quarta-feira, 28 de setembro de 2011

NA ROTA DA HISTÓRIA: A VIRGEM DE NAZARÉ ABENÇOA A BELÉM-MOSQUEIRO

Autor: Augusto Meira Filho

“No correr desse abençoado mês de dezembro de 1965, logo ao princípio, tivemos um sonho tão perfeito que, ao despertarmos, o contamos a esposa. Mais tarde, chamou-nos em seu Gabinete o Prefeito Oswaldo Mello, quando trataríamos de assunto ligado à restauração do Palacete Antonio Lemos. Ao deixarmos essa autoridade, consultou-nos, ainda:

-- Não há mesmo mais nada de novo? Então?

Respondemos, sorrindo: “Novidade há, mas não penso relatá-la...”

Insistiu o Prefeito, mais amigo do que autoridade, e cedemos à sua curiosidade: “É que há dois dias sonhamos caminhando numa vereda de roça, com gente humilde ajoelhada à sua margem, estendendo as mãos para uma imagem da Santa de Nazareth que levávamos ao colo, seguido de muitas pessoas conhecidas e amigas. O povo rezava e se dirigia à Virgem como quem pedisse benesses, favores, bênçãos. Foi tão comovente, que ao despertarmos, não nos contivemos e o relatamos à patroa. Só ela sabe disso. E, agora, vocês.” Haviam chegado ao Gabinete o Secretário de Obras, Engº. José Maria Barboza e o Secretário de Administração, Professor Clóvis Moraes Rêgo. Oswaldo ouvira atentamente nosso relato. Ficou a meditar e dirigiu-se a todos nós:

-- Vamos tentar levar a Santa de Nazareth, agora, domingo, ao Círio do Mosqueiro? Todos concordaram logo e a cada um foi dada uma responsabilidade. Ficamos de conseguir do DER-PA a balsa (ainda arrendada da Petrobrás) mais tarde denominada de “Almirante Tamandaré”. Outro cuidava de falar à Diretoria da Festa e ao Vigário da Basílica. Tudo em nome do Prefeito de Belém. Também nos coube falar no Arcebispado, o que dali mesmo cuidamos, entrando em contato com Monsenhor Américo Leal, então substituindo o Arcebispo que estava ausente da capital. No dia seguinte, acertamos com Guilhon a barcaça. Encontrava-se esta à altura da cidade de Portel, transportando maquinaria destinada a Santarém, salvo equívoco. Ordens foram dadas pela Radiotransmissão à Lancha “Magalhães Barata” que rebocava a balsa, cheia de equipamento rodoviário.

O Círio do Mosqueiro seria no dia 12 de dezembro. Em menos de uma semana conseguimos tudo e, às seis horas da manhã, desse dia, em “Jeep” especial, o Monsenhor Américo Leal levava ao colo a bela Imagem de Nossa Senhora de Nazareth, do Colégio Gentil Bittencourt para a Igreja de Nossa Senhora do Ó, na Vila do Mosqueiro. A viagem pela rodovia foi admirável. No Furo das Marinhas, embarcações de toda parte chegavam enfeitadas e sob foguetório. Gente muita aparecia às margens do Canal e à beira da rampa. Do lado da Ilha, a festa ainda era maior. Todas as embarcações motorizadas apitavam, saudando a Virgem. Foguetes animavam a romaria, a primeira que se fez na história do Mosqueiro e na história religiosa de Belém.

Alegre e feliz, a travessia foi totalmente acompanhada de pescadores, homens simples, moradores das redondezas. Sirenes tocavam anunciando a passagem da padroeira dos paraenses. O povo reunido na rampa do Mosqueiro se apinhava para ver a romaria que estava levando para a Vila Nossa Senhora de Nazareth, a mesma que se via, anualmente, à procissão do Círio, de Belém.

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Hasteamento de bandeiras à margem da Ilha do Mosqueiro (FONTE: A. MEIRA FILHO)

À margem oposta, já na Ilha, um pavilhão cívico havia sido preparado e, sob os aplausos da multidão que recebia a venerada visitante, foram hasteados os pavilhões do Brasil, do Estado e da Prefeitura. Um acontecimento religioso excepcional deixava emocionados a todos. Nós víamos, na repetição do nosso sonho, o sonho dos mosqueirenses em ter em sua festa de Nossa Senhora do Ó, a imagem querida de Nossa Senhora de Nazareth.

Das mãos de Monsenhor Leal, já na Capelinha do Chapéu Virado, a Santa iria para um andor especial e, aos nossos ombros, levada até a igreja da Vila, percorrendo todo o caminho da pracinha do Chapéu Virado à Vila. Povo e mais povo concentrava-se à margem da rodovia. Reproduzira-se, com legítima autenticidade, o que víramos em sonho. Toda aquela gente simples implorando à Virgem sua benemerência e seu perdão.

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Levando a Imagem da Virgem de Nazareth em seu andor, da Capela do Chapéu Virado até a Igreja Matriz, na Vila, em 1965 (FONTE: A. M. FILHO)

Ao chegarmos ao templo de N. Srª. do Ó – em altar especial – fixaram a imagem da Santa visitante, com a igreja repleta de fiéis de todas as classes.

Na celebração da Missa, Monsenhor Américo Leal pronunciou o seguinte sermão:

“Preparai o caminho do Senhor!

Lembro que estamos no tempo litúrgico do Advento, os quatro domingos antecedentes do Natal, época em que a Igreja nos repete a recomendação de São João Batista, o precursor do Messias: Preparai o caminho do Senhor!

Caminho que foi realmente preparado para o nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo, cujos primeiros adeptos foram os discípulos de João Batista. Caminho que todo povo cristão deve preparar e percorrer, ante a realidade de que saímos de Deus para o qual devemos voltar.

Nossa Senhora não esteve alheia à preparação do caminho do Senhor, mas o preparou com fervor. Donde lhe veio a invocação de Nossa Senhora do Ó, no sentido de expectativa ansiosa pela vinda do Senhor ao Mundo e às almas das criaturas.

É com essa invocação de Nossa Senhora do Ó que o povo do Mosqueiro a cultua desde tempos imemoriais. Não é fora de propósito, portanto, numa transposição do terreno espiritual para o material, atribuir à mesma Nossa Senhora a concretização dessa aspiração quase utópica do povo do Mosqueiro: a rodovia Belém-Mosqueiro que, hoje, ao se iniciar a festa da padroeira do Mosqueiro, é percorrida triunfalmente pela imagem do Círio de Nossa Senhora de Nazareth nos braços das principais autoridades eclesiásticas e civis, pelos idealizadores e construtores da estrada. Esta peregrinação excepcional traduz a inspiração e proteção da Virgem. Não cito ninguém. Eles aqui estão presentes. Guardai os seus nomes para vosso eterno reconhecimento.

Nem faltou o sacrifício, maneira pela qual João Batista ensinava a preparar o caminho do Senhor: “fazei penitência”.

Dificuldades e óbices, aparentemente intransponíveis, foram vencidos com o auxílio da Virgem, invocada com a promessa desta peregrinação triunfal. E quando, há pouco, comentei com um deles a penitência da longa caminhada que acabamos de fazer, respondeu-nos com o sorriso no semblante que a fazia com satisfação.

Não foi menor a demonstração de fé em todo o percurso da longa estrada onde o fervor de seus moradores me impelia frequentemente a elevar bem alto a Imagem da Virgem para ser freneticamente ovacionada.

Que a estrada Belém-Mosqueiro seja o caminho do Senhor Deus, preparado para o bem-estar dos mosqueirenses assim como é o caminho percorrido e abençoado pela Senhora que, na confiança dos filhos, costumamos chamar Nossa Senhora a nos preparar o Caminho do Senhor.” (a) – (b)

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Missa do Círio na Igreja Matriz (1965). Pref. Oswaldo Mello (Prefeito), Mário Azevedo (Ag, Municipal)Clóvis Moraes Rêgo, José Maria de Azevedo Barbosa, Raul Rodrigues Pereira e Dr. Rui Coral (DOC. do Autor)

Diante do sucesso dessa viagem maravilhosa em todos os seus sentidos, o engenheiro Fernando Guilhon, que não compareceu à romaria por motivo de doença, ofertou-nos, através de um servidor do DER-PA, em pleno recinto da igreja, por ocasião do sermão de Monsenhor Leal, um belíssimo bouquet de flores, que ofertamos ao altar da Virgem. Também, no dia seguinte, tomando conhecimento da bela festa religiosa realizada no domingo, endereçou ao Prefeito Oswaldo Mello o seguinte telegrama:

“Doutor Oswaldo Mello –

Prefeito Municipal

Palácio Antonio Lemos –

Belém –

Abraço efusivamente ilustre prezado amigo jornada rodoviária ilha Mosqueiro dia 12 passado pt Permita que servidores DER e eu mesmo abracemos vossência e seus abnegados auxiliares DMER que estão tornando realidade obra magnífica de profundo alcance social para a qual nos sentimos honrados contribuir sob direção e estímulo eminente Governador Jarbas Passarinho pt Cordiais saudações – Fernando Guilhon – Diretor-Geral DER-PA.”

Entusiasmado com a visita da Santa ao Mosqueiro, quando estivemos presentes pelos caravaneiros de 1959 acompanhando a Virgem, desde Belém até a Vila do Mosqueiro, cinco de seus participantes telegrafaram ao companheiro Rui Meira, que se encontrava no Rio de Janeiro, com os seguintes dizeres:

“Rui Meira

Euricles de Matos 32

Rio

Momento atravessamos nosso veículo vitoriosamente Belém-Mosqueiro acompanhando Virgem Nazareth procissão Círio et autoridades abraçamos querido irmão pleno sucesso realidade nossos sonhos comum pt

Assinados: Raul – Horácio – Santos – Luiz – Augusto –“

Para o Engº. Diretor-Geral do DER-PA, Fernando Guilhon, endereçamos também estas palavras:

“Engenheiro Fernando Guilhon

Departamento de Estradas de Rodagem – Belém

Satisfação agradecer querido companheiro homenagem DER-PA após vitoriosa Romaria Virgem Nazareth nossa Belém-Mosqueiro para a qual ilustre Diretor contribuiu maior parcela sua conclusão continental inspirada nossos velhos sonhos comuns et apoiado alta visão et arrojo Governador Estado pt Peço transmitir colegas particularmente Alivertti sensibilizado agradecimentos humilde companheiro pt Abraços rodoviários –a) Meira Filho –“

(a) A Imagem da Virgem permaneceu na Igreja de Nossa Senhora do Ó, durante os quinze dias de festa de Nazareth, da Ilha. Foi um deslumbramento popular a quantos apareciam no Mosqueiro para ver a Santa padroeira da Amazônia. No dia seguinte ao término da quinzena, fomos acompanhando D. Alberto Ramos, Arcebispo de Belém, a quem coube trazer de volta ao seu nicho no Colégio Gentil Bittencourt a venerada imagem dos paraenses. Acompanhamos Sua Excelência Reverendíssima em todo o percurso do Mosqueiro a Belém. Estava consumado o sonho.

(b) Na travessia do Canal das Marinhas, o Engº. Oswaldo Alivertti, em nome do DER-PA, nos entregou ainda na “Balsa” um diploma contendo os seguintes dizeres: “A rico não devas, a pobre não prometas – o prometido é devido. Governo Jarbas Passarinho. Entrega ao Povo Paraense: Rodovia Augusto Meira Filho- Trecho continental a cargo do DER-PA. Diretor: Fernando Guilhon.”

(FONTE: MEIRA FILHO, Augusto. “Mosqueiro Ilhas e Vilas”- ED. GRAFISA, 1978- pp. 233, 234, 237, 238, 239, 240)

MOSQUEIRANDO: Sem dúvida, esta foi a primeira romaria da IMAGEM PEREGRINA DE NOSSA SENHORA DE NAZARÉ. A Santa Padroeira dos Paraenses, que só deixava o seu nicho no Colégio Gentil Bittencourt para a TRASLADAÇÃO e o CÍRIO, naquele dia12 de dezembro de 1965, percorreu a Estrada Belém-Mosqueiro, atravessou o Furo das Marinhas, participou do Círio de Nossa Senhora do Ó e, durante quinze dias, ficou em nossa Ilha, emocionando mosqueirenses e aficcionados deste lugar paradisíaco e recebendo suas súplicas e orações.

Nesta sexta-feira, dia 30 de setembro de 2011, mais uma vez a Ilha do Mosqueiro receberá a VIRGEM DE NAZARÉ, que estará na Igreja de Nossa Senhora do Ó, às 18h30. Será um momento emocionante de FÉ e ESPERANÇA. Participe!

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