sábado, 14 de maio de 2022

PRAIAS DA ILHA: PRAIA DO MURUBIRA


Segundo a História local, o nome dado à praia e ao rio que, nascendo às suas proximidades, corta a Ilha do Mosqueiro de noroeste a sudoeste, é registro da presença de nossos ancestrais morobiras, os pacíficos tupinambás que se dedicavam à pesca e ao moqueio. Na língua tupi, morobira significa “homem forte” ou “homem vigoroso”. Ali, em 1653, quando os jesuítas chegaram à Ilha, instalaram, na aldeia chamada Mortigura, a Missão Myribira, para catequisar os indígenas. Localizada entre as praias do Porto Arthur e do Ariramba, é banhada pelas águas da baía do Marajó e sua orla original ficava ao nível do mar, sendo depois elevada e protegida por extenso quebra-mar, para resistir ao ímpeto das marés altas.

 

                            Praia do Murubira em 1976 (FOTO: Augusto Meira Filho)

 


                                    Praia do Murubira (Foto: João Araújo)


Entretanto, esse topônimo ganhou outra explicação de cunho popular: estória jocosa bem ao gosto do mosqueirense, fielmente captada pelos versos do nosso poeta repentista Manoel Gomes da Silva e registrada em sua literatura de cordel:


“A praia do Murubira

É a praia da emoção.

Dizem que lá morreu

Um tal de Manoel João,

Que era neto legítimo

Do perigoso Lampião.

 

 

O tal de Manoel João

Tinha um filho holandês

Que se casou com uma jovem

Filha de um português,

Que se banhava na praia

Sempre uma vez por mês.

 

 

Um dia ela ia descendo

Pra na praia passear

E viu o sogro no muro

E viu que o muro ia virar.

E gritou: o muro bira!

Ainda pode te pegar.

 

 

E foi desde aquele dia

Que este nome pegou:

Praia do Murubira

Todo mundo o consagrou

E até em nossos dias

Este apelido ficou.”



FONTE: Gomes, Manoel. As Mais Belas Praias de Mosqueiro e História do Círio de N. Srª do Ó. 2006. Estrofes esparsas..

 

 

 

NA ROTA DA HISTÓRIA: A CHEGADA DOS JESUÍTAS AO GRÃO-PARÁ.

Autora: Célia Cristina da Silva Tavares (FFP-UERJ)

 

“Já a presença sistemática de representantes da Companhia de Jesus na região do Maranhão e do Grão-Pará foi relativamente tardia. No início do século XVII, mais precisamente em 1607, dois inacianos, Francisco Pinto e Luís Figueira, partiram de Pernambuco para a serra de Ibiapaba com o intuito de evangelizar tribos indígenas ali localizadas. O primeiro foi sacrificado pelos índios Tapuias; Luís Figueira conseguiu escapar e voltou a Pernambuco.

O segundo registro da presença de jesuítas nas terras do Maranhão se faz com a chegada da armada que expulsou os franceses de São Luís em 1615. Os padres Manuel Gomes e Diogo Nunes passaram dois anos e meio realizando trabalhos de evangelização na região, sem formar missão.

Somente em 1622, Luís Figueira e Benedito Amodei chegam a São Luís para fixar residência dos jesuítas, encontrando resistência dos colonos na sua permanência, que só foi assegurada pelo firme apoio recebido pelo capitão-mor Antônio Moniz Barreiros. Os colonos temiam que os jesuítas dificultassem a escravização dos indígenas e por isso foram tão hostis.

Nesse mesmo ano, o colégio e a igreja da Companhia de Jesus em São Luís foram erguidos sobre ermida construída por capuchinhos franceses no tempo da França Equinocial.

Em 1636, Luís Figueira, acompanhando o governador Francisco Coelho de Carvalho, chegou ao Grão-Pará, também enfrentando hostilidade dos colonos. Ele estabeleceu contatos com indígenas, nascendo então a intenção de formar missão na região. Voltou à Europa para obter permissão e apoio para seus planos. Pelo alvará de 25 de julho de 1638, o jesuíta obteve a permissão para a "administração dos índios" do Estado do Maranhão; mas somente em 1643 conseguiu partir com mais 14 missionários. No entanto, sua viagem não chegou a bom termo, a embarcação naufragou na entrada da baía do Sol. Apenas três dos religiosos sobreviveram ao naufrágio e o projeto das missões jesuíticas no Estado do Maranhão e Grão-Pará foi adiado.”

 

FONTE: http://bndigital.bn.br/redememoria/ciajesus.html

 

MOSQUEIRANDO: O que realmente aconteceu com os primeiros jesuítas que vinham desenvolver a missão catequética no Grão-Pará e naufragaram na baía do Sol? Conta-nos o historiador João Lúcio d’Azevedo que:

“A embarcação, em que ia com elles o governador Pedro de Albuquerque, primeiro nomeado depois da Restauração, sossobrou perdida nos baixos, que ficam á entrada da bahia do Sol. Da tripulação e passageiros, com estes o governador, salvou-se parte nos botes. Os restantes naufragos, em cujo numero Luiz Figueira e onze dos religiosos, passaram-se a uma jangada, feita com os destroços da nau. A correnteza e os ventos levaram-nos á margem opposta, na ilha de Joannes, onde pereceram victimas da ferocidane dos aruans.

Assim terminou, como em toda a parte, pelo sacrifício da mais adiantada vanguarda, este primeiro episodio da conquista.”

“Em sangue e nos destroços de craneos despedaçados se aniquillara a primeira tentativa. Os selvagens vingavam naquelles soldados de paz e doçura os assaltos dos conquistadores arrogantes e crueis, que por toda parte lhes davam caça, até finalmente os encerrarem nas espessuras da sua ilha. Sem temor por si próprio devia Luiz Figueira contemplar o ataque dos barbaros. O tropel pavoroso e os gritos de guerra eram os mesmos, que trinta annos antes ouvira, quando seu companheiro e mestre perecera em Ibiapaba. Mas pungia-o a angustia do martyrio, pelos outros, que com elle iam regar de sangue innocente aquellas praias. Alguns, apenas adolescentes, que como estudantes tinham partido, haviam de empallidecer, no terror do momento supremo.”

“Dos tres religiosos, escapos do naufragio, nenhum permaneceu no Pará. Um succumbiu á doença, outro foi chamado ao Maranhão; o ultimo, ainda estudante, agora sem mestres, voltou a Lisboa, para continuar nos preparatórios do apostolado.”

FONTE: d’Azevedo, João Lucio. 1901. Os Jesuitas no Grão-Pará: suas missões e a colonização. Lisboa: Livraria Editora Tavares Cardoso & Irmão. pp. 40 e 41

 

NA ROTA DA HISTÓRIA: O DESTINO DOS MOROBIRAS

 

Quando os jesuítas chegaram à ilha em 1653 e instalaram a Missão Myribira na aldeia chamada Mortigura, os índios já estavam aqui. Há doze mil anos habitavam a região litorânea do Norte registrada em mapas antigos como a Província dos Tupinambás.

Às margens do rio-mar, na ilha do Mosqueiro, viviam os morobiras. Corpos nus bronzeados ao sol dos trópicos corriam ágeis pelas matas espessas atrás da caça farta, recolhiam as deliciosas frutas amazônicas, voavam corajosamente em suas igarités sobre as maresias em busca do peixe ou pontilhavam as areias das praias na prática da mariscagem ou do moqueio. Cultuavam o deus Sol em rituais ao amanhecer e, nos solstícios de verão e de inverno, realizavam grandes festas de agradecimento pela vida tranquila no paraíso banhado pelas águas doces, na foz do grande rio.

Um dia, enormes embarcações com velame enfunado pelo vento adentraram a baía. Eram barcos estranhos de estranha gente com ignotas armas. Pisaram as areias antes intocadas pelo homem branco. Atônitos, um misto de surpresa, curiosidade e receio estampado nas faces selvagens, os morobiras receberam os aventureiros com amistosidade e respeito, pois lhes pareciam mensageiros de um mundo irreal. Por muitas e muitas luas, a cena se repetiria nas sucessivas visitas de espanhóis, franceses, holandeses e ingleses, com os quais os indígenas praticavam o escambo, ou nas incursões de piratas e corsários em busca das Antilhas.

Até que chegou o conquistador luso. Apossou-se das terras, construiu um forte aos pés da baía de Guajará, expulsou os inimigos estrangeiros e começou a construir a cidade de Santa Maria de Belém do Grão-Pará. Os morobiras, como as tribos das proximidades, trabalharam muito, ajudando os invasores na construção e no abastecimento da cidade. Todo um século se passou, no qual a evolução e o progresso de Belém dependeram da força produtiva dos nativos. Os interesses mercantis e a necessidade de gerar riquezas levaram os portugueses a usar os índios como mão-de-obra escrava. Entretanto, muitos reagiam para defender suas terras e sua liberdade.

Então, muitas campanhas bárbaras foram empreendidas contra as nações tupis, exterminando milhares de indígenas. Vários comandantes militares e até figuras ilustres como o próprio Francisco Caldeira Castelo Branco participaram dessa destruição da vida selvagem. Triste exemplo dessa fúria desumana e assassina foi o massacre comandado por Bento Maciel Parente, desde São Luís do Maranhão até Belém do Grão-Pará, queimando aldeias e aniquilando centenas de tribos. Para quem gosta de aliar a imaginação à História, é curioso como a rota seguida pelo impiedoso e sanguinário Bento Maciel foi a mesma que os OVNIs-vampiros (os chupa-chupas) percorreram na década de 70, aterrorizando os ribeirinhos: baía de São Marcos em São Luís, região do Gurupi, Vigia de Nazaré, Colares, ilha do Mosqueiro e baía de Guajará.

 

Os índios morobiras também foram dizimados, triste retrato de uma época pintado pelo professor-poeta Alcir Rodrigues em seu emocionante poema “Morubiras”:

Morubiras ― o início do fim

Na camboa,
em meio à névoa
da manhãzinha preguiçosa,
o índio morubira
recolhe o peixe, o camarão,
o siri...
Os curumins-filhos o ajudam
nesse labutar cotidiano, sem muriçocas
para atazanar a paciência.

Cunhã-esposa, no estirão da areia
recolhe sementes
na companhia das cunhãs-filhas.
Também juntam tabatinga vermelha
para pintar o corpo
pra festa que aí vem.

O mar-baía, cinza...
O céu, cinza...
A névoa, branquidão
que oculta o bege
da areia praieira,
onde a lenha já está
distribuída enfileirada
em montes a espaços
pela extensão da enseada.

O verde renasce por trás
da brancura a se dissipar, aos poucos.
O guerreiro-pescador morubira
já sente antecipadamente
o cheiro do peixe no moqueio,
o sabor do beiju,
do peixe apimentado,
do cauim inspirador.
Seus sentidos todos despertos,
já antevê ali
seu povo em festa, cantando
e dançando feliz,
na realização de seus rituais.

Um trovão, dois, três e mais,
― com um ribombar repetido e assustador ―,
despertam de sua reflexão o índio.
Em um átimo, a paisagem
ganha espessas pinceladas de vermelho.
O mundo explode em sangue
diante do guerreiro: a tribo
covardemente atacada
― velhos, crianças, mulheres,
algumas grávidas,
atravessadas a espada, ou
já atingidas pelos tiros.

Sua família, sua tribo,
todos
vítimas de algozes gananciosos,
sedentos por terras,
e pelas riquezas que delas
se pode extrair.
Veloz, o guerreiro tupinambá
corre destemido rumo aos seus
e ouve um trovão ― não, não é de Tupã!
Dor, insuportável dor! ...
Diante de seus olhos, a última visão:
o chão e a escuridão.

O nada destruidor passou a imperar
na Enseada dos Morubiras...


(Alcir Rodrigues)


Disponível em: luizmalvino.blogspot.com.

http://moskowilha.blogspot.com/2010_05_01_archive.html

 


quinta-feira, 24 de março de 2022

PRAIAS DA ILHA: PRAIA DO PORTO ARTHUR

A Praia do Porto Arthur é uma enseada entre a praia do Chapéu Virado e a praia do Murubira. Sua orla, constituída no passado por um barranco não muito alto, hoje é protegida por um muro de arrimo para conter as marés de enchente.








Como, no passado, houvesse ali um lago com as águas represadas das enchentes por antiga camboa, armadilha indígena feita de pedras para a captura de peixes, o lugar era conhecido como praia do Covão. Um pequeno manguezal florescera às proximidades desse lago, cenário que não se alteraria até a década de 70.

No fim do século XIX e início do XX, muitas casas de praia foram construídas na costa oeste da Ilha. Assim o fez Arthur Pires Teixeira, que inaugurou seu casarão em 1905, prédio histórico ainda existente. Ele se apaixonara pela Ilha e viria a ser um dos seus grandes benfeitores. Grande incentivador da instalação do bondinho puxado a burro, teve o final da linha desse veículo localizado próximo a sua residência.

 



 







Para vir à Ilha naqueles tempos remotos, muitas vezes utilizara pequenas embarcações a vela. E, para desembarcar com mais segurança, mandara construir um trapiche de madeira, que ficou conhecido como Porto Arthur. Até seu casarão recebeu esse nome. Mais tarde, em justa homenagem a Pires Teixeira, a antiga praia do Covão passou a ser chamada de Praia do Porto Arthur.

 

JANELAS DO TEMPO: Uma paixão: Mosqueiro


Autora: Juliana Oliveira


“Amor e dedicação ao extremo. Arthur compôs músicas e escreveu artigos relatando as belezas da ilha.

Uma época em que o ritmo do tempo era ditado pelos apitos do navio Almirante Alexandrino, da Usina Elétrica da ilha e pelas badaladas do sino da igreja matriz de Nossa Senhora do Ó. Foi durante este período, que o chalé Porto Arthur tornou-se referência na ilha, não só graças à beleza da edificação, mas pela figura responsável por ele: Arthur Pires Teixeira.

Os amantes mais antigos da ilha, filhos e netos dos contemporâneos de Arthur, relatam emocionados os modos de viver daquela época, em que a cultura paraense era tecida por meio de intercâmbio direto com a europeia, honras do advento da borracha.

A construção do Porto Arthur data de aproximadamente 1905, erguido a mando do comerciante Arthur Pires Teixeira. O casarão foi um dos pioneiros naqueles lados. Filho de portugueses, começou a trabalhar muito cedo nos negócios do pai. Ao entrar na mocidade, apaixonou-se pela ilha de Mosqueiro, localidade a qual se dedicou, com benfeitorias e declarações de amor.

O afeto foi materializado em músicas, artigos escritos para conhecidos na Europa e a publicação de um álbum de fotografias da ilha. Nas correspondências, ele relatava todo o encanto de Mosqueiro.

De acordo com a filha de Arthur, Dona Mariinha Pires Teixeira Chaves – hoje com oitenta anos – o relógio francês que fica no mercado municipal de Mosqueiro pertencia ao pai. Segundo ela, o pai era um homem muito generoso e culto, devido ao estreito contato do Pará com o velho mundo naquela época. Arthur cedeu parte de seu terreno para construção de uma rua nas proximidades do chalé.

A capela que fica na praia do Carananduba foi erguida por ele. Arthur também foi o responsável pela construção do único cinema da história de Mosqueiro: o cinema Guajarino. Dona Mariinha lembra saudosa de quando saíam de charrete para assistir às sessões no cinema. “Nós víamos filmes norte-americanos muito românticos ou os famosos faroestes. Mas no final da década de trinta... início de quarenta, o cinema não existia mais”, lamenta.

Tais gestos lhe renderam algumas homenagens: a antiga praia do Covão recebeu o nome “Porto Arthur”; a travessa que passa ao lado do chalé ganhou o nome “Pires Teixeira”; a estação rodoviária da ilha e a praça do bairro do Carananduba receberam o nome de “Arthur Pires Teixeira”.

As festas no Porto Arthur eram memoráveis em toda a ilha. Pianistas de Belém eram levados para se apresentar nos saraus. Dona Mariinha diz que as melhores lembranças de sua vida estão lá: “cada cantinho daquela casa guarda lembranças muito preciosas. Meu pai e eu sempre gostávamos de ver aquela casa muito cheia. Meus filhos a frequentavam e meu marido adorava a ilha”, relembra.

Arthur Pires Teixeira morreu no ano de 1961, mas seus ideais permaneceram na família. O esposo de Mariinha, Waldemar Lins de Vasconcelos Chaves, tornou-se outro entusiasta, herdando o fascínio pelos chalés. O pai de Mariinha deixou a casa que morava em Belém de herança para ela. Para as duas irmãs, o chalé em Mosqueiro. “Mas elas foram morar no Rio de Janeiro e o venderam para o meu marido. Desde então, ele cuidou da casa com muito esmero. Depois da morte dele, em 1994, o nosso filho mais velho assumiu os cuidados da casa”, lembra Mariinha.”

 Oliveira, Juliana- “Uma paixão: Mosqueiro” in __ Revista Ilhas Amazônicas: o arquipélago de Mosqueiro – parte 1, Ed. 01, JAN 2006)

  

A ILHA CONTA SEUS CAUSOS: O PRETINHO DO PORTO

 

Autoria: Mosqueiro Vírgula

 

Entre as praias do Porto Arthur e o Murubira, existe uma praiazinha que, algumas décadas atrás, pescadores ancoravam canoas e faziam cabanas para passar a noite esperando a hora da maré. Neste local, havia muitas árvores de mangue e um enorme lago que as pessoas faziam tapagem, tarrafeavam e colocavam ¹matapi para prender o camarão, que servia de alimento para muitas famílias. A comunidade e os pescadores na época chamavam “CORVÃO” para aquela paragem...

Hoje, a ideia é crescer sem destruir o meio ambiente e sem esgotar os recursos naturais para as futuras gerações... Na história vermos que isso foi diferente.

PRETINHO, foi esse o apelido que recebeu o filho da Dona Benedita, natural do estado do Maranhão, que trabalhava de lavadeira da tradicional família do Sr. Arthur Pires Teixeira, nome que deu origem ao Bairro Porto Arthur, Terminal Rodoviário de Mosqueiro, Prédio Porto Arthur e a Rua Pires Teixeira, onde fica a capela Savina Petrilli, em terreno doado pela família Pires Teixeira.

O Bairro do Porto Arthur faz fronteira com os bairros do Chapéu Virado, Murubira e Natal do Murubira.

Num acervo resumido da nossa história, os primeiros transportes de Mosqueiro, como carros puxados a boi, ônibus, e até uma locomotiva apelidada de “Pata Choca”, faziam linha Vila/Porto Arthur/Vila. Infelizmente, os registros históricos são insuetos e fazem a nossa bibliografia empobrecida.

Era o Negrinho mais lindo que você possa imaginar, tinha de sete para oito anos, pele limpa e sedosa, nariz afilado, olhos tão negros que eram quase azulados e os dentes tão alvos que, ao sorrir, seus caninos brilhavam como ouro. Não havia quem não gostasse daquele menino, estava sempre pronto para qualquer mandado... Sapeca assim; como qualquer criança que goza de saúde é feliz... Toda tardezinha quando as sabiás começavam a cantar nas palmeiras dos açaizeiros e o sol ia se pôr por trás da ILHA do AMOR, o PRETINHO pegava a varinha bordada feita de bambu e dizia: “-- Bence mãe!” Dona Benedita sempre dizia: “-- Menino, menino, cuidado meu filho, isso não é hora de brincar na praia, qualquer dia o tralhoto te encanta. Lembra do Miguer?”, “-- Deus bençoe!”. E o negrinho sai correndo na direção da praia do Corvão. Como se bailasse em êxtase, sempre sorrindo, corria atrás dos tralhotos que ficavam descansando na areia à espera dos marouços... Todo dia, corria atrás daqueles peixinhos, todo dia, e isso virou costume.

Naquela manhã, o menino estava mais feliz. Fez os mandados com um sorriso que só um inocente pode ter. Chegou a tardezinha.

Nessa tarde, por coincidência as sabiás não fizeram sinfonia, dona Benedita, abençoou, abraçou e beijou o menino como NÃO fazia de costume e virou-se para tempo... e não viu o Pretinho sair... Foi triste! O menino não voltou nunca mais... Coração de Mãe não se engana! Dona Benedita sabia que o havia perdido. Mesmo assim, sensibilizou a todos e por dias e meses passou procurando o seu único filho e nada. Ninguém viu! Passando-se nove meses, dona Benedita, com o coração apertado, desistiu das buscas; pediu as contas e voltou para o Maranhão sem seu filhinho Raimundo.

Passaram-se três décadas...

“Confesso-lhes que já senti vontade de perguntá-lo... Talvez já o tenha esquecido.” Até hoje, não sabemos o motivo pelo qual o Agente Distrital de Mosqueiro, na ocasião o Sr. J. I., resolveu destruir parte da natureza e introduziu um trator na praia revirando árvores e devastou com o lago do Corvão. Sem dúvidas, um grande choque para a comunidade da época, pois muitas famílias tiravam seus sustentos daquele lago que ficava ali, deitado em berço esplêndido...

Depois que o lago foi destruído, o Negrinho com o sorriso luminoso começou a aparecer para várias pessoas, principalmente para os pescadores e visitou muitas casas que ficam ali na orla... Sempre que alguém chamava por ele, ele desaparecia... Certo dia, o pescador Anselmo, estava distraído, amarrando a canoa, e o Negrinho, com aquele sorriso encantador... Chamou o escolhido “-- Venha, tenho um presente para você, vou lhe dar esse pequeno tesouro”. O pescador, sem entender o que estava acontecendo, seguiu o menino. O Negrinho apontando para uma urna de madeira semienterrada próximo a um barranco, disse: “-- É sua!” E prosseguiu: “-- Estou indo embora daqui, perdi meu doce lar, vou morar lá na C’ROA e agora só vou ter a permissão de aparecer uma vez em cada mês, continuo fazendo tolices. Quando quiser me ver é só ir lá na C’ROA DE PEDRAS em noite de lua cheia”. Deu uma pequena pausa, baixou a cabeça e algumas lágrimas caíram... seguiu falando: “-- Sei que minha mãe ainda vive; se puder, diga que a amo” Falou o que queria e desapareceu... O pescador ficou todo arrepiado e mesmo assim tratou de desenterrar e carregou a caixa... Dizem até hoje que Anselmo se tornou dono de uma grande fortuna e desapareceu da Ilha alguns dias depois.

Pescadores juram que é “vero”, que o Negrinho realmente aparece na C’roa de Pedras em noite de lua cheia.

Apenas uma lagoa rasa marca os vestígios que outra hora foi chamado; poucos pescadores ainda aportam canoas naquela parte da praia...
Se você é curioso, visite a C’roa de Pedras de preferência em noite de lua cheia. Quem sabe você reconhece através do “CAUSO” o famoso sorriso do “PRETINHO DO PORTO”.

 A C’roa de Pedras fica cerca de 150 metros da orla em frente das praias do Porto Arthur e Murubira.

¹matapi: Armadilha feita de tala e cipó em forma de cubo

 

 

 

 

 

 

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2022

PRAIAS DA ILHA: PRAIA DO CHAPÉU VIRADO

 “Enseada do Chapéu Virado e Farol: foto registrada no começo do século XX, provavelmente entre 1900 e 1910.”




 









Chapéu Virado: denominação curiosamente singular para uma enseada! Essa mesma enseada, a que os índios chamavam Maiandeua (Mãe da terra), é uma das mais belas praias da costa oeste da Ilha do Mosqueiro e um dos points turísticos preferidos por banhistas e visitantes.

Esse nome foi atribuído, no início, à ponta mais saliente da Ilha, que avança sobre as águas da baía do Marajó, estando registrado em códices e mapas muito antigos, como a Planta do Porto do Pará, trabalho cartográfico não datado, talvez oriundo dos remotos tempos do século XVII.

Tal situação geográfica de grande importância como referência náutica foi o motivo que levou a Marinha a instalar ali, em 1872, o primeiro farolete, exatamente onde, hoje, se encontra o Hotel Farol. Originariamente batizado como Ponta-do-Chapeo-Virado, o local passou a ser conhecido como Ponta do Farol pelos pescadores. Assim, no final do século XIX, a enseada viu a sua extensão ser dividida, para abrigar um novo nome consagrado pela vontade do povo: praia do Farol.

Dificilmente saberemos quando a designação Chapéu Virado foi empregada pela primeira vez. Difícil também é determinar o porquê de sua origem, o seu real significado, pois não existem documentos comprobatórios, embora muitas explicações tenham surgido, todas envolvendo essa peça tão comum da indumentária em todas as épocas. Seria uma lembrança dos rústicos chapéus de abas largas dos antigos pescadores que ali labutavam ou dos usados pelos valentes cabanos, que derramaram seu sangue naquelas areias? Ou dos finos chapéus de palhinha dos senhores aristocratas que frequentavam a Ilha, naqueles tempos longínquos?

Quem sabe não foi produto da imaginação criativa de algum navegador que, aproximando-se da Ilha, vislumbrou, no formato da enseada, a silhueta de um chapéu beirado cheio de água? E, já que estamos no campo da imaginação, não teria esse viajante comparado o lugar com a praia de Copacabana, cuja ponta avança sobre a baía de Guanabara? Em verdade, guardadas as devidas proporções, ambas as enseadas se assemelham pela forma de meia-lua.  Os nomes das duas praias teriam, portanto, certa relação, uma vez que da palavra aportuguesada Copacabana lembrar-se-ia o tal navegador, pois, no sentido dicionarizado, copa é a parte superior do chapéu.

Deixando de lado a fantasia, a verdade é que o invulgar nome Chapéu Virado teve uma grande divulgação em Paris, no início do século passado, promovida por Arthur Pires Teixeira, amante fervoroso e benfeitor incondicional daquela magnífica localidade da Ilha do Mosqueiro.

 

CANTANDO A ILHA: SOUVENIR DO CHAPÉU VIRADO

(Texto transcrito do livro “Mosqueiro Ilhas e Vilas”)

Folheto impresso em Paris sob o nome de “Souvenir do Chapéu Virado”, organizado pelo Sr. Pires Teixeira, publica e divulga as principais edificações daquele bairro, citando seus locais e seus proprietários. O raro documento é datado de 1907. – Nos foi cedido pelo seu genro eng. Waldemar Chaves. O folheto tinha a função de exaltar o Chapéu Virado daqueles tempos, no começo do século. Arthur Pires Teixeira foi ali um de seus grandes pioneiros e assim se refere à beleza do Chapéu Virado:

“... é um simples suburbio da florescente villa do Mosqueiro, que, como é sabido, dista poucas milhas, apenas, da Capital do Estado. É, portanto, o que muitos conhecem: um excelente logradoiro a 20 minutos de bond da villa; a 20 minutos de bond porque é servido por uma linha desses veículos, de que é concessionário o conhecido industrial Snr. Pindobussú de Lemos. Ora, o nosso preferido retiro permaneceria como muitos, desconhecido e conseguintemente abandonado, se o homem para alli não fosse attrahido de certa forma, já pelo ardente desejo de aspirar um oxigenio puríssimo, já pela absoluta necessidade de um pouso ameno, onde se pudesse furtar ao bulício das cidades mais ou menos agitadas; se, finalmente, o homem alli não construísse elegantes e confortaveis vivendas, traçadas em chalets de multiplas e bellas formas. E o próprio elemento estrangeiro o procura, o prefere, parecendo-nos conducentes todas essas circunstancias. No “Chapeo-Virado”, emfim, parece que a natureza baila eternamente; sim, baila eternamente – ou não escutassemos ahi, a todos os momentos, o canto mavioso do passaredo em doce concerto com o mystico harpejo que emana d’esse milhão de beijos do mar sanhudo numas adoraveis areias, que dessas, muito brancas, é a longa praia do nosso sympatico “Chapeo-Virado”. E poder-se-á, ainda, negar a poesia da solidão, o encanto de uma vida docemente bucolica? Ahi ficou a descrição do Chapeo-Virado para onde machinalmente nos vamos conduzindo, onde (sem querer talvez) vamos ficando, vamos ficando...”

(Meira Filho, Augusto -- “Mosqueiro Ilhas e Vilas”, Grafisa Ed., 1978, pp 46, 49)



NA ROTA DA HISTÓRIA: CHAPÉU VIRADO

Século passado, primeiras décadas. Momentos que lá se vão carregados pela voragem do tempo. Cenas que não presenciamos e que buscamos reconstruir pelo poder da imaginação. Parece-nos ainda ver os visitantes em seus melhores trajes desembarcarem no trapiche da Vila e, ano após ano, seguirem alegremente em caleches e tilburis (carruagens de tração animal), no bondinho puxado a burro, no trenzinho conduzido por uma locomotiva a vapor apelidada de Pata Choca e nos ônibus de carroceria de madeira. Seu destino: o Chapéu Virado, lugar preferido pela elite de Belém por seu intenso bucolismo e uma paisagem de beleza paradisíaca.

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Desembarque de passageiros no trapiche da Vila do Mosqueiro, no início do século passado (Fonte: Blog H. Baleixe).

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Trapiche da Vila do Mosqueiro em armação de ferro e pista de madeira - 1.908 (Meira Filho, 1978).

 

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Bondinho puxado a burro no trajeto Vila-Porto Arthur (Meira Filho, 1978).

Primeiro ônibus da Ilha do Mosqueiro (Meira Filho, 1978).

Chapéu Virado é nome antigo em registros cartográficos (Ponta-do-Chapeo-Virado, atualmente Ponta do Farol), de origem desconhecida, talvez uma referência à forma da enseada (chapéu beirado), talvez lembrança da velha clareira ali existente, hoje praça, ontem “o lugar onde o chapéu virava” arrancado da cabeça dos caboclos pelo vento forte que ali chegava canalizado por diversos caminhos.

No final do séc. XIX e início do XX, entre os anos de 1.880 e 1.912, no apogeu da borracha, a ilha foi descoberta pelos estrangeiros que trabalhavam em Belém, nas empresas como a Pará Eletric, Amazon River, Port of Pará e outras. Ingleses, franceses, alemães, americanos, portugueses, libaneses e hebraicos estiveram na costa oeste da ilha e muitos construíram, inclusive no Chapéu Virado, vários casarões, cuja arquitetura é um misto de estilos europeus com a realidade climática local, em traços que vão desde o barroco ao neoclássico. Posteriormente, a elite da sociedade de Belém aderiu a esse movimento na busca do merecido repouso de fim-de-semana.

E eles vinham, gente ruidosa, elegante, feliz, antegozando o fim-de-semana no convívio da família e dos amigos, sentindo a magia da Ilha na fartura do verde e das águas, no beijo ardente do sol ou no aconchego do luar. Alguns se dirigiam a seus chalés, vivendas e retiros; outros buscavam hospedagem no Hotel Chapéu Virado, o famoso Hotel do Russo, prédio que ainda existe, porém como um condomínio de apartamentos.

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Família reunida em frente ao Chalé Cardoso, no Chapéu Virado antigo (Fonte: Blog H. Baleixe).

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Fachada do antigo Balneário Hotel Chapéu Virado ainda em madeira (Fonte: Blog Haroldo Baleixe).

A princípio, humilde pousada em madeira e casa de pasto sob a administração do francês Monsieur Pinet, o Hotel Chapéu Virado passaria depois a ser conduzido pela firma Ferreira Gomes Cia. e pelo especialista em hotelaria Sr. Manuel Tuñas. Em 1.936, foi adquirido pelo casal português Manoel Maria Fernandes Tavares e Dona Glória Marques Tavares. O Sr. Tavares construiu um anexo em alvenaria ao antigo prédio e, com seu retorno a Portugal em 1.939, a gerência do hotel ficou nas mãos de sua filha Dona Carolina e de seu genro, o português Antônio Joaquim Ferreira, o Russo, apelido oriundo da cor de seus cabelos. Foi, então, que um incêndio destruiu a primitiva construção em madeira e os novos proprietários receberam do prefeito de Belém Abelardo Conduru e, depois, do governador Magalhães Barata, em forma de ajuda, o pagamento de três parcelas de vinte contos de réis, como financiamento para a reconstrução do hotel.

Entretanto, esse prédio não é o único marco histórico do local. Bem no meio da praça está a Capelinha do Sagrado Coração de Jesus, edificada pelo Sr. Guilherme Augusto de Miranda Filho, como pagamento de promessa por ter recuperado a saúde na ilha, e inaugurada em 17 de dezembro de 1.909 pelo arcebispo efetivo de Belém Dom Santino Coutinho. É dessa Capela que, no segundo domingo de dezembro, sai o Círio de Nossa Senhora do Ó, padroeira do povo mosqueirense, com destino à Igreja Matriz.

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O Russo e família em frente ao Hotel Chapéu Virado (Fonte: Blog HB, foto: Hermínio Pessoa).

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Capela do Sagrado Coração de Jesus e, ao fundo o Hotel Chapéu Virado (Meira Filho, 1978).

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Banhistas na praia do Chapéu Virado. Vê-se, ao fundo, a curva do Porto Arthur (Fonte: Blog HB).

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Poeta Mário de Andrade (1927), em traje de banho masculino, no Chapéu Virado (Fonte: Blog HB).

Dois outros prédios destacavam-se nos limites da Praça do Chapéu Virado com a Avenida Beira-Mar, ambos de frente para a praia. Um deles ainda existe, embora parte de seu terreno tenha sido negociado e abrigue duas farmácias: trata-se da Vivenda Porto Franco, em estilo neoclássico, antiga residência da família do Sr. José Franco. O outro era o Chalé do Coronel Lourenço Lucidoro Ferreira da Mota (Dr. Loló), Presidente da Executiva do Partido Republicano do Mosqueiro; depois foi transformado em casa de hóspedes, passou a ser propriedade do Dr. Cypriano Santos e, finalmente, demolido para a construção do Edifício Lilian-Lúcia.

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Vivenda Porto Franco (Foto: Regina, 1.978).

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Chalé do Dr. Loló em 1.907 (Meira Filho, 1.978).

A pracinha do Chapéu Virado (Praça Abelardo Conduru), na confluência da Avenida16 de Novembro com a Avenida Beira-Mar, ocupa um lugar privilegiado de onde, através do antigo Caramanchão, pode-se divisar a magnífica baía do Marajó e assistir a um belíssimo pôr-do-sol. Um lugar que guarda lembranças de fatos históricos como a luta heroica e sangrenta de nossos avós cabanos em 1.836; a aterrissagem na praia, em 13 de outubro de 1.927, do avião “Breguet 118” vindo de São Luís do Maranhão e pilotado por Paul Vachet; a chegada ao Hotel do Russo, em 14 de junho de 1.959, da expedição que, vinda de Belém, percorreu a pé, na mata, o trajeto da atual estrada; a primeira visita da Imagem Peregrina de Nossa Senhora de Nazaré, no dia do Círio do Mosqueiro, em dezembro de 1.965; ou a presença, pela primeira vez na ilha, de um Presidente da República, Ernesto Geisel, que veio inaugurar, no dia 12 de janeiro de 1.976, a Ponte Sebastião Rabelo de Oliveira sobre o Furo das Marinhas.

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Desbravadores traçando o percurso da futura estrada Belém-Mosqueiro em junho de 59 (Fonte: A. M. Filho).

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Chegada dos expedicionários ao Hotel do Russo, na Praça do Chapéu Virado: o primeiro passo na futura estrada (Fonte: A. M. Filho).

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Construção da estrada Belém-Mosqueiro (Fonte: A. M. Filho).

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No Furo da Marinhas (1.965), uma placa que entrou para a História (Fonte: A. M. Filho)

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Recepção à Imagem Peregrina de Nossa Senhora de Nazaré em 1.965 (Fonte: A. M. Filho).

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A Imagem Peregrina é conduzida em andor no Círio do Mosqueiro de 1.965 (Fonte: A. M. Filho)

Os tempos mudaram, no entanto a pracinha do Chapéu Virado continua sendo atraente, embora sem o “glamour” do passado que levou Arthur Pires Teixeira a torná-la famosa em Paris e sem o Hotel do Russo, o Ponto Chique, onde a nata da sociedade de Belém se reunia em festas de caridade, bailes, concursos e jogos.

E a praça recebe os visitantes da ilha com uma linda visão da Copacabana Mosqueirense e despede-se deles com a certeza de que, em breve, estarão ali novamente, vivendo as alegrias de momentos inesquecíveis.

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Visão aérea da antiga Ponta-do-Chapeo-Virado, hoje Ponta do Farol (Fonte: A. M. Filho)

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Visão panorâmica da antiga praia do Chapéu Virado ( Fonte: Blog Haroldo Baleixe)


NA ROTA DA HISTÓRIA: O POUSO DOS AVIÕES


Em seus relatos sobre a história do Chapéu Virado e do Farol, o Dr. Zacharias Mártyres e sua esposa Dona Adelaide de Almeida sempre mencionavam a chegada, naquela ponta da ilha, de hidroaviões e, até mesmo, de um Zeppelin, por ocasião da Segunda Grande Guerra. Seus tripulantes, geralmente oficiais ingleses, não raras vezes se hospedavam no Balneário Farol, ali aos pés do rio-mar. Entretanto, outros relatos existem sobre o assunto que revelam a presença de aeronaves naquela praia em tempos mais remotos, quando não havia aeroporto nem na Capital do Estado. Acreditamos que o primeiro avião monomotor a pousar naquela faixa de areia foi o “Breguet 118”, segundo as pesquisas do historiador Augusto Meira Filho:

“Em 13 de outubro de 1927, procedente do Rio de Janeiro com várias escalas, inclusive em São Luís, aterrissou na praia do Chapéu-Virado o avião “Breguet 118”, pintado de alumínio, da Companhia “Latecoère”, dirigido por Paul Vachet, tendo como engenheiro mecânico Michel Goull e mecânico Marcel Gaffé. Sobrevoou Chapéu-Virado às 09:10 horas e às 10:25 horas aterrissou na praia do mesmo nome. O Comandante foi recebido pelo Dr. Innocêncio Bentes representante do Prefeito Crespo de Castro e outras autoridades. Em caminhão a comitiva seguiu para a Vila onde embarcou na lancha “Lisboa Serra”, desembarcando na escadinha (do cais do porto), ficando a tripulação hospedada no Grande Hotel. No Chapéu-Virado o avião foi amarrado próximo à chácara do Dr. Innocêncio Bentes. O voo de São Luís a Belém levou quatro horas e a finalidade era fazer estudos, para estabelecer uma linha regular. No local onde aterrissou o avião, o Dr. Paulo Eleuthério em nome do intendente de Belém indicou aos representantes da imprensa o local onde seria erguido um pequeno monumento comemorativo à chegada do “Breguet 118”.” (MEIRA FILHO, 1978).

Interessante, não?! Bem que o Paul Vachet e o “Breguet 118” mereciam esse monumento que nunca existiu. E por falar no assunto, um segundo monumento deveria ter sido erguido naquele mesmo local, porque, no dia 16 de janeiro de 1929, ali pousava o avião “Peru”, pilotado por Carlos Martinez de Pinillos (1895-1947), tendo como navegador o tenente da Marinha peruana, Carlos Zegarra Lanfranco, conforme o site do AEROCLUB DEL PERU – ACP – SOCIOS:

“En la ciudad de Belem do Pará no existía aeropuerto y el aterrizaje se efectuó en un campo improvisado en la playa "Chapeu Virado" en la isla de Mosqueiro y esto significó un entrampamiento para el viaje, puesto que no tenían permiso oficial para el vuelo sobre la Guayana Francesa y no había una pista suficientemente larga para despegar con la cantidad de combustible necesario para llegar hasta Venezuela. Para empeorar las cosas, una crecida del río Amazonas redujo aun más el espacio disponible.Como resultado de esto, Pinillos y Zegarra iniciaron el retorno a la patria por vía fluvial después de desarmar el "Perú" y despacharlo por barco hacia Nueva York.”

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O avião “PERU” na praia do Chapéu Virado (1929).

“Na cidade de Belém do Pará não havia aeroporto e o pouso ocorreu em um campo improvisado na praia "Chapéu Virado", na ilha de Mosqueiro e isso significava uma armadilha para a viagem, pois eles não tinham permissão oficial para o vôo sobre a Guiana Francesa e não havia uma pista longa o suficiente para decolar com a quantidade de combustível necessário para chegar à Venezuela. Para piorar a situação, uma cheia do rio Amazonas reduziu ainda mais o espaço disponível. Como resultado, Pinillos e Zegarra começaram o retorno à pátria por via marítima, após desarmar o "Peru" e enviá-lo de barco até Nova York.”

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Carlos Martinez de Pinillos.

Durante alguns anos, o aviador peruano Carlos Martinez Pinillos realizou vôos comerciais da companhia Air Co. Pinillos, viajando por todo o país, transportando passageiros e fazendo voos de demonstração nas cidades onde eles nunca tinham visto um avião. Em 1927, iniciou o projeto de um voo internacional que culminaria com uma volta completa na América do Sul. Para realizar o voo, foi escolhido um Bellanca CH-300 Pacemaker, monoplano de asa alta alimentado por uma Wright J-5-220 HP, que lhe permitiu atingir uma velocidade de cruzeiro de 150 km / h, com um máximo de 185. Ele tinha três tanques de combustível com capacidade para 345 litros de gasolina que permitiu uma autonomia de voo de 25 horas (aproximadamente 3,800 milhas) e uma válvula de liberação rápida em caso de emergência. Pinillos solicitou o reforço do trem de pouso para cargas pesadas e dos freios das rodas e iluminação completa para voo noturno. O avião foi denominado "Peru” e teve a fuselagem pintada de verde-escuro e as asas, de amarelo-alaranjado.

O “Peru” alçou voo da cidade de Lima na manhã de 11 de dezembro de 1928 e, para chegarem à ilha do Mosqueiro, os destemidos aviadores realizaram as seguintes escalas: Ilo, Santiago do Chile, Buenos Aires, Montevidéu, Rio de Janeiro, Bahia, Natal e São Luís. Da ilha do Mosqueiro até Nova York, viajaram por mar e, finalmente, no dia 27 de maio, partindo de Nova YorK, iniciaram a segunda etapa da aventura, que terminaria no dia 25 de junho de 1929, quando o pequeno avião pousou na Capital do Peru, às 9h e 20min..

A recepção aos aviadores no final da viagem foi grandiosa. Carregados nos ombros pela multidão, foram condecorados e receberam muitos prêmios e felicitações. Na fuselagem do avião, foram pintados os escudos de todos os países que os peruanos visitaram durante a viagem.

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Recepção aos aviadores peruanos em Lima.

Infelizmente, esse aparelho, que deveria estar em um museu, não existe mais. Após ter sido vendido ao aviador civil Juan Pardo de Miguel, que, por sua vez, o negociou com o piloto Fiurman Herman, o “Peru” teve um fim trágico, levando à morte o seu terceiro dono. Ao ver os destroços do histórico avião, Pinillos declarou: "Cuando ví al que había sido el "Perú", convertido ahora en pedazos desgarrados de violencia, en fierros retorcidos de indignación, en cenizas de aburrimiento y de pesar, la tierra se abrió a mis pies...”.

  
  

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Do histórico avião, só restam as fotos.

Disponível clip_image009m

MEIRA FILHO, Augusto. “Mosqueiro Ilhas e Vilas”- ED. GRAFISA, 1978- p 439. clip_image010

http://moskowilha.blogspot.com/2010/06/carlos-martinez-de-pinillos-1895-1947.html#links

http://www.aeroclubperu.org.pe/socios/pinillos.html. Acesso: 07 jan. 2011.