segunda-feira, 31 de janeiro de 2022

PRAIAS DA ILHA: PRAIA DO FAROL

Em verdade, a denominação Praia do Farol surgiu após a instalação do farolete sobre o barranco na ponta de praia que, originalmente, era chamada de Ponta-do-Chapeo-Virado, assim registrada em mapa antigo, hoje Ponta do Farol, onde está assentado o quase centenário prédio do Hotel Farol, construído por Zacharias Mártyres. Era o ano de 1872, quando o comandante do vapor de guerra Marcílio Dias instalou esse importante ponto de sinalização náutica. A partir daí, os pescadores que frequentavam o local designaram essa parte da enseada pelo nome citado acima.

A enseada, voltada para o norte e banhada pela baía do Marajó, é limitada por essa ponta de praia e pelo barranco que a separa da praia do Porto Arthur. Portanto, é uma mesma praia que, ao longo do seu percurso de sul para norte, é chamada de Farol e de Chapéu Virado, considerando-se o final da antiga Estrada (atual Av. 16 de Novembro) como o ponto limítrofe.

Essa praia, nas marés altas das tardes e noites mosqueirenses, pela forte ação dos ventos, é caracterizada por ondas altas, o que possibilita a prática de surf em água doce e de outros esportes radicais.

 










PRAIA DO FAROL (FOTO: Eduardo Brandão)

CURIOSIDADES: POR QUE FAROL?

 Era uma agradável tarde de sábado, no final da década de 70. Estava eu confortavelmente instalado na barraca do saudoso Zacharias, numa das mais belas enseadas da ilha do Mosqueiro, saboreando uma cerveja bem geladinha, uma inigualável unha de caranguejo e um pôr-do-sol inesquecível, quando um casal de turistas recém-chegados se aproximou e perguntou:

-- Por que Farol?

-- Ahn?!

-- Moço, viemos andando pela praia desde o Chapéu Virado e não vimos farol algum. Só aquele prédio em frente à ilhota. Por que praia do Farol? Esse farol existiu realmente?

Com efeito, quem chega à praia vindo pelo Chapéu Virado não consegue ver o farol que lhe emprestou o nome. Assim, convidei o casal a sentar-se e expliquei:

-- De certa forma, o farol ainda existe, mas só poderão vê-lo depois da ilhota, na outra enseada, que denominamos prainha do Farol. Porém, não foi exatamente este farol que deu nome à praia onde estamos.

-- Como assim?

-- Voltando no tempo, lá no século XIX, toda esta enseada tinha o nome de praia do Chapéu Virado, não havia outro nome. Foi quando em 1872, o comandante do vapor de guerra Marcílio Dias instalou, sobre o barranco onde fica o prédio do hotel – que vocês podem ver daqui – o antigo farol, o mesmo que inspirou os pescadores da época a batizarem esta ponta de praia.

-- Quer dizer que um farol existiu ali, antes da construção do hotel?

-- Isso mesmo e era bem visível daqui. Mas, por uma questão de ordem prática, em 1883, foi desmontado e transferido para onde se encontra até hoje. Ele se foi, entretanto seu nome continua lembrado pelo Hotel Farol, construído ali pelo Zacharias Mártyres, o primeiro dono.

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Farol do Chapéu Virado (Galeria de Belém)              O Hotel Farol e a Ilha dos Amores

-- Interessante... muito interessante! E que rio é este... ou será um mar?

-- Este é o rio Pará, meu amigo, o rio que dá nome ao nosso Estado, o mesmo “mar dulce” que impressionou o Vicente Pinzón. É o rio-mar, que aqui se abre e se avoluma para formar a baía do Marajó, cujas águas banham esta praia.


NA ROTA DA HISTÓRIA: HOTEL FAROL

 Localizado na Ponta do Farol, antiga Ponta-do-Chapeo-Virado, área onde, em 1872, fora instalado o primeiro Pharolete, o Hotel Farol é o mais antigo em atividade na ilha (desde 1931). Aos pés da baía do Marajó, sua posição geográfica privilegiada brinda seus hóspedes com uma belíssima vista do rio-mar, da praia que contorna a enseada de água doce e da pequenina “Ilha dos Amores” ali, bem perto, talvez a lembrar para sempre a história de amor vivida por Zacharias e Adelaide, naquele recanto paradisíaco, muito bem registrada no ano de 2006, por Lidiane Campos em “Testemunha ocular da história de Mosqueiro”:

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Dr. Zacharias Mártyres         Dona Adelaide de Almeida

De origem lusitana, ela nasceu em Lisboa, no dia 05 de dezembro de 1908. Filha de Maria do Patrocínio Almeida e de José Manoel de Almeida, foi batizada na Igreja da Ajuda, em Portugal. Mas é em Mosqueiro que a história dela se completa. Chegou a Belém aos nove anos de idade, com o tio paterno Júlio de Almeida – detalhes que faz questão de lembrar. A viagem até a capital do Pará foi difícil. Foram 25 dias no navio Parquet Hillary onde ela só “via céu e mar.”

Aos 14 anos de idade, Adelaide conheceu o grande amor de sua vida: o doutor Zacharias Mártyres – doutor, aliás, tratamento indispensável para falar do marido. Eles se conheceram em uma tinturaria que pertencia à tia de Adelaide. Depois desse dia, Zacharias passou a freqüentar assiduamente o local. Vinte e quatro anos mais velho, dona Adelaide nem desconfiava que o motivo das visitas era apenas um: ela. No princípio, achou que fosse interesse na tia. Mas depois descobriu que ele tinha outras intenções: namorá-la. Uma vizinha, inclusive, fez o alerta: “Não é com tua tia... É em ti que ele está interessado.”

A partir daí, começaram a viver um grande amor. Quando ela completou 17 anos, ele fez o pedido de namoro e casamento ao mesmo tempo. A princípio, houve resistência da família dela – Zacharias era mais velho e estava separado. Mas o casamento aconteceu em 1929. Desse fruto matrimonial, nasceram 15 filhos. Para quem pensa que é muito, além desses, Adelaide adotou mais 12. Depois do casamento, eles ainda viveram dois anos em Belém. Mas, logo depois, escolheram o arquipélago de Mosqueiro, na praia do Farol, para morar e criar os filhos.

A princípio, Adelaide não sabe explicar muito bem, mas desconfia o porquê dessa mudança. “Eu suspeitava que ele tinha muito ciúme e queria me esconder aqui”, acredita. Quando chegaram a Mosqueiro, foram morar em uma pequena casinha, onde hoje é o centro do Hotel Farol. A moradia mais próxima do local era a casa do faroleiro.

Desde a sua chegada, o marido decidiu desbravar o local de ponta-a-ponta. Com o auxílio de 30 homens, construiu uma fazendinha, na qual criava cabras, cavalos, porcos e galinhas e transformou em bosque o que era mata virgem. Depois de muita tentativa, veio a luz elétrica, oriunda do Chapéu Virado. Para o consumo de água, tiveram que furar quatro poços, na esperança de achar um bom lençol freático.

Zacharias, que era advogado, tinha que trabalhar todos os dias em Belém. Ia de navio, pois na época, não havia ponte ligando Belém a Mosqueiro. De charrete, Adelaide sempre o levava até o trapiche da Vila. O percurso era muito arriscado, já que não havia estrada. Mas hoje, segundo ela, já existe outro caminho menos perigoso.

Para criar os filhos, Adelaide contou com a ajuda da mãe, que teve quatro filhos, se separou do marido e veio morar no Brasil. As crianças viviam livres: ”Eu só dizia para eles: ali é um buraco. Se cair, pode morrer”.

Hotel – Adelaide conta que o marido fazia muita propaganda do local onde moravam. Curiosos em conhecer a ilha, os amigos se hospedavam na casa de Zacharias. A partir disso, ele construiu um espaço para abrigar os hóspedes, batizado de “Casa dos Amigos”. Era o princípio do Hotel Farol. Mas Adelaide relutou em aceitar a ideia. “Ele insistiu tanto e aí foi construindo, sem ter recebido qualquer recurso. Com dinheiro próprio”, conta.”

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Hotel Farol (FOTO: Gerlei – 2010).

Segundo o site oficial do hotel, aquela ponta de praia “sediaria um simples, porém ambicioso complexo hoteleiro para a época, o qual seria a segunda hospedaria da Ilha do Mosqueiro até então.

Essa construção deveria se assemelhar a um grande transatlântico de onde a natureza como um todo pudesse ser admirada de seu convés, acompanhada pelo marulhar das ondas, tal a proximidade da água; os cantos arredondados do prédio seriam para quebrar a força incessante do vento naquela ponta e a arquitetura em si, sob a influência européia, com a qual Zacharias se identificava, possibilitava sob vários ângulos, o desfrutar da paisagem: de frente para a praia, o amanhecer; de frente para o farol de navegação, o crepúsculo; de frente para a Ilha dos Amores, a Ilha do Marajó; e de frente para a praça, mas com a segurança de "estar em terra".

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Hotel Farol (FOTO: Eduardo Anselmo -2010).

Na década de 40, com a nova cozinha já dentro do hotel e a ala superior concluída abrigando apartamentos, quartos e banheiros externos, também à moda européia da época, a "casa de amigos", de fato, se tornou um hotel - chamado então Balneário Farol - que passou a ser freqüentado pela sociedade belenense que lá passava a época de verão, e até mesmo por oficiais militares americanos sediados na base aérea de Val-de-Cans na época da Segunda Guerra.”

Falando sobre a estrutura do hotel descrita por Adelaide, Lidiane Campos acrescenta: “Segundo ela, o salão nobre foi preparado para receber um cassino. “Mas acabou não acontecendo, porque o governo brasileiro proibiu o jogo”, explica. Mesmo assim, Zacharias logo arranjou outra função para o espaço. Feito de acapu, pau-amarelo e pau-nobre, o assoalho servia de palco aos visitantes que participavam de saraus, promovidos pelos filhos. “Os jovens dançavam valsa, quadrilha francesa... Mas com o passar do tempo, os homens só queriam saber de beber e esqueciam de dançar com as moças. Foi então que o meu marido cortou os saraus”, relembra Adelaide.”

Nas palavras de dona Adelaide, Lidiane Campos pôde constatar a importância do hotel para a história da ilha: “Inicialmente, o hotel era frequentado por muitas famílias de posse – Conduru, Athias, Meiras, Álvares, dentre outras. “Com o passar do tempo, essas famílias foram adquirindo as próprias casas em Mosqueiro, o que contribuiu para a ocupação da ilha” comenta, fazendo referência ao papel histórico que o hotel exerceu para a ilha.

Durante esse período, ela teve oportunidade de presenciar vários fatos marcantes. Um deles foi a passagem de um dirigível sobre a baía, em frente ao hotel. Na construção de Val-de-Cans, no final da década de 50, acompanhou a chegada dos hidroaviões, que traziam os ingleses. “Eles aportavam na praia do Farol e eram recebidos no hotel. Repousavam, tomavam café e partiam”, afirma.”

.Com o falecimento do Dr. Zacharias em 1958, sua esposa Dona Adelaide e filhos assumiam seu sonho. Em sua administração, Adelaide deu início à construção de um prédio de 12 faces, mais conhecido como “redondo”, que instalaria novos e modernos apartamentos tipo suíte, com sacada para praia.

Em 19 de dezembro de 2008, falecia Dona Adelaide, que completara 100 anos no dia 05, passando assim, a administração do complexo a seus filhos e a missão de continuar o sonho do casal, mas sem esquecer o clima familiar típico, clima este que faz, até hoje, clientes tornarem-se amigos, com os quais os herdeiros têm o prazer de conviver a gerações.

FONTES:

Campos, Lidiane- “Testemunha ocular da história de Mosqueiro” in __ Revista Ilhas Amazônicas: o arquipélago de Mosqueiro – parte 1, Ed. 01, JAN 2006)

http://www.hotelfarol.com.br/historia.aspx


JANELAS DO TEMPO: O PATRIARCA

 Texto de Augusto Meira Filho

“Conhecemos, no passado, uma pequenina barraca, coberta de telha, toda branca, cercada da natureza pródiga do Mosqueiro, fixada à ponta extrema da praia do Farol. Em frente, uma grande ilha de pedra e em volta daquele promontório, pesados blocos, lisos e escuros, garantiam a estabilidade e a segurança do lugar.

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Zacharias Mártyres, o PATRIARCA DO FAROL.

Não há na ilha do Mosqueiro local mais belo pela sua situação geográfica e pelo colar de areias brancas que o cerca e enriquece a paisagem. Ali instalou-se o bacharel Zacharias Mártyres ainda moço, apreciando a paz da ilha, ao tempo em que nada ou quase nada existia no bairro. Vivia-se no Chapéu Virado, no Murubira e na Vila. Isolado e tranqüilo, o Dr. Zacharias criaria cabras, respiraria ar puro do Marajó, sem deixar seu escritório de advocacia, em Belém, um só momento. Diariamente, comparecia ao forum, cuidava de clientes, acertava negócios e, à tarde, regressava, religiosamente, ao seu tugúrio. Um poeta, não há dúvida, por novos caminhos. Um encanto o local, muito disputado, como até hoje.”

“Dessa época, o começo da ideia de Zacharias Mártyres, em edificar uma casa-de-repouso, no mesmo local onde possuía sua barraquinha branca, suas criações, suas cabras. Negociou com a Prefeitura, por sugestão do próprio prefeito, terreno de sua propriedade com nascente e regular tamanho, situado no correr do velho caminho que unia a estrada do Chapéu Virado com o Farol e que servia ao abastecimento deste, efetuado, periodicamente, pela Marinha, sediada em Belém.

Permutou-o com material de construção, principalmente cimento, aplicando-o nos alicerces e na alvenaria inicial de seu futuro hotel. Conseguiu levantá-lo, vagarosamente, com enormes sacrifícios, em torno da casa em que vivia, sem retirá-la do lugar, nem mesmo um só palmo, depois, anexada, à construção global. Costumava dizer aos amigos:

-- Isto aqui não é um hotel. É uma casa de hóspedes, onde costumo receber meus amigos. E, feliz, explicava com sabedoria de um profissional da engenharia, todos os detalhes daquele seu milagre! Ao centro, parava, meditava, sorria e confirmava aos visitantes:

-- Esta parte vai ficar. Não se toca. É meu laboratório... Depois, especificava seu projeto, em função da praia, dos ventos dominantes, da paisagem, etc.:

-- Aqui ficarão os terraços corridos em volta do prédio, na ala B envidraçados e na ala C, em venezianas. Do outro lado será o jardim-de-inverno ligado ao salão de festas, todo de espelhos, para que reflitam as ondas, dando a impressão de um grande transatlântico, navegando, jogando, sobre as águas da baía do Marajó...

Mestre Zacharias avançava pelo meio dos andaimes, entusiasmado com o interesse dos amigos, trajando pijama fino e velho, sobre seu corpo magro e ágil:

-- Neste local será a sala de refeições, trabalhando com a ala A, destinada à copa e cozinha. Depois a despensa e rede sanitária. No sobrado, um varandão em torno da obra e os quartos, internos, fugindo do vento excessivo que aqui sobra enquanto falta em outros pontos da ilha. Tenho que fazer um trabalho que valorize ainda mais esta ponta privilegiada. Não há outra com iguais qualidades, que eu conheça, dentro do Mosqueiro, acrescendo, ainda, sua proximidade da Vila, do mercado, da ponte, da igreja, da polícia...

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HOTEL FAROL: a construção de um SONHO.

Tinha razão o ranheta bacharel. O local de sua “casa de repouso para amigos” era excepcional, como afirmava, sem, contudo, falar em hotel.

Nessa época, aproveitando os melhoramentos urbanos no Farol, a Agência Municipal preparou a pracinha, abriu ruas transversais e normais ao rio, inclusive a artéria com que hoje se homenageia o grande administrador: Alameda Abelardo Conduru. Estava salva, portanto, a praia do Farol! No correr interno do bairro, Abelardo edificou duas grandes instalações destinadas à Colônia de Férias de alunos de Escolas do Município. Concluídas, foram requisitadas pelo Exército, para ali instalar a Bateria de Costa, no último conflito. Daí o nome se popularizou: Estrada da Bateria. Deve-se a Zacharias Mártyres a abertura da vereda, aproximando a estrada do Chapéu Virado à margem da ilha, na direção do mesmo Farol. Não havendo, então, transporte de ônibus, ele se utilizava de uma charrete que o aguardava à passagem do bonde (ferro-carril) nesse tempo, único meio de comunicação entre a Vila e Porto Arthur. Descendo regularmente, um empregado já o apanhava, diariamente, para conduzi-lo até sua residência, na ponta do Farol. Uma árvore enorme marcava o local, de praxe, parada para atender o Dr. Zacharias.

Era o caminho carroçável denominado “do Pau-Grande”, posteriormente, modificado para Estrada do Diamante.

Se ao prefeito devemos o bairro do Farol pela sua higienização e total eliminação palúdica do lugar, também, ao velho e discutido Dr. Zacharias Mártyres, muito ficaria a dever aquela região que ele, realmente, fundou, após a mansão antiga dos Fortunato.

Em um de seus dias de euforia, nos diria Zacharias:

-- É preciso dar um nome a esta Praça em frente ao Hotel. Poderia muito bem ser a “Praça do Patriarca”. Quando eu morresse, vocês colocariam embaixo do nome: “Zacharias Mártyres”. Assim o Mosqueiro ganharia a sua “Praça do Patriarca Zacharias Mártyres”. Procedia, efetivamente, a lembrança do amigo, tamanha foi sua prole digna desse merecimento. Durante quarenta anos, Zacharias, religiosamente, viajou para Belém. Na madrugada, entre passageiros apertados no interior do veículo, sua voz despertava o silêncio. Sua figura esguia, seu chapéu amassado, sua capa preta protegendo aquilo que ele mesmo chamava “miséria orgânica”, vinha presente, sempre reclamando alguma coisa, achando que o poder público estava cada vez mais falido...! Ao cair da tarde, cheio de encomendas, pasta profissional, embrulhos de toda espécie, descia em frente ao Hotel, ainda resmungando com o serviço mal feito dos operários que deixara, apelidando-os de comunistas... Uma criatura especial que, em longos anos, foi, também, um retrato da abnegação de quem vivia no Mosqueiro e trabalhava na capital. Um lutador! Digno de ficar na memória dos tempos, como um dos pioneiros do desenvolvimento da Ilha do Mosqueiro. Sim! Na “Praça do Patriarca”!

MEIRA FILHO, Augusto. “Mosqueiro Ilhas e Vilas”- ED. GRAFISA, 1978- pp 57, 58, 61, 62, 63

http://www.hotelfarol.com.br/historia.aspx


NA ROTA DA HISTÓRIA: A URBANIZAÇÃO DO FAROL

Texto de Augusto Meira Filho

“O Sr. Fortunato A. de Souza Júnior conseguiu duas sortes de terras no lugar denominado “praia do Maandeua ou Chapéu-Virado”, medindo 460 braças de frente da cabeceira do lago ou igarapé Itaboca e fundos até o igarapé Muruyra. Fazia frente para a baía do Marajó. Acreditamos ser esse vasto terreno na área hoje compreendida pela Praia do Farol, lado sudoeste, mais tarde, interligado à do Chapéu-Virado. Realmente, entre a costa e a atual estrada da Bateria, existiu naquela baixada visível ainda agora, um igarapé que partia de leste para oeste. Além do mais, sabe-se que residiu no local por muitos anos um velho morador chamado Fortunato ou seus herdeiros. Sua casa era... certamente, a mais antiga construção do bairro. Aparece, curiosamente, Anselmo José Dias pedindo a legitimação de posse referente ao terreno chamado “Chapéu-Virado” com 259, 957 m² -- em um perímetro de 2.521 metros. Seu título foi expedido em 1898.”

“Na administração Abelardo Conduru que sucedeu à de Alcindo Cacela à frente da Prefeitura Municipal de Belém, o bairro do Farol, finalmente, teria seu grande padrinho. Toda aquela área da atual Praça do Farol, até quase ao Chapéu-Virado, onde se erguia – o Chalet de Guilherme Augusto de Miranda Filho, depois, Vivenda “Minhota” do banqueiro Sr. Cerqueira Dantas... – limitado pelo caminho da bateria e à praia, representava um dos mais sérios problemas para a Agência. Pantanosa (recordar o igarapé Itaboca, que estudamos), baixa e altamente palúdica, ninguém se atrevia a requerer lotes ali, em face do índice de malária que a região possuía, imprópria, portanto, para construções e residências.

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A PONTA DO FAROL (FOTO: A. M. FILHO, 1978)

Seguindo a obra, realmente importante, que Cacela havia executado na Vila, de proteção dos barrancos contra as marés, ainda agora existente, Conduru chamou a si, o preparo e a salvação de tão preciosa área, anexa, por assim dizer, ao Chapéu-Virado. Chamou e contratou sanitaristas e lhes entregou a recuperação dos terrenos alagados, mediante obras de profundidade.

Coube a Valério Konder e Periassu, assessorados pelo engenheiro Waldir Acatauassu Nunes da 6ª. Diretoria de Obras da Prefeitura de Belém, a solução técnica do problema. Canais de drenagem foram abertos, saneada a baixada de ponta a ponta e colocados os novos lotes, em condições de receber edificação, com frente para a praia. Fez Conduru uma arrumação completa, projetando, praticamente, um bairro totalmente utilitário para os que se interessassem em erguer suas vivendas na orla do Farol. Não foi fácil ao Prefeito convencer a população de que os serviços haviam sido coroados de êxito. Deu entrevistas, publicou exames e divulgou pela imprensa o mais curioso processo de urbanização já ocorrido em Belém e, sobretudo, no Mosqueiro. Provando a insalubridade do lugar, o Prefeito determinou a demarcação da área anteriormente infectada para sua venda. Dispôs em lotes residenciais fronteiros à praia com fundos na direção do antigo caminho denominado de bateria, mais tarde, quando ali se localizaria uma bateria-de-costa militar à época da guerra.

Concluída a fixação do loteamento, novamente, Abelardo Conduru mandou projetar por conta da Comuna prédios ou vivendas de três tipos diferentes: um menos dispendioso, outro em meio-termo e o último, maior e de melhores proporções. Logo – ainda sob a responsabilidade do executivo municipal – deu início à construção planejada, levando-a até a altura do primeiro lance de janelas, com fundações, baldrames e parte de alvenaria executados. Chegada a essa posição, o alcaide, sem qualquer constrangimento, oferecia às pessoas gradas e merecedoras do presente, isto é, que tivessem posses para concluir as obras, incluindo o terreno e mais a parte da construção já executada. Somente com esse modo ardiloso, apareceram pretendentes, acreditando nas palavras da autoridade e na eficiência dos trabalhos de engenharia sanitária que haviam, definitivamente, acabado com as febres da malária ativa que infestava tão belo lugar da Ilha do Mosqueiro.”

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Praia e bairro do Farol (FONTE: GOOGLE EARTH).

“Cedo cresceram, subiram as obras, bateram-se cumeeiras, a notícia espalhou-se venturosamente. Outros proprietários de terrenos nas vizinhanças iniciaram negociações e suas próprias casas-de-praia, muitas das quais ainda existem. Era de se ver a abertura da estrada, a melhoria dos transportes, na orla do rio, aproximando o “Farol” do Chapéu-Virado, a que, em última análise, aquele se incorporava. Deve-se, portanto, à gestão operosa de Abelardo Conduru esse notável melhoramento no Mosqueiro, tal como seu antecessor o havia feito na Vila.”

MEIRA FILHO, Augusto. “Mosqueiro Ilhas e Vilas”- ED. GRAFISA, 1978- pp. 58, 61






CANTANDO A ILHA: CAMINHO DE MARAHU

 

Autor: Antônio Juraci Siqueira


-- Sobre uma fotografia de Max Martins nas areias do Marauh--








Aonde vais
estranho peregrino
com teus sonhos de mar?

Onde estão teus irmãos
e quantos tentam
roubar teu travesseiro recheado
de estrelas e navios?

Prossegue sem temer que teu cajado
conhece a poesia desse caminho
que nasce, sempre, quando o Sol descansa
e se desfaz a cada amanhecer.

As pedras conhecem teu destino
o vento afaga as rugas do teu rosto
e a areia soletra tua mudez

mas só teus olhos ternos de poeta
conhecem os segredos do caminho
que te leva ao coração de Marauh.

domingo, 23 de janeiro de 2022

PRAIAS DA ILHA: PRAINHA DO FAROL

 Como o nome de origem popular já sugere, a Prainha do Farol é uma pequena enseada entre a praia Grande e a antiga Ponta-do-Chapeo-Virado, atualmente denominada Ponta do Farol, um barranco que tem, a seus pés, uma formação rochosa (que vira ilha nas marés altas) conhecida como ilha dos amores.

Essa ponta arrefece a força dos ventos, as ondas e a correnteza, tornando a prainha um ancoradouro perfeito para as pequenas embarcações, principalmente porque o barranco que protege a costa, ali, fica mais atenuado, quase ao nível do mar. 










FOTO: João Araújo


NA ROTA DA HISTÓRIA: O PHAROLETE DO CHAPEO-VIRADO

pequeno farol localizado na antiga Ponta do Chapéu Virado (hoje Ponta do Farol) é um marco importante na história da ilha, não só por sinalizar aquela faixa de terra que avança sobre a baía do Marajó, mas, sobretudo, por ter originado o nome do hotel ali construído pelo saudoso Zacarias Mártyres (Hotel Farol), assim como as denominações da pequena enseada que lhe fica abaixo (Prainha do Farol), da grande extensão da antiga praia do Chapéu Virado, que lhe fica acima (Praia do Farol) e do bairro construído a partir desses pontos (bairro do Farol). Como registro da instalação do primeiro farol, em fevereiro de 1872, época de chuvas torrenciais na ilha, recorremos ao documento transcrito no Diário do Gram-Pará, em 27.02.1872, o qual foi enviado ao Presidente da Província, Abel Graça, pelo Comandante do vapor de guerra Marcílio Dias, cuja guarnição executou o referido trabalho.

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Praia do Farol (FONTE: Google Earth).

“Pharolete do Chapeo-Virado.

N. Bordo do vapor de guerra Marcílio Dias, no Pará, 22 de fevereiro de 1872.

Ilmo. exm. Sr.

Com verdadeira satisfação cumpro hoje o dever de comunicar a V. Ex. que ficou collocado na ponta do Chapeo Virado o pharolete do cujo assentamento me havia incumbido, de motu próprio, no intuito de dar a V. Ex. uma prova dos bons desejos que me animam em auxilia-lo, carregando também a minha pedra para o grandioso edifício da prosperidade d’esta província, cujo mais incansável obreiro tem sido incontestavelmente V. Ex..

O pharolete em questão está na parte mais elevada da dita ponta, num lugar onde descobri uma pequena peça de ferro e vestígios dum antigo poste telegraphico, mas foi-me preciso mandar previamente derrubar a mata cerrada que existia no focinho da ponta, lugar conhecido pelo nome de ilhota por ficar separado do continente nas ocasiões da préa-mar, motivo este que me levou a não preferi-lo, apesar da sua posição avançada.

Depois de descortinar o terreno, roçando e derrubando o mato que podia interceptar a luz em certas direcções, mandei fazer uma grande cavidade no dito ponto, encontrando argila numa camada de 2m40, e depois uns 0.m25 de área e em seguida rocha, de sorte que ficou a cava com sete pés de profundidade sobre um comprimento de 20 e largura de 18 pés. Não me sendo possível aprofundar mais o fosso fiz assentar a primeira secção de madeiramento sobre o fundo da rocha, e começou-se então a armar o gradamento, encavilhando com a maior solidez as oite grossas vigas que formam a base ou secção horisontal inferior da pyramide truncada arranjada de proposito para servir de alicerce a colunna do pharolete.

Neste ponto achava-se o trabalho quando me sucedeu o desastre occasionado pela explosão inesperada d’uma arma spencer, o que me obrigou a vir num escaler a cidade em busca de socorros médicos; deixei entretanto ordens detalhadas ao Immediato para fazer encavilhar os quatro madeiros das arestas obliquas, e sobre elles assentar a secção horisontal superior da dita pyramide, em tudo semelhante a inferior, da qual so differia em ser de menores dimensões.

Feito isto e collocada verticalmente no centro das duas secções, como eixo da figura, uma grossa viga de faces regulares que fizera preparar de ante-mão, sobre Ella se enfiou a parte quadrangular da colunna de ferro, suspendida por meio d’estralheiras n’uma cabrilha que eu mandara armar por cima do buraco.

Concluida a armação da base ou gradamento de madeira dentro da referida cavidade, e collocada solidamento a colunna, encheu-se tudo com barro e pedras de todos os tamanhos, de sorte que posso affirmar a V. Exc. Que, se a viga vertical na qual encaixa a colunna não apodrecer, o que não é provável por ser de massaranduba, será uma obra eterna o pharolete do Chapéo Virado.

Occupou-se n’esse serviço quasi toda a guarnição do Marcilio Dias, incluindo os carpinteiros e calafates, mas foi tal e tão constante a chuva durante o trabalho, que realmente so de um pessoal sujeito pela disciplina se podia conseguir levar ao termo em tão má quadra e pouco tempo.

Releve-me V. exc. Que tenha entrado em todos estes detalhes, mas fi-lo unicamente para facilitar aos encarregados da collocação dos outros dois pharoletes das pontas do Taypú e do Carmo, no caso que eu na volta do Amazonas não possa demorar-me neste porto o tempo preciso.

Cumpre-me ainda accrescentar que o apparelho de luz é lenticular, com lâmpada de azeite e alcance médio de 8 milhas, mas que seria muito conveniente, não so por economica e aceio como para maior entensidade da luz, substituir a mecha dos candieiros e empregar o kerosene como combustível.

Por esta occasião devo informar a V. exc. que me parece tambem medida econômica aproveitar-se para pharoleiro um individuo que rezide a cem braças do pharol e ahi se occupa no officio de ferreiro; tive boas informações a seu respeito e mesmo mandei accender a mecha da lampada em sua presença para explicar-lhe o modo de dar corda no apparelho que faz subir o azeite por meio da compressão. Chama-se esse homem Lourenço Antonio de tal, e se V. exc. quizer manda-lo nomear posso faze-lo vir a esta capital.

Aproveito a oportunidade para reiterar a V. exc. as expressões da minha perfeita estima e distincta consideração.

Ilm. exm. sr. dr. Abel Graça.

Presidente da província.”

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Ponta do Farol e ilha dos Amores (FONTE: Google Earth).

Pelo teor do documento, nota-se que o Comandante conhecia bem a costa ocidental da ilha e deve ter fundeado o vapor da Marinha Imperial na Prainha, cuja enseada oferece maior proteção às embarcações, livrando-as do ímpeto das ondas. Também era conhecedor do movimento das marés no rio Pará, o que demonstra a aventura de uma viagem num escaler desde o Chapéu Virado até Belém. Segundo seu relato, a ilhota, que hoje conhecemos como “ilha dos amores”, há 150 anos era recoberta por densa mata, assim como toda aquela ponta. Desperta-nos a curiosidade o fato de encontrarem vestígios de um antigo poste telegráfico naquele local. Estranha-se também a presença de um ferreiro de profissão habitando um lugar tão ermo. Sem dúvida, são detalhes interessantes na história desse farolete, cuja descrição pormenorizada nos possibilita uma visão perfeita de sua imagem. Embora o Comandante do Marcilio Dias pretendesse que essa obra fosse eterna, onze anos depois seria construído ali um novo farol, não no topo do barranco, o qual substituiu o primeiro e existe até hoje. O historiador Theodoro Braga assim descreve o Farol do Chapéu Virado:

Situado no extremo da restinga de pedras que se extende de ½ milha da Ilha do Mosqueiro, e que descobre com a baixa-mar, correndo a NE, do pharol, tudo na costa occidental da dita ilha, na Bahia de Marajó, município de Belém; o apparelho é dioptrico de 5ª ordem, sua luz é vermelha fixa, alcançando 12 milhas em tempo claro; o foco luminoso está 10,50 m acima do solo e 11,04 m acima do prea-mar e é collocado sobre colluna de ferro pintada de branco; a casa dos pharoleiros é a mesma do antigo pharolete; foi inaugurado a 16 de Fevereiro de 1883; substituio o antigo pharolete que funcionava no alto da ponta do Chapeu Virado, desde 25 de Março de 1872. Sua posição geographica é 1° 08’ 35’’ lat. Sul e 6° 18’ 3’’ long. O do Rio de Janeiro, e 48° 28’ 30’’ de Greenwich.”

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O FAROL na antiga Ponta-do-Chapeo-Virado ( GALERIA BELÉM).


sábado, 22 de janeiro de 2022

CANTANDO A ILHA: OÁSIS MOSQUEIRO

 Autor: Assis Oliveira.


Ainda lembro daquelas tardes em Mosqueiro
Na orla fervendo apinhada de gente
E o trio que levava o mundo pra frente
Do lado da praia, até fevereiro,

Lembro das chuvas nas tardes cinzentas,
Da bola parando em poças de areia
E o garoto novo que aos peixes margeia
Armando ciladas, ah!, sempre tão lentas.

Recordo estações: caju e pescada,
Do tempo das pacas, jambo e acerola,
Das ondas surfadas na breve marola.
Tempos de criança, de brincar na calçada.

No gasto arraial sem roda gigante
As belas barracas das Donas de Mingaus,
Que tantos provei em outras naus
Mas só aqui achei sabor tão instigante.

Da ponte que corria até o meio do mar
Buscava, dos barcos, ribeirinho e turista,
De noite eu pensava ser só uma pista
Feita na medida pra pescar e namorar.

Tinha a estação da chuva, que era verão
E a estação das secas, que era inverno.
Boas horas de sossego quase eterno
Que às vezes pergunto: não fora ilusão?

Mosqueiro tão bela, a ilha-cidade,
Prendada de dotes pra quem lá morava.
Na volta das férias a saudade chorava
Do sonho hibernando e o acordar da realidade.


FONTE:
Revista: Tucunduba: arte e cultura em revista. UFPA, 2010, n. 1. ISSN  2178-4558, p. 45.


sexta-feira, 21 de janeiro de 2022

PRAIAS DA ILHA: PRAIA GRANDE

De frente para a baía do Marajó, na costa oeste da Ilha, a praia Grande localiza-se entre os barrancos da praia do Bispo e a prainha do Farol.

Foi uma praia bastante procurada no século passado, principalmente em sua segunda metade, pelos visitantes (denominados veranistas), que chegavam no navio da linha e, depois, a partir de 1976, com a inauguração da ponte, em ônibus de piquenique oriundos da periferia de Belém e de outras localidades. É aí que esses veranistas passaram a ser chamados de farofeiros. Não havia venda de comida na praia e todos precisavam trazer suas marmitas, onde não faltava a invariável farofa de ovo. Lembro que já fui farofeiro um dia, lá nos tempos de criança, quando eram comuns os piqueniques, nas afastadas e desertas praias da Ilha.












Foto de 1977: Blog Moskowilha

Nos citados anos, a praia era recoberta por uma extensa faixa de areia, que fazia a alegria dos banhistas e dos praticantes do beach soccer, nos domingos ensolarados. Sua orla era um verdejante barranco protegendo o terreno bem acima do nível do mar. As escadarias escavadas ao longo desse barranco facilitavam o acesso às fartas areias. Pouco a pouco, foram surgindo as barraquinhas de madeira construídas na praia, às proximidades do barranco. Sua finalidade era a venda de bebidas e comidas (destaque para o peixe de água doce); promovendo, assim, maior conforto à população.

Mais tarde, acredito que erroneamente, essas barraquinhas foram substituídas por construções de alvenaria sobre pilares de concreto com acesso direto à orla. Ora, a praia é o espaço do rio-mar determinado pela Natureza e isso ficou mais uma vez comprovado no final dos anos noventa e no início deste século, quando as águas de março e abril destruíram as barracas da praia Grande, levando, inclusive, toda a areia e deixando um tapete imenso de pequenas pedras. A praia estava acabada para os banhistas e seus momentos gloriosos de grandes diversões e alegria foram guardados no baú das recordações.

E por falar em diversão e alegria, não podemos esquecer do Bar São Sebastião de propriedade da Sr.ª Guiomar de Oliveira, um dos pontos mais frequentados na orla da praia Grande. Ali nasceu – e ainda não era bar – uma das festividades mais antigas da Ilha: a Festividade de São Sebastião da Praia Grande, devoção do final do século XVIII. Nas três últimas décadas do século passado, as tardes e noites dos domingos eram marcadas pelas festas dançantes ao som de aparelhagens, reunindo, no salão daquele famoso bar, veranistas e moradores da Ilha. Essas festas não existem mais. Entretanto, a tradição secular da Festa do Santo Padroeiro da Praia Grande continua bem viva, mantida tenazmente pelos descendentes da Dona Guiomar.


JANELAS DO TEMPO: SÃO SEBASTIÃO DA PRAIA GRANDE


Festividade de São Sebastião da Praia Grande, às proximidades da Vila do Mosqueiro, é, com certeza, uma das mais antigas da ilha. Essa tradicional festa promovida pela família Oliveira tem oficialmente cento e cinquenta e quatro anos, contados a partir de 27 de julho de 1856, data impressa no esplendor da imagem do Santo, trazida de Portugal por iniciativa do Sr. Domingos de Oliveira.

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São Sebastião (FOTO: Wanzeller 2011).

Sabe-se, entretanto, por informações colhidas há vinte e cinco anos atrás, em relatos da Srª Guiomar de Oliveira, que o início da festividade dataria de 1789 e que a imagem venerada era outra em tamanho menor, a qual foi doada à antiga capela da Irmandade de Nossa Senhora do Ó, depois que o Patriarca da família faleceu e um desentendimento no seio familiar acabou paralisando o evento por certo período.

Dos remotos tempos pouco ou quase nada se sabe; no entanto, a partir do Sr. Domingos de Oliveira, bisavô da atual promotora Srª Wanda de Oliveira, a festividade tornou-se tradicional, permanecendo através dos tempos por meio de manifestações populares de cunho religioso e profano, cujo ponto culminante acontece, invariavelmente, no dia 20 de janeiro, que é dedicado ao Santo no Calendário Litúrgico da Igreja Católica.

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FOTO: Wanzeller 2011.

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FOTO: Alice Lameira 2011.

É bom lembrar que, no dia 20 de janeiro do longínquo ano de 1836, as tropas do Governo Imperial tentaram, sem êxito, invadir a ilha, para combater os cabanos aqui sediados. Provavelmente, festejava-se o Santo nessa ocasião, porém a batalha se deu na Vila, em área limítrofe entre as praias do Areião e do Bispo, uma vez que, a partir desse ponto -- segundo relatos orais muito antigos -- falsos canhões feitos de troncos de miritizeiros pintados de preto protegiam, estrategicamente, os barrancos, que se estendem até a Praia Grande, engenhoso ardil usado pelos cabanos para manter as tropas legalistas afastadas.

Depois do Sr. Domingos, a festa de São Sebastião passou a ser comandada por seus filhos. Primeiro, o Sr. Ângelo de Oliveira e, posteriormente, Dona Eufrásia de Oliveira deram continuidade à tradição. Essa herança religiosa e cultural tão significativa para a ilha do Mosqueiro seria recebida mais tarde pela filha de Dona Eulália, a saudosa Dona Guiomar de Oliveira, cujo nome se tornou conhecidíssimo, tanto pela grandiosidade de suas festas quanto pelos atrativos que seu bar proporcionava aos frequentadores da Praia Grande, nos inesquecíveis veraneios dos anos 60 e 70.

Com a doença de Dona Guiomar (falecida em 1994), sua filha Wanda de Oliveira dos Anjos assumiu, em 1979, a Homenagem a São Sebastião e continua coordenando a festividade com muita fé e amor, conduzindo para o futuro essa devoção de seus antepassados.

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Dona Wanda de Oliveira (FOTO: Wanzeller 2011).

Atualmente, embora persista o Cortejo do Mastro conduzido por mulheres e o tradicional almoço da comunidade, a festa apresenta conotações mais religiosas, envolvendo devotos e promesseiros em uma série de novenas, missas e ladainhas, que são rezadas a partir do dia 10 de janeiro, além de romaria luminosa e procissão, nas quais é conduzida em andor a imagem do Santo.

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Cortejo do Mastro (FOTO: Alice lameira 2011).

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FOTO: Alice Lameira 2011.

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FOTO: Alice Lameira 2011.

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FOTO: Alice Lameira 2011.

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Novena de São Sebastião (FOTO: Alice Lameira).

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FOTO: Alice Lameira 2011

centenária imagem de São Sebastião, restaurada há pouco tempo por um especialista na Igreja de São Judas Tadeu, deverá, em breve, permanecer definitivamente em seu altar, para não ser mais exposta à ação prejudicial da umidade. Uma réplica deverá substituir a imagem original nas romarias e procissões do futuro, mantendo cada vez mais viva essa tradição do povo mosqueirense.

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Romaria Luminosa (FOTOS: Alice Lameira)

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