bira!

Ainda pode te pegar.

 

 

E foi desde aquele dia

Que este nome pegou:

Praia do Murubira

Todo mundo o consagrou

E até em nossos dias

Este apelido ficou.”



FONTE: Gomes, Manoel. As Mais Belas Praias de Mosqueiro e História do Círio de N. Srª do Ó. 2006. Estrofes esparsas..

 

 

 

NA ROTA DA HISTÓRIA: A CHEGADA DOS JESUÍTAS AO GRÃO-PARÁ.

Autora: Célia Cristina da Silva Tavares (FFP-UERJ)

 

“Já a presença sistemática de representantes da Companhia de Jesus na região do Maranhão e do Grão-Pará foi relativamente tardia. No início do século XVII, mais precisamente em 1607, dois inacianos, Francisco Pinto e Luís Figueira, partiram de Pernambuco para a serra de Ibiapaba com o intuito de evangelizar tribos indígenas ali localizadas. O primeiro foi sacrificado pelos índios Tapuias; Luís Figueira conseguiu escapar e voltou a Pernambuco.

O segundo registro da presença de jesuítas nas terras do Maranhão se faz com a chegada da armada que expulsou os franceses de São Luís em 1615. Os padres Manuel Gomes e Diogo Nunes passaram dois anos e meio realizando trabalhos de evangelização na região, sem formar missão.

Somente em 1622, Luís Figueira e Benedito Amodei chegam a São Luís para fixar residência dos jesuítas, encontrando resistência dos colonos na sua permanência, que só foi assegurada pelo firme apoio recebido pelo capitão-mor Antônio Moniz Barreiros. Os colonos temiam que os jesuítas dificultassem a escravização dos indígenas e por isso foram tão hostis.

Nesse mesmo ano, o colégio e a igreja da Companhia de Jesus em São Luís foram erguidos sobre ermida construída por capuchinhos franceses no tempo da França Equinocial.

Em 1636, Luís Figueira, acompanhando o governador Francisco Coelho de Carvalho, chegou ao Grão-Pará, também enfrentando hostilidade dos colonos. Ele estabeleceu contatos com indígenas, nascendo então a intenção de formar missão na região. Voltou à Europa para obter permissão e apoio para seus planos. Pelo alvará de 25 de julho de 1638, o jesuíta obteve a permissão para a "administração dos índios" do Estado do Maranhão; mas somente em 1643 conseguiu partir com mais 14 missionários. No entanto, sua viagem não chegou a bom termo, a embarcação naufragou na entrada da baía do Sol. Apenas três dos religiosos sobreviveram ao naufrágio e o projeto das missões jesuíticas no Estado do Maranhão e Grão-Pará foi adiado.”

 

FONTE: http://bndigital.bn.br/redememoria/ciajesus.html

 

MOSQUEIRANDO: O que realmente aconteceu com os primeiros jesuítas que vinham desenvolver a missão catequética no Grão-Pará e naufragaram na baía do Sol? Conta-nos o historiador João Lúcio d’Azevedo que:

“A embarcação, em que ia com elles o governador Pedro de Albuquerque, primeiro nomeado depois da Restauração, sossobrou perdida nos baixos, que ficam á entrada da bahia do Sol. Da tripulação e passageiros, com estes o governador, salvou-se parte nos botes. Os restantes naufragos, em cujo numero Luiz Figueira e onze dos religiosos, passaram-se a uma jangada, feita com os destroços da nau. A correnteza e os ventos levaram-nos á margem opposta, na ilha de Joannes, onde pereceram victimas da ferocidane dos aruans.

Assim terminou, como em toda a parte, pelo sacrifício da mais adiantada vanguarda, este primeiro episodio da conquista.”

“Em sangue e nos destroços de craneos despedaçados se aniquillara a primeira tentativa. Os selvagens vingavam naquelles soldados de paz e doçura os assaltos dos conquistadores arrogantes e crueis, que por toda parte lhes davam caça, até finalmente os encerrarem nas espessuras da sua ilha. Sem temor por si próprio devia Luiz Figueira contemplar o ataque dos barbaros. O tropel pavoroso e os gritos de guerra eram os mesmos, que trinta annos antes ouvira, quando seu companheiro e mestre perecera em Ibiapaba. Mas pungia-o a angustia do martyrio, pelos outros, que com elle iam regar de sangue innocente aquellas praias. Alguns, apenas adolescentes, que como estudantes tinham partido, haviam de empallidecer, no terror do momento supremo.”

“Dos tres religiosos, escapos do naufragio, nenhum permaneceu no Pará. Um succumbiu á doença, outro foi chamado ao Maranhão; o ultimo, ainda estudante, agora sem mestres, voltou a Lisboa, para continuar nos preparatórios do apostolado.”

FONTE: d’Azevedo, João Lucio. 1901. Os Jesuitas no Grão-Pará: suas missões e a colonização. Lisboa: Livraria Editora Tavares Cardoso & Irmão. pp. 40 e 41

 

NA ROTA DA HISTÓRIA: O DESTINO DOS MOROBIRAS

 

Quando os jesuítas chegaram à ilha em 1653 e instalaram a Missão Myribira na aldeia chamada Mortigura, os índios já estavam aqui. Há doze mil anos habitavam a região litorânea do Norte registrada em mapas antigos como a Província dos Tupinambás.

Às margens do rio-mar, na ilha do Mosqueiro, viviam os morobiras. Corpos nus bronzeados ao sol dos trópicos corriam ágeis pelas matas espessas atrás da caça farta, recolhiam as deliciosas frutas amazônicas, voavam corajosamente em suas igarités sobre as maresias em busca do peixe ou pontilhavam as areias das praias na prática da mariscagem ou do moqueio. Cultuavam o deus Sol em rituais ao amanhecer e, nos solstícios de verão e de inverno, realizavam grandes festas de agradecimento pela vida tranquila no paraíso banhado pelas águas doces, na foz do grande rio.

Um dia, enormes embarcações com velame enfunado pelo vento adentraram a baía. Eram barcos estranhos de estranha gente com ignotas armas. Pisaram as areias antes intocadas pelo homem branco. Atônitos, um misto de surpresa, curiosidade e receio estampado nas faces selvagens, os morobiras receberam os aventureiros com amistosidade e respeito, pois lhes pareciam mensageiros de um mundo irreal. Por muitas e muitas luas, a cena se repetiria nas sucessivas visitas de espanhóis, franceses, holandeses e ingleses, com os quais os indígenas praticavam o escambo, ou nas incursões de piratas e corsários em busca das Antilhas.

Até que chegou o conquistador luso. Apossou-se das terras, construiu um forte aos pés da baía de Guajará, expulsou os inimigos estrangeiros e começou a construir a cidade de Santa Maria de Belém do Grão-Pará. Os morobiras, como as tribos das proximidades, trabalharam muito, ajudando os invasores na construção e no abastecimento da cidade. Todo um século se passou, no qual a evolução e o progresso de Belém dependeram da força produtiva dos nativos. Os interesses mercantis e a necessidade de gerar riquezas levaram os portugueses a usar os índios como mão-de-obra escrava. Entretanto, muitos reagiam para defender suas terras e sua liberdade.

Então, muitas campanhas bárbaras foram empreendidas contra as nações tupis, exterminando milhares de indígenas. Vários comandantes militares e até figuras ilustres como o próprio Francisco Caldeira Castelo Branco participaram dessa destruição da vida selvagem. Triste exemplo dessa fúria desumana e assassina foi o massacre comandado por Bento Maciel Parente, desde São Luís do Maranhão até Belém do Grão-Pará, queimando aldeias e aniquilando centenas de tribos. Para quem gosta de aliar a imaginação à História, é curioso como a rota seguida pelo impiedoso e sanguinário Bento Maciel foi a mesma que os OVNIs-vampiros (os chupa-chupas) percorreram na década de 70, aterrorizando os ribeirinhos: baía de São Marcos em São Luís, região do Gurupi, Vigia de Nazaré, Colares, ilha do Mosqueiro e baía de Guajará.

 

Os índios morobiras também foram dizimados, triste retrato de uma época pintado pelo professor-poeta Alcir Rodrigues em seu emocionante poema “Morubiras”:

Morubiras ― o início do fim

Na camboa,
em meio à névoa
da manhãzinha preguiçosa,
o índio morubira
recolhe o peixe, o camarão,
o siri...
Os curumins-filhos o ajudam
nesse labutar cotidiano, sem muriçocas
para atazanar a paciência.

Cunhã-esposa, no estirão da areia
recolhe sementes
na companhia das cunhãs-filhas.
Também juntam tabatinga vermelha
para pintar o corpo
pra festa que aí vem.

O mar-baía, cinza...
O céu, cinza...
A névoa, branquidão
que oculta o bege
da areia praieira,
onde a lenha já está
distribuída enfileirada
em montes a espaços
pela extensão da enseada.

O verde renasce por trás
da brancura a se dissipar, aos poucos.
O guerreiro-pescador morubira
já sente antecipadamente
o cheiro do peixe no moqueio,
o sabor do beiju,
do peixe apimentado,
do cauim inspirador.
Seus sentidos todos despertos,
já antevê ali
seu povo em festa, cantando
e dançando feliz,
na realização de seus rituais.

Um trovão, dois, três e mais,
― com um ribombar repetido e assustador ―,
despertam de sua reflexão o índio.
Em um átimo, a paisagem
ganha espessas pinceladas de vermelho.
O mundo explode em sangue
diante do guerreiro: a tribo
covardemente atacada
― velhos, crianças, mulheres,
algumas grávidas,
atravessadas a espada, ou
já atingidas pelos tiros.

Sua família, sua tribo,
todos
vítimas de algozes gananciosos,
sedentos por terras,
e pelas riquezas que delas
se pode extrair.
Veloz, o guerreiro tupinambá
corre destemido rumo aos seus
e ouve um trovão ― não, não é de Tupã!
Dor, insuportável dor! ...
Diante de seus olhos, a última visão:
o chão e a escuridão.

O nada destruidor passou a imperar
na Enseada dos Morubiras...


(Alcir Rodrigues)


Disponível em: luizmalvino.blogspot.com.

http://moskowilha.blogspot.com/2010_05_01_archive.html