terça-feira, 20 de setembro de 2011

NA ROTA DA HISTÓRIA: FAZENDO A HISTÓRIA DA BELÉM-MOSQUEIRO.

Autor: Augusto Meira Filho

 

“Acertada uma segunda viagem, Aníbal ficaria com a obrigação de nos comunicar o domingo próprio, em função da maré alta.”

“Em face dessa comunicação, amiga e desinteressada, marcamos a segunda investida para o domingo, 14 de junho de 1959. E nesse dia, madrugada ainda, partíamos no mesmo caminhão até onde fosse possível pela estrada, como na vez anterior. Nosso grupo foi acrescido de mais um participante, o amigo Joaquim Bastos. Assim, os excursionistas somariam quinze, incluindo-nos na chefia do movimento. Da mesma forma, alcançamos Aníbal no Tauarié, cedeu-nos o transporte com remadores e penetramos na Ilha, para vencer a guerra.

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Atravessando de barco o Furo das Marinhas (FONTE: A. MEIRA FILHO)

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Já na Ilha, o início da jornada (FONTE: A. MEIRA FILHO)

Em coluna por um, entramos, ardorosamente, na floresta. A mata era escura. A aurora surgia e mal se viam réstias de sol, invadindo a folhagem. O silêncio invadiu o ambiente e pássaros, soltos, começavam a anunciar o nascer da manhã. Passo a passo transpúnhamos tronqueiras envelhecidas, pântanos, igarapés; cipoal intrincado caía das árvores, complicando a marcha.

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Pose para a posteridade, próximo à Fonte Boa (FONTE: A. MEIRA FILHO)

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Vencendo um igarapé na mata fechada (FONTE: A. MEIRA FILHO)

Os menores ganharam a frente e, no fim da linha, lutava Manoel Pereira dos Santos a ajudar seu convidado Joaquim Bastos, que, pelo peso e altura, mal conseguia transpor tantos obstáculos da natureza pródiga da Ilha. Entramos no litoral, cerca de seis horas, e após duas de caminhada, para aguardar os retardatários, permanecemos, mergulhados até o pescoço, em um belo igarapé de águas correntes e escuras como café. O banho, de roupa e tudo, foi um bálsamo. Logo chegaram Santos e Bastos, o primeiro queixando-se de “enxaqueca” e o segundo, fadiga profunda. Mergulharam conosco e, refeitos, partimos para a segunda etapa da viagem pioneira. Por volta de onze horas, alcançamos um pequeno caminho roçado e lenha à margem. Estávamos próximos da serraria do Sr. Elias, local certo, onde havíamos fixado ao Agente Municipal do Mosqueiro nos mandasse apanhar por volta do meio dia. Tudo correu certo. Já na serraria, repousamos um pouco, fizemos fotos e apanhamos uma caçamba da Prefeitura ali posta à nossa disposição.

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Chegada à Serraria do Sr. Benedito Elias (FONTE: A. MEIRA FILHO)

Em quinze minutos soltávamos o Joaquim Bastos, em frente à sua vivenda no Ariramba e nós outros seguíamos para o Hotel do Russo. Sujos, andrajosos, fatigados, com sede e fome, comparecemos ao tradicional Hotel. Jornalistas, curiosos, nos aguardavam. Também o Agente Municipal, Carlos Gomes da Cunha, acompanhado de um vereador e outras pessoas gradas, veranistas que ali passavam o domingo.

O velho Russo, a princípio, não queria acreditar na nossa história. Julgava tudo aquilo uma brincadeira de mau gosto. Só depois que o Vereador e um jornalista dos Diários Associados subiram e discursaram, congratulando-se com o sucesso da caravana, anunciada no dia anterior, é que ele se entusiasmou com a avançada pioneira, abriu bebidas e mandou servir o que desejássemos e à vontade. Um dos companheiros havia levado um “peru cheio de farofa e azeitonas” e lá o devoramos, com boa cerveja, na confraternização recebida por todo mundo. A grande vitória anunciada de boca em boca. De Belém a Mosqueiro pela mata, a pé, a primeira e única vez que se realizou semelhante conquista. Recordamos a palavra fácil do repórter Pompeu, ao dizer em bom som:

-- Onde as pegadas de sacrifício desta caravana passaram dentro da mata mosqueirense, em breve correrá o ouro negro do asfalto. Será a Estrada! Benditos sejam! Agora ninguém dirá da impraticabilidade da rodovia! Bravo!

Tivemos que agradecer, em nome do grupo, não só a manifestação espontânea do repórter, como também, as do Vereador e de quantos se manifestaram com simpatia ao descermos da caçamba, em frente ao Hotel do Russo. Várias fotografias se repetiram para fixar o momento histórico. Também o Agente Municipal nos saudou veementemente e garantiu, na oportunidade, que aquele passo seria o começo de uma grande jornada que culminaria com a definitiva construção da Estrada Belém-Mosqueiro. Que de sua parte, como emissário do poder municipal naquela Ilha, todos poderiam contar com sua ajuda e admiração (a).

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Chegada ao Hotel do Russo. Agente Municipal Carlos Gomes,Secretário de Obras Candido Araujo, jornalistas, vereadores, amigos, caravaneiros: Manoel Santos, Benedito Mello, José Resende, Horácio Coelho, Emílio Coelho, Radir Amaral, Nelson Meira (FONTE: A. MEIRA FILHO)

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Em frente ao Hotel do Russo, da esq. para a dir. Emílio Coelho, Radir Amaral, Meira Filho, Rui Meira, Raimundo Almeida, Antonio Lira Jr., Benedito Mello, José Resende, Manoel Santos. Sentados: Nelson Meira, José Wilson e o jornalista Pompeu (FONTE: A. MEIRA FILHO)

Concluído o repasto-lanche, com base em bons drinques oferecidos pelo dono do Hotel, fomos todos para o banho de praia. Nossos trajes e presença, realmente, causavam espanto. Joaquim Bastos ficara-se no Ariramba, principalmente, porque sua roupa estava em frangalhos e não desejaria assim aparecer no bairro grã-fino do Chapéu Virado.

Uma enorme mesa e bem apresentada nos foi oferecida ao almoço. Homenagem da Agência Municipal. A festa se irradiara e era de se ver quanta gente nos procurava para ver de perto que havíamos partido de Belém pela madrugada e lá estávamos, em plena forma, vindos ao Mosqueiro sem qualquer outro meio de transporte, nem pelo avião, nem pelo barco dos SNAPP. Mas, a pé!

Após uma pequena sesta, voltáramos pelo navio da linha, o Presidente Vargas. Aníbal, sempre conosco, comungando de toda a alegria coletiva de seus amigos. Ao chegarmos a Belém, entrevistas aos jornais confirmando a esplêndida experiência na viagem que programáramos e realizáramos sem qualquer prejuízo. Agora – poderíamos confirmar ao público belenense – que a estrada seria uma realidade. Onde pisáramos, sobre lama, folhas apodrecidas, espinhos e sujeira centenária, dali surgiria, para grandeza de Belém, a futurosa rodovia. Sua destinação histórica estava comprovada (b).

No dia seguinte, o vereador que testemunhara nossa chegada em estado deplorável ao Chapéu Virado, Sr. Olavo de Souza Rocha, discursou na Câmara enaltecendo a conduta daquele pequeno grupo de trabalhadores, pioneiros da penetração terrestre entre a capital e a Ilha do Mosqueiro.

Confiante na caminhada, o deputado Stélio Maroja, na Câmara Federal, apresentava projeto concedendo às obras de abertura da “Estrada Belém-Mosqueiro” a importância de cinco milhões de cruzeiros destinados a colaborar na execução dos serviços.”

“Como é público e notório, nos fins de maio de 1959, faleceu de grave enfermidade o Governador Magalhães Barata. Expirou a 27 de maio e a 29 assumia o Governo do Estado o Coronel Luiz Geolás de Moura Carvalho, para completar o mandato do titular. Eleito Vice-Governador pela Assembleia Legislativa no mesmo dia do desaparecimento de Barata e, a partir dessa data, a administração do Pará estaria em suas mãos, pela segunda vez.”

“Procuramos o Governador em Palácio, especialmente para lhe dar conhecimento de todo aquele trabalho então efetuado para os estudos e a construção de uma ponte, no Furo das Marinhas.”

“Nossa preocupação agora se dirigia ao problema da travessia. As rodovias caminhavam satisfatoriamente. Apenas, o jogo político ainda influía muito nas obras, em ambos os lados. Resolvemos, por conta própria, promover uma divisão de esforços, dando a cada setor preso à estrada, sua parcela decisiva e especial.

Procuramos o Prefeito Lopo de Castro em sua casa, dizendo que o Governador Moura Carvalho vira com interesse proposições nossas de se deixar a critério das administrações rodoviárias do Estado (DER) e do Município (DMER) a conclusão dos serviços em andamento vagaroso, em face das divergências políticas das facções que dirigiam Estado e Município de Belém. Pela nossa sugestão, caberia ao DER a solução continental da obra; por sua vez, ao DMER, o encargo de realizá-la na Ilha do Mosqueiro. Cada um faria seu dever em benefício comum dos habitantes de Belém. Uma solução democrática e ninguém poderia gabar-se, de futuro, de ter feito mais ou menos do que o outro. Lopo aceitou a ideia com simpatia. Dali partimos a Palácio, expondo ao Governador Moura Carvalho a mesma posição defendida em casa do Prefeito. Adiantamos que o governador da cidade havia concordado com essa possibilidade e, dessa maneira, ganharia a população da capital. Fomos sinceros e seguros na exposição.

Moura Carvalho, imediatamente, apoiou-nos, dando instruções ao DER de sua decisão. Foi assim que começou a luta das duas entidades para saber-se quem chegaria em primeiro lugar à beira do canal. Estava aberto o jogo.

Nesse ínterim, cuidávamos da fixação das balsas e de sua operação no Furo das Marinhas. Muitas opções apareceram nesse tempo, para esses serviços. Sempre defendíamos que uma simples rampa calculada e de acesso às barcaças seria ainda o caminho mais prático. Aquilo era uma guerra e como tal deveria ser encarada. Contudo, alguns teóricos pretendiam construir flutuantes nas duas margens, próprios para o acostamento da embarcação em qualquer nível de maré. Apesar de tecnicamente certo, esse plano nos parecia oneroso e difícil. Já nos bastavam os sofrimentos anteriores, os milhares de dificuldades vencidas até aquele ponto da obra, para aceitar, simplesmente, maiores complicações ao primeiro término do serviço. As estradas continuavam longe do litoral, por vencerem cerca de mil metros de dolorosa baixada existente às margens do “furo”.

Urgia, por parte do Governo, uma lei que regulamentasse a exploração da travessia e determinasse as normas para a concessão desses serviços a terceiros. Nenhum organismo oficial, nem os rodoviários (estadual e municipal) pretendiam chamar a si esses encargos. Deveriam ser entregues a empresas privadas que se incumbiriam dos serviços de transporte de veículos do continente para a ilha. Houve quem nos procurasse imaginando que nós ou o nosso grupo teríamos, em princípio, pleiteado o trabalho, para explorá-lo em benefício próprio. Pelo contrário, levávamos, nessa altura, devidamente redigido um projeto de lei para o Executivo encaminhar ao Poder Legislativo, solicitando sua urgente aprovação e referente ao serviço de comunicação fluvial, no Canal das Marinhas.

Pessoalmente, levamos esse projeto ao Governador Moura Carvalho que logo o fez seguir para a Assembleia Legislativa. Ali seriam tantas as emendas absurdas que, quando aprovado e sancionado, ninguém tentaria aceitar qualquer concessão para explorar as balsas na estrada Belém-Mosqueiro.”

“Diante do rigor desse texto, ninguém seria capaz de candidatar-se a concessionário do serviço de balsas no Furo das Marinhas. Ainda nada existia de objetivo nesse sentido e já a lei fixava multas e tarifas, além de outras exigências descabidas. O nosso anteprojeto fora quase totalmente modificado, transformando a concessão numa verdadeira monstruosidade. As dificuldades, pois, continuavam a influir na construção e no futuro uso da estrada. Contudo, para uma coisa serviu a divulgação dessa lei: alertou aos fabricantes navais de Belém, motivando-os e fazendo com que tomassem a frente no fornecimento das barcaças e fabricadas nos nossos estaleiros.”

(a) Além de veranistas que estavam hospedados no Hotel do Chapéu Virado e outras pessoas curiosas com o feito, receberam os caravaneiros, o Secretário Municipal de Obras, engº. Cândido Araujo, o Agente Municipal da Ilha do Mosqueiro, Sr. Carlos Gomes da Cunha, os Vereadores Municipais Olavo Rocha e Antonio Cunha Gonçalves, representantes da imprensa e o jovem universitário Antonio Carlos Simões.

(b) No percurso dentro da mata fechada somente encontramos um jabuti e uma cobra pequena que, mais tarde, tornar-se-iam o emblema de nossa jornada.

(FONTE: MEIRA FILHO, Augusto. “Mosqueiro Ilhas e Vilas”- ED. GRAFISA, 1978- pp. 202 a 213; 217, 218; 223, 224; 229, 230; 235, 236; 241, 242)

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