Autor: Augusto Meira Filho
“Inicialmente começamos com poucos elementos. Na coragem, na base da pá, enxada e carro-de-mão, a obra tomava forma. Pontilhões, obras d’arte, aterros, desmatamento, abertura das faixas de domínio e, sobretudo, rigoroso estudo sobre a conclusão da obra, vencendo-se os oitocentos metros de terreno alagado próximos à beira do rio.
Para a execução desse trabalho, como não poderia deixar de ser, houve necessidade de ser empreitado com uma firma especializada, possuidora de equipamento, maquinaria pesada, homens e técnicos especiais, capaz de realizar aquela conquista que vinha sendo um desafio para todos os governos.
O problema não se cingia mais à estrada, propriamente, dita, mas, principalmente, aos trechos finais, no continente e na ilha. O primeiro desafiava o DER-PA e o segundo, o DMER. Internamente, então, qualquer veículo viajava bem no correr das duas rodovias, estacionando, inexoravelmente, antes de sua chegada ao beiço do “furo” como desejávamos.
Como dissemos, pelo DER respondia o engenheiro Aliverti quanto ao andamento da obra, diariamente solicitado pelo diretor Guilhon. Na Ilha, pelo DMER, o engenheiro José Machado era o responsável pelo que ocorria na BL-19.
Permanentemente, sós ou em companhia do diretor-geral, percorríamos os trechos sob a proficiência de Aliverti. Este, na altura da Fábrica Santa Rosa, passou a utilizar um imóvel dessa firma, para instalar o escritório da obra. Dali partiam todas as atividades do grupo por ele chefiado e os serviços cresciam a olhos vistos. A complementação foi, então, contratada com o engenheiro Celestino Rocha, construtor de rodovias e pessoa idônea para resolver definitivamente aquele problema. Também, ao lado desse colega, vistoriávamos, constantemente, o domínio da velha baixada que, aos poucos, se transformava numa bela pista, acompanhando o grade e o perfil da estrada.
Do outro lado, Machado e sua equipe, viravam-se de toda forma.
Em junho de 1965, Alacid Nunes afasta-se da Prefeitura para candidatar-se ao cargo de Governador do Estado. Desincompatibilizava-se de acordo com a lei e, em seguida, assumia a Comuna o Vice-Prefeito Oswaldo Mello.
Exatamente, quando a obra fervia de lado a lado, o novo prefeito nos assegura toda a vontade de ver terminada a estrada Belém-Mosqueiro e que de sua parte iria acionar seu DMER, para aquele fim. Dirigia o Departamento Municipal de Estradas de Rodagem, primeiramente, o Engº. Alírio Cezar de Oliveira e, depois, o Engº. Luiz Baganha. Este, pouco simpatizante do Mosqueiro, mas bravo em seus gestos e atitudes profissionais, confessou-nos:
“-- Se dependesse só de minha decisão, nunca que se faria esta estrada para Mosqueiro, antes que outras rodovias, que reputo mais importantes, tivessem sido concluídas. Contudo, agora, na direção do Órgão cumpro meu dever e farei tudo que for possível e o impossível para servir a quem sirvo: o poder municipal”. Não nos surpreendia o colega com aquelas declarações. Estava correto. E tratou de se esforçar para que a vontade do Prefeito também fosse atendida. Tudo estava favorável ao término da famosa rodovia.
Através da imprensa, escrevendo diariamente nossa “Ronda da Cidade”, o tema da Belém-Mosqueiro era prioritário. Incentivávamos, habilmente, os dois grupos. Conseguíramos o fenômeno interessante de fazer daquela luta técnica e política uma espécie de contenda, de rivalidade entre as duas turmas que a realizavam. Uma vez, cambávamos em destacar a avançada do DMER na Ilha, dizendo, mesmo, que o Engº. Machado preparava-se para colocar sua bandeira do lado de cá; de outra feita, ardilosamente, púnhamos a vitória às mãos do Aliverti, afirmando que antes de qualquer novidade a maior seria a equipe do DER pisar em terras mosqueirenses, em sua barcaça improvisada.
Isso tornava-se público e havia uma torcida surda nesses encontros que tomavam o aspecto de competição esportiva. Daí obtivemos um enorme êxito. Admirávamos o crescimento do serviço, cada semana que passava. Sem atritos e sem deslealdades, as duas formações se entendiam, embora opostas em seus ideais de vencer a tempestade que nós forjávamos pela imprensa de Belém.
Construção da estrada na área da Ilha. Registro de uma das nossas visitas à obra com a presença do Engº. José Machado (Doc. do autor)
Esse entrechoque passou do campo das obras para o campo dos gabinetes do Governador e do Prefeito. Nossa posição era delicada. Todos nos viam como um líder do empreendimento, mas de caráter todo especial, pois, lutávamos no mesmo partido revolucionário e nada havia a temer em termos de partidarismo.
O de que precisávamos era a estrada pronta para ser entregue ao público.
Guilhon, sabiamente, sentia isso. Sentia e compreendia os nossos sentimentos. Só tínhamos um ideal, desde os albores de 1946! Afinal, no ano seguinte, completariam 20 anos de insistência, de coragem, de pertinácia, para que uma obra tão fácil (mas politicamente embrulhada) tivesse sua conclusão.”
“Corriam, normalmente, os serviços na estrada. A guerra continuava cada vez mais intensa. Nossa posição mediana mantinha o equilíbrio entre as duas forças, respeitada por ambas, servindo a todos desinteressadamente já por duas décadas, sem nunca ter sido construtor de estradas e nada ganho nessa especialidade. As duas turmas deveriam encontrar-se no rio, no Furo das Marinhas, ao mesmo tempo. Balsas somente quando concluídas as duas pontas da rodovia, permitindo a passagem dos primeiros veículos que entrariam no Mosqueiro, via Benevides-Santa Bárbara, Furo das Marinhas, Carananduba, Chapéu Virado, Vila.
Fase final da rodovia, na área próxima ao Furo das Marinhas. Presença do Dr. Fernando Guilhon (DOC. Do autor, 1965)
Na face do continente, foi a 5 de agosto de 1965 que chegou a caçamba que depositaria, à beira do canal, sua primeira carga; no Mosqueiro, em comemoração a uma viagem do Prefeito Oswaldo Mello à Ilha, no regresso, após o almoço no Russo, propositadamente demorado, ao chegarmos com a comitiva à beira do rio, o Engº. Machado nos surpreendeu com todo o litoral aterrado em condições de nossos veículos alcançarem o local onde nos esperava a lancha. Foi um sucesso essa novidade, previamente articulada.
Trabalhadores, engenheiros, mosqueirenses festejando o final dos aterros à margem do Furo das Marinhas, em 1965. Presentes Fernando Guilhon, Osvaldo Aliverti, José Augusto Pombo e o Sr. Salame (FONTE: A. MEIRA FILHO)
Os carros, então, às duas extremidades já se assinalavam com os faróis acesos. Outra grande vitória que muito nos emocionou. Não nos contivemos, mesmo, ao descermos no continente onde o colega Aliverti nos aguardava, igualmente emocionado. Dia feliz! Feliz para quem tinha um ideal e soube sustentá-lo a qualquer preço.
Em novembro de 1965 – achávamo-nos no Mosqueiro e Guilhon, também – no dia 23, vimos passar pela estrada beira-mar, turística, duas basculantes, dois pick-ups e uma camioneta que conhecíamos, em serviço, na PA-17. Estranhamos aqueles veículos, àquela hora, no Mosqueiro, passando na praia do Farol. O Diretor havia vindo pela Lancha “Sérvulo Lima” que apelidávamos de “Branca de Neve”, fato que desconhecíamos. Foram esses os primeiros veículos oficiais em serviço que passaram do Continente para o Mosqueiro.
Nesta altura, devemos fazer referência a uma pequena balsa que pedíramos por empréstimo à SPEVEA e, antes servira no rio Guamá, na rodovia Belém-Brasília, então, sem qualquer uso. Waldir Bouhid, superintendente do órgão, era nosso vizinho e, cedo, pleiteamos “para experiência” sua utilização na travessia na rodovia do Mosqueiro, exatamente no Canal das Marinhas. Fomos providenciar sua vinda, sendo um pouco revista e entregue à Prefeitura. Foi nessa balsa improvisada que Aliverti alcançou o Mosqueiro com sua gente, ali encontrando-se com o Diretor Fernando Guilhon. Houve festa e alegria na Vila. Procuraram o Vigário, registraram o feito na Agência Municipal e fizeram fotos em frente a um monumento que ainda existe na Praça da Matriz, onde aparece um dístico, com estes dizeres: “Somos todos irmãos”.
Esse fato ficou meio reservado, embora Aliverti e Guilhon desconhecessem nossa presença no Farol. Nem assim nos escaparia a significação histórica da primeira travessia, agora, relatada publicamente.
No dia 1º de dezembro de 1965 – no expediente da tarde – Guilhon era procurado insistentemente pelo Governador Jarbas Passarinho. Queria o Chefe do Estado, de qualquer forma, atravessar seu carro para o Mosqueiro. Não escolhera hora, maré, balsa, etc. Queria, e isso era tudo. Uma resolução inopinada de quem tinha por que mandar e sabia fazê-lo. Vez por outra nosso querido Coronel recordava seu posto e agia militarmente: ordem unida, acelerado, pra-frente, marche...
Foi o que houve. Guilhon, encontrado depois do almoço ou sem refeição, e mais outros participantes da esfera administrativa do Estado e da Prefeitura, corajosamente, pela habilidade inconteste de Aliverti, na balsinha do Guamá, atravessariam para o Mosqueiro. Nós não fomos encontrados, na ocasião.
Depois soubemos dos pormenores da viagem ocorrida apressadamente, mas, na realidade, a primeira vez que o carro oficial do Governador do Estado entrava na Ilha do Mosqueiro pelas PA-17 e BL-19, há tanto tempo desejada.
Primeira travessia do carro oficial do Governador do Pará para o Mosqueiro, em balsa improvisada (1.12.65). Gov. Jarbas Passarinho cumprimentando o Prefeito Oswaldo Melo (FONTE: A. MEIRA FILHO)
Tomamos conhecimento da empreitada no dia seguinte, pelos jornais, que noticiavam a aventura do Governador. Estávamos completamente alheios ao fato. À arrancada do ilustre governante, companheiro e amigo e na gestão do DER-PA de Fernando Guilhon, não seria fácil aceitar nossa ausência. Depois, Guilhon nos explicaria detalhes da jornada e nos justificaria a razão por que estivéramos fora da caravana. Não fôramos encontrados à hora em que o Governador, Prefeito e outras personalidades haviam tomado a iniciativa de atravessar do continente para a Ilha, após o expediente matutino de Palácio.”
“No correr dessa semana, publicamos na imprensa trechos de duas cartas de Guilhon, datadas de 1950, que nos foram enviadas tratando das obras da futura estrada Belém-Mosqueiro e que já comentamos anteriormente.
Ele, por seu lado, ficou entristecido pela ocorrência. A decisão do Governador tinha sido legítima e confirmara tudo quanto havíamos planejado juntos, desde 1946, como já vimos.
Ficou, dessa caminhada pioneira, em termos rodoviários, uma Ata redigida pelo próprio Governador do Estado, com o seguinte teor:
“É de tarde. Há sol e muita luz por toda esta ilha. Desde o continente que vimos juntos, governador e prefeito, auxiliares de um e outro, percorrendo um itinerário que, até aqui, só figurava como declaração de intenções. Agora, às 15 horas reais deste primeiro de dezembro de 1965, pára o carro oficial do Governo do Estado do Pará, flâmula desfraldada no flanco direito. Do carro descem, diante desta Agência, Governador, Prefeito de Belém, Diretor do DER-PA e mais todas as autoridades que, em outros carros, igualmente vindos de Belém chegaram aqui pela estrada que tantos prometeram.
Assinado: Jarbas Passarinho – Ten. Cel. Governador –
Oswaldo Mello – Prefeito de Belém –
Fernando Guilhon
Luiz Gonzaga Baganha
Nazareno Menezes Moreira – Pároco
Dilermando Menescal
José da Silva Machado
José Maria de Azevedo Barbosa – Sec. De Obras da PMB
Francisco de Lamartine Nogueira
Ronaldo Passarinho P. Souza
Oswaldo Medrado
(Nome ilegível)
Carlos Passarinho
Thompson Tenório (quase ilegível)
Roberto Brandini, Brig. (quase ilegível)
Mário Azevedo – Ag. Municipal – “
Essa, a relação dos visitantes ao Mosqueiro naquela viagem, na qual não tomamos parte. A partir desse fato, realmente histórico, Fernando Guilhon tomou por conta própria e sob a aprovação do Governador do Estado a iniciativa de propor nosso nome à rodovia Belém-Mosqueiro.
Da parte do eminente Governador Jarbas Passarinho, receberíamos a seguinte carta, em papel timbrado do Gabinete do Governador:
“Belém, 3.12.65
Meu caro Augusto:
Recebi teu caloroso telegrama. Sou-te grato por ele. Antes, mesmo, de recebê-lo, dei-me conta de que, conquanto involuntariamente, havíamos praticado uma indesculpável omissão.
No Exército, em certos casos, dizemos: “explica, mas não justifica”. Sei que não nos justificamos, mas faço questão de explicar a injustiça de não estar você entre os que fizemos a viagem ao Mosqueiro.
Em primeiro lugar, a viagem foi conseqüência de decisão inopinada. Não foi previamente planejada. Houve uma decisão de momento, fruto do entusiasmo que nos dominou! Não saímos daqui para lavrar “Ata de 1ª. viagem”. Ela, também, foi uma proposta de nosso prezado amigo Oswaldo Mello, no momento em que, eufóricos, chegávamos à frente da Agência do Mosqueiro.
Tanto foi improvisada a viagem que a balsa do DER não estava no Furo das Marinhas e só por certa insistência minha e do Prefeito Mello, junto aos técnicos, foi possível atravessar os automóveis com maré ainda baixa.
Não se fez, pois, a viagem oficial de inauguração da estrada, construída pelo DER e DMER. Quando isso se der, tenho certeza de que tanto o Governo do Estado do Pará como a Prefeitura de Belém terão em você o convidado de honra número um, pois não se entende estrada Belém-Mosqueiro sem você, sem o Santos e outros abnegados a serviço dessa ideia há dezenas de anos (a).
Nós, da Prefeitura e do Governo, se méritos temos terão sido os de haver tornado possível o sonho dos pioneiros que você representa.
Cordialmente,
Assinado, Jarbas G. Passarinho –
Ilustríssimo Senhor
Doutor Augusto Meira Filho –
Presidente Ernesto Geisel inaugura a Ponte Sebastião Rabelo de Oliveira sobre o Furo das Marinhas em 12.01.76 (FONTE: A. M. FILHO)
(a) Essa inauguração festiva realizou-se a 12 de janeiro de 1976, dia do aniversário da cidade de Belém. Para o ato solene, esteve presente o Presidente Ernesto Geisel. (Inauguração da Ponte sobre o Furo das Marinhas na rodovia Belém-Mosqueiro) – Também estivemos ausentes. Não fomos encontrados.
(FONTE: MEIRA FILHO, Augusto. “Mosqueiro Ilhas e Vilas”- ED. GRAFISA, 1978- pp. 222, 225, 226, 227, 228,, 231, 232 e 233)
Prezado Claudionor,
ResponderExcluirLi seu artigo a partir do livro de Meira Filho, e fiquei muito interessado,pois coincidentemente, estou escrevendo a biografia do Roberto Brandini, que estava presente ao evento descrito por vc. O Brandini foi um aviador da FAB heroi de guerra na campanha da Italia, alem de participar ativamente do governo Castelo Branco. Portanto, pergunto a ti se terias fotografias, documentos etc., que incluissem o Brandini, alem do Passarinho. Os dois eram muito amigos! Eu ficaria muito agradecido se pudesses enviar algum material, bem como sugerir alguma linha de busca sobre o Brandini em relacao ao Mosqueiro.
Cordialmente,
Prof. Luciano F. Fernandes
Universidade Federal do Parana