Autor: Cândido Marinho Rocha
“O primeiro semestre – saíra de surpresas na Ilha – deu maré cheia naquele sábado de chuva. Inesperado aguaceiro em pleno Setembro, banhos nas almas e na terra. Mais do que o sol as chuvas mosqueirenses montam as molas ocultas no instinto sexual. A chuva, bela como sempre, cristais líquidos limpando o ar, a baía recebendo-a, praias úmidas de areias endurecidas como seios jovens, moitas verdes pingando, sol escondido, nuvens escuras, povo deitado, remanchos. Dia manso, longo e gostoso, piramutaba na panela, pirão de farinha d’água com pimenta malagueta ao lado, caldo do tucupi, jambu bastante, batida de limão, antecipada chuva linda mordendo os nervos da gente – tudo excita, eleva pensamentos de amor, sentidos disparam, em delícias ociosas. Lá se iam, na enxurrada, as inibições. Crianças nascendo mais, nove meses depois, aumento da população infantil. População escolar indefinida, desamparada. Meninos e mocinhas crescendo sem noções de higiene e sem defesas. Só as igrejas ainda abençoavam certas infâncias. Abençoadas chuvas genesíacas no litoral e no centro da Ilha. Lá dentro, na Campina Seca, no Porto da Roça, no Marangueira, no Maracajá, no Mari-Mari, onde Maria Bibiana Rayol mandava com Didaco e Joaquim Antonio Rayol; na Baía do Sol, cujo turuna chamava-se Manoel Nicolau Fôro, no sítio S. Pedro, onde o capitão era Pedro Antonio Amador; por todo o interior perfumado da Ilha dos pomares, naquelas terras úmidas e cobertas de acariciantes folhagens, como que num convite permanente à fecundação – por todos os lados – nos dias chuvosos, a Ilha mais ainda cercada de amor.
Os fidalgos barões nativos, Caetano, Marcelino, Amador, Manoel Jovino, Francelino, Rayol, Nicolau, muitos dos quais descendentes dos valentes cabanos, dignos responsáveis pela floração, por toda a Ilha, dos belos e olorosos pomares, dos guapos rapazes e deliciosas morenas, não resistiam às pressões psicológicas das chuvas, não regateavam conjunções.
No riozinho Maracajá, José Jardim e Manoel Veríssimo, imersos, costumam “passar a chuva” olhando o tempo, sempre tomando “cana”. Alfredo Urubu e Preto Borges, mais moderados, mais mulherengos, nunca perdiam chuvadas sem boa costela. Maria Capela*, quando chovia, punha-se a gritar pelo filho Brasilino, que ficava valentão e agressivo, desafiando até o agente de polícia, especialmente quando a autoridade se apresentava na pessoa do marceneiro Varela.”
FONTE: MARINHO ROCHA, Cândido. “Ilha Capital Vila”- GRÁFICA FALÂNGOLA EDITORA. Belém-Pa. 1973- pp. 149 e 150).
*OBS.: Informações tivemos de que o nome verdadeiro seria MARIA CANELA.
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