Autor: Gabriel Pereira
“Terezinha tinha dezesseis anos e morava com os pais Manoel e Graça e o irmão Pedro numa casa de madeira, com quatro cômodos, construída no fundo do quintal de um casarão parecido com aqueles chalés que vemos em fotografias da França e da Suíça. A casa ficava de frente para a praia do Chapéu Virado, ilha de Mosqueiro.
Os pais de Terezinha eram os responsáveis pela limpeza e manutenção da propriedade. Toda semana, eles abriam o casarão, varriam, passavam o pano no assoalho, tiravam a poeira dos móveis e colocavam os colchões sob o sol. Assim, evitavam que o mofo tomasse conta do ambiente.
Terezinha, quando não estava ajudando a família na limpeza do casarão ou nos afazeres domésticos, passava horas correndo nas areias da praia, sempre em companhia das melhores amigas: Jacira e Jaciara. Gostava de tomar banho de praia, principalmente na enchente, por causa das maiores ondas, e corria na areia em busca de algum ajuruzeiro para subir e saborear os frutos arroxeados.
Em um dia do ano de 1923, Terezinha e as amigas souberam da organização de uma festa perto da rua das Mangueiras, antiga estrada de terra que ligava o Chapéu Virado à Vila. Terezinha queria ir para a tal festa e perturbou bastante os pais. Depois de muita insistência, eles a deixaram ir, mas com duas condições: o irmão Pedro tinha de ir e ambos deveriam estar de volta às 10 horas da noite.
No fim da tarde, os quatro jovens já estavam se arrumando. Após beberem um café preto e tomarem a bênção dos pais, saíram ansiosos de casa. Já havia anoitecido. Mosqueiro não possuía iluminação pública e só podiam contar com a luz do luar refletida sobre as águas.
No caminho da festa, eles começaram a se aproximar do chalé do coronel Lourenço Lucidoro Ferreira da Motta, mais conhecido como coronel Loló. De repente, Jaciara parou e arregalou os olhos. Os outros logo entenderam a razão de tanto espanto. Com as pernas trêmulas, corações acelerados e pêlos arrepiados, os quatro viram na varanda da casa, que estava com portas e janelas fechadas, um caixão todo preto, cercado de vasos com flores brancas. Não havia uma “viva alma”, ou será que havia?!
Neste instante, Pedro usou o último fio de coragem que ainda tinha e disse: “Precisamos nos aproximar para ver se não estamos enganados”. Deram somente alguns passos em direção ao chalé. Com muito medo, mudaram de ideia e saíram correndo de volta para casa. Eles foram chamar os pais de Terezinha.
Sem acreditar na história que ouviram, mas diante de tanta insistência, eles cederam e foram verificar o que estava acontecendo. E, de fato, os jovens não estavam brincando. Estava lá, no mesmo lugar, o caixão. A casa fechada e vazia deixava o ambiente ainda mais assustador.
Os pais de Terezinha agora tinham um argumento incontestável para proibi-los de sair. E ainda fizeram recomendações: “Rezem um Padre Nosso e uma Ave Maria antes de dormir”.
No dia seguinte, o sol mal havia nascido e Terezinha já estava de pé caminhando descalça pela praia, junto com as amigas. Elas queriam ver se o caixão estava lá ou não. Quando chegaram perto do chalé, viram que a varanda estava vazia. Ali, estavam apenas dois bem-te-vis pousados sobre o guarda-corpo.
Os dias foram passando e a história foi ficando para trás. Depois de quatro meses, chegou a notícia: o coronel Loló havia falecido. A data, todos já devem imaginar. Coincidência ou não, foi na noite da festa que Terezinha gostaria que ficasse para sempre na memória, mas por outros motivos.
A residência do coronel, mais tarde, acrescida de um sobrado, foi transformada em “Casa de Hóspedes”. Propriedade já da família Cipriano Santos, foi negociada e demolida, dando lugar ao atual condomínio Lilian-Lúcia.
Terezinha, atualmente Dona Tereza, casou, teve filhos e mora em uma pequena casa de madeira, próximo à rua das Mangueiras.”
FONTE: Pereira, Gabriel - “Terezinha não foi à festa” in __ Revista Ilhas Amazônicas: o arquipélago de Mosqueiro – parte 1, Ed. 01, JAN 2006. pp. 38 e 39.
Chalé do Coronel Loló em 1907 (FONTE: “Mosqueiro Ilhas e Vilas” – 1978)
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