Autor: Augusto Meira Filho
“A partir desse tempo, observávamos o comportamento político regional, com Barata no governo, já enfermo, e Lopo de Castro na Prefeitura. No Mosqueiro, Efraim Bentes avançava a obra, de Carananduba para o Furo das Marinhas. No continente, cuidava-se da conservação do trecho aberto pela Firma R. Luiz de Almeida, mediante contrato com o DNER. A ponte sobre o rio Paricatuba fora construída pelo engenheiro alemão Richard Schumandeck, como já referimos, denominada “Dionísio Bentes”. O acesso até aquele rio se fazia normalmente e toda a zona delimitada pelo lugar de “Santa Bárbara” via-se beneficiada com a abertura da PA-17, inclusive a Fábrica de Caixas “Santa Rosa” e o sítio do Sr. Salame que por lá tinha a sua entrada.
A topo-hidrografia do Furo continuava a nos preocupar. Dois colegas, irmanados integralmente ao nosso projeto, Rui Almeida e Raul Rodrigues Pereira, ofereceram-se para uma observação preliminar do fundo do rio, atendendo às futuras necessidades desse conhecimento, para qualquer estudo eventual de uma ponte ou, mesmo, para a travessia do canal, em ferry-boats. Apresentando-os aos amigos da Fábrica “Santa Rosa” e ao próprio Aníbal Brito, no Tauarié, esses dois bravos companheiros em pouco tempo nos entregavam o serviço executado. Somente depois dessa constatação in loco ficamos sabendo da existência de dois canais, a sua profundidade média, a largura total do vão, a velocidade da correnteza (marés vazante e enchente), os bancos centrais de areia fina e a variação das marés. Eram dados indispensáveis para o prosseguimento das demarches em termos de “balsas” e de “ponte”. Ainda agora possuímos esses levantamentos, executados a ecobatímetro, silenciosamente, no canal, em frente ao topo das duas rodovias que deveriam ser interligadas de uma forma ou de outra.
Ficamos a dever a esses estimados colegas, hoje, ambos desaparecidos, essa inestimável contribuição à obra da estrada Belém-Mosqueiro. Tanto maior o seu valor quanto sentimos ter sido feito o trabalho gratuitamente. São os abnegados aos quais sempre nos temos referido no correr desta exposição.
No começo de maio, fomos surpreendidos pela visita de Horácio Coelho, Lauro Ramos e Rui Meira, que, em nossa casa, desejavam informações precisas sobre o pé em que andavam as obras da rodovia Belém-Mosqueiro. Um deles, o Lauro Ramos, descrente como todo mundo, julgava que aquele empreendimento era um mito talvez, uma indagação, fruto de nosso entusiasmo. Mas, de qualquer forma, queriam saber o que realmente havia da desejada obra.
Não diríamos que esse desejo fosse, apenas, uma colheita de dados, destinados a coisa mais importante que nós desconhecíamos.
A suposição que nos passava pela cabeça procedia. Lauro, mais explicitamente, acompanhado dos outros dois companheiros, esclarece-nos:
-- O problema é o seguinte, e isso mais ou menos de fonte segura, que o governo federal vai abrir ou reabrir cassinos nas áreas próprias, em estações e balneários do País. Muito nos interessaria o aproveitamento, no Mosqueiro, de um local para esse fim. Negociações já estão sendo mantidas pelo nosso grupo e nos parece que, desta vez, o jogo virá regulamentado, sem quaisquer proibições. Contudo, na continuidade deste plano, a mola principal será o acesso à Ilha do Mosqueiro, de preferência, claro, pela estrada. O dinheiro, nesse sentido, não faltará para concluí-la, se for o caso, e mais tarde se cogitaria da ponte sobre o canal. Este nosso encontro é reservado. Sabedores do estado atual da obra, iremos ver se interessamos o governo a fim de que tome a frente da construção rodoviária. Sabemos que Barata não é muito mosqueirense. Suas preferências sempre foram para Salinas. Mas, fato consumado, autorizada a abertura de Cassinos naqueles locais, acreditamos que ele verá o progresso que vai ter o Mosqueiro e as vantagens advindas com essa nova fonte de renda para o poder público. Turismo, desenvolvimento econômico, exploração imobiliária da ilha, construção de hotéis, etc., serão motivos de sobra para sacudir o nosso grande governador. Também temos conhecimento de seu prestígio junto a ele e que, partindo de sua iniciativa a conclusão da obra rodoviária para o Mosqueiro, nos será mais fácil convencê-lo da realidade dessa obra.
Escutamos a palavra do intérprete, sentimos aonde queria chegar e, calmamente, informamos:
-- Amanhã é dia santificado. A melhor resposta a vocês é um convite para visitarmos, em conjunto, tudo que existe em termos da estrada. Assim estarão credenciados a levar o que viram ao conhecimento das esferas oficiais. Não se fez esperar a confirmação dos três, concordando com a ideia.
No dia seguinte, bem cedo, partimos para a estrada. Percorremos o primeiro trecho, passamos o Paricatuba, entramos no segundo e, pouco a pouco, íamos discorrendo, historicamente, a respeito do empreendimento.
Conhecíamos o caminho, a palmo e, próximo à beira do Furo, paramos o veículo. Dali, lamentavelmente, para diante, só mesmo a pé. Foi o que fizemos sobre o chão úmido, mole, encharcado, até alcançarmos um pequeno ramal que nos conduziria à casa do amigo Aníbal Brito, no Tauarié. Felizmente o encontramos e foi uma alegria nosso encontro. Apresentamos os convidados e pedimos ao próprio Aníbal que lhes contasse o que sabia, sem acanhamento. Era gente nossa.
A maré enchia. Observaram a invasão das águas e sua penetração nos terrenos do litoral.
Uns drinques refrescaram os ânimos. Lauro Ramos empolgara-se, olhando, em frente, a Ilha à nossa espera. Vira a rodovia e seu estado de conservação. Aníbal, francamente, relatara nosso esforço comum, até chegarmos àquele ponto. Havia sido uma aventura, confirmava o lusitano, desde que ali chegáramos em 1946.
Depois, um bom banho culminaria o delicioso passeio. Nessa ocasião acertaríamos voltar para atravessar o Furo e tentar, dentro da ilha, um futuro caminho, uma linha de ensaio, que nos levasse ao Chapéu Virado ou a outro ponto da costa do Mosqueiro com frente para o Marajó.
Retornamos à hora do almoço e ainda fizemos uma boa parada, no igarapé do Paricatuba, para outro banho de rio. Os colegas haviam levado uma garrafa de “Gordon-Gim”, quase todo sorvido nesse recanto delicioso. Daí por diante, chamaríamos toda aquela região compreendida entre o Paricatuba e o Tauarié de propriedade de Mister Gordon. E o apelido ficou. Veremos...
Em vista do sucesso da viagem, começamos a convidar, pela imprensa, voluntários para um passeio “a pé” de Belém ao Mosqueiro. Faríamos pela coluna que assinávamos n’ “A Província do Pará” – Ronda da Cidade.
No domingo seguinte, cerca de uma dezena de amigos se propunha a nos acompanhar na jornada pioneira.
Realmente, chegamos ao Tauarié ao amanhecer, tendo deixado Belém pelas quatro horas da manhã. Aníbal, outra vez, recebe a caravana com simpatia e satisfação. Dissemos a que íamos. Forneceu-nos embarcação com remadores de sua propriedade e, ele mesmo, incorporou-se ao grupo. Também, há muito desejava conhecer o Mosqueiro “por dentro”. Partimos alegres, lotando o pequeno barco, em demanda da outra margem, no Mosqueiro. Faziam parte: Horácio Coelho e seu filho menor Emílio, Radir Amaral, Rui Meira, Benedito Mello, Antonio Lira Júnior, Luiz Lima, Raimundo Almeida, Manoel Pereira dos Santos, nosso filho menor Nelson, José Wilson, José Resende e Aníbal Brito. Nós comandávamos essa loucura que, antes, jamais alguém fizera. Lauro Ramos faltou nessa segunda visita ao Tauarié.
Atravessamos bem os mil e quinhentos metros de largura do Furo. Jogamo-nos à margem lodosa, onde nossos corpos penetravam quase até os joelhos. Marchamos em penosa luta, nesse baixio terrível que circunda a ilha e onde as águas grandes também penetram. Finalmente, após cerca de oitocentos metros, chegamos ao terreno sólido. Foi uma festa. Um igarapé próximo, denominado de “São Sebastião”, cedo, com a enchente (atravessamos na vazante), no barco do Aníbal, nos traria o companheiro Luiz Lima, que não conseguira nos seguir na baixada e quase fica preso no tijuco da beira. Dois mateiros e remadores é que o retiraram daquele aperto.
A mata era fechada e escura. Naquele pequeno elevado da costa, procuramos ouvir as opiniões do “colegiado” que se fixara, lembrando que nenhuma instrumentação trazíamos, nem alimentos, nem água. Informamos que a estirada não deveria ser menos de uns dez a doze quilômetros. Havia menores e a avançada deveria ser bem calculada e decidida. Acendemos uma pequena fogueira, bebemos os poucos drinques que levávamos e batizamos o lugar de “Boa Esperança”. Finalmente, depois da chegada alvissareira do Luiz Lima, já de barco, por proposta do Aníbal Brito, acostumado àquelas paragens, ficou ajustado que uma nova tentativa seria realizada, em dia a ser combinado e de conformidade com as marés. Evitar-se-ia o percurso na lama que, então, vencêramos.
Todos se comprometeram a voltar, quando nós anunciássemos a hora aprazada para a travessia do Furo e a penetração na ilha, em busca das praias.
Aprovada essa sugestão, oportuna e meditada, retornamos pela mesma embarcação ao Tauarié, onde Aníbal nos serviria um lauto lanche. Aquela viagem fora de reconhecimento e alguma experiência nos ficaria. Após descanso e banho no rio, a comitiva retornou a Belém, pelo caminhão que havia levado, até o local transitável da estrada PA-17, o grupo de Belém pela madrugada. O motorista, sabiamente, resolvera permanecer, convencido de que poderia ser necessário transportar, novamente, a mesma gente para a cidade, na hipótese de ser frustrada a pretendida viagem pelo interior da ilha. Esse servidor da firma do Sr. Ramos passaria à história por esse gesto. Chamava-se Peck. Passou a ser o companheiro de “Mister Gordon” como “Mister Peck”.”
FONTE: MEIRA FILHO, Augusto. “Mosqueiro Ilhas e Vilas”- ED. GRAFISA, 1978 – pp. 196, 197, 198, 201 e 202.
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