O Caso do Edifício Manoel Pinto da Silva
Narrativa de Joseph e Alexandre Farah (entrevista concedida a Coely Silva)
“JOSEPH: Bom, é o seguinte, essa bandalheira já foi da época da eletrônica. Estavam passando as férias no nosso solar, como dizia o historiador Augusto Meira Filho, várias famílias, inclusive os Valle Paiva. Então o meu primo, o comandante Juarez Rego, que é casado com a Lúcia Paiva trouxe de Letícia dois aparelhos walk-takie, isso mais ou menos em 1957.
ALEXANDRE: Então é o seguinte: essa nossa prima, a Lucinha, é uma criatura igual aos Farahzinhos, como hoje a minha filha Ana Cristina. Então foi a Lucinha que bolou tudo. Nessa época tinha a tradicional festa do veraneio e foi na casa do senador Antonio Martins Júnior. Então nós viemos para o caramanchão e encontramos o Bené Mutran, Moacir Cordeiro, Biraci Salgado, Paulo Barata, rapazes do esquema, que iam para a festa.
JOSEPH: Então nós pedimos para eles pra levarem o rádio e nos ajudar a aprontar a brincadeira. Então o Bené, que era um dos rapazes mais cobiçados, mais acreditados, pererê, ficou com o rádio na mão. E só fomos pra praia, em frente a casa, quando nós entramos em cadeia.
ALEXANDRE: A festa estava animada, apertamos o botão e entramos fazendo uma dupla de radialistas: “E atenção, atenção, esta é a Rádio Clube do Pará, a voz que fala e canta para a Planície, e, atenção, informamos em primeira mão: conforme boletim expedido pela Secretaria Municipal de Obras, liberado na tarde de hoje, por determinação de Sua Excelência o Prefeito de Belém, foi confirmada e constatada uma séria rachadura entre os blocos A e B do majestoso Edifício Manoel Pinto da Silva.” Aí o Zé entrou: “E atenção mais uma vez, vamos noticiar a todos os nossos ouvintes que faremos uma pausa em nossas transmissões para informar diretamente do local, onde já se encontra uma enorme multidão. Aguarde que voltaremos a informar.” Foi um enorme rebuliço. Coincidiu do Sr. Rodolfo Chermont estar sentado com a dona Cora na porta e com um rádio enorme e pegou tudo aquilo, aumentou o volume.
JOSEPH: Porque tinham pessoas nessa festa que moravam no edifício, aí ficaram apavoradas, porque o Alexandre também tinha dito que o prédio ameaçava cair.
ALEXANDRE: E continuamos a notícia: “E atenção, atenção, e pá e pererê, estamos agora na Praça da República, no palco dos acontecimentos. É uma multidão de flagelados, meu Deus do Céu, precisa um cordão de isolamento, a polícia não toma providências, gente chorando e tal.” Entrevistamos até uma empregada doméstica. E o Zé entrava: “E atenção, vem chegando ao local para prestar solidariedade humana e cristã Sua Reverendíssima Dom Mário de Miranda Villas Boas, arcebispo metropolitano.” E nós fomos dando todos aqueles enfoques, entrevistamos o governador Moura Carvalho: “Realmente é uma situação deveras constrangedora, catastrófica e... e pá, pá, pá”. Aí parou o som, acabou a festa e aqueles grupos formados em torno do seu Chermont, o Bené trouxe o resto do pessoal.
JOSEPH: Aquela família Waldemar Franco dizia: “E as minhas propriedades, como é que fica?” As casas ficavam onde é agora aquela área do “Garrafão”.
ALEXANDRE: O pessoal correu, queria fretar avião para voltar a Belém. Tinha muitas famílias que estavam na festa que moravam lá no edifício. E nós continuamos a entrevistar as pessoas: “Por favor, minha senhora, como é o seu nome?” “É Maria de Jesus Ferreira.” “Dona Maria, o que que a senhora é?” “Eu sou empregada doméstica.” “E o que que a senhora acha disso tudo?” “Ah, eu não sei o que dizer não, isso é uma situação horrorosa...” E a gente imitava bem as vozes das pessoas entrevistadas. E a gente continuava: “E atenção, atenção, pedimos às pessoas que recuem até o Cine Olímpia, que há ameaças do prédio ruir.” Por fim, nós jogamos o Manoel Pinto no chão. E descrevemos: “e é um monte, toneladas de ferros retorcidos, tijolos”, pô! “foi um horror, uma catástrofe geral!” E continuamos a entrevistar o Moura Carvalho, dizendo que ia agasalhar o pessoal. E como criou um problema constrangedor aqui, inclusive senhoras desmaiando, nós tínhamos uma brincadeira, que era tradicional de todos, que, quando um errava, dizia: “Não faz mal, não faz mal, isso é muito natural!” E toda a comunidade conhecia este jinglezinho. Então, nós resolvemos amenizar e, na própria rádio, entrevistando o proprietário do edifício. “Chamamos” o Sr. Manoel Pinto da Silva: “Nós gostaríamos de saber, afinal o senhor é o maior prejudicado, como é que está o seu estado de ânimo, dê aqui uma entrevista para a Rádio Clube.” E ele: “Isso não tem muita importância, não faz mal, não faz mal, isso é muito natural!” Aí eu e o Zé cantamos juntos e os caras sacaram que era uma puta sacanagem. Aí tu já viu, era coroa querendo arregaçar a manga: “...esse moleque sacana!” No outro dia, a gente ficou por perto de casa, e tal pra não ser pego de surpresa.”
FONTE: Silva Coely. Especial de Férias de O Estado do Pará, de julho de 1978.
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