sexta-feira, 11 de março de 2011

JANELAS DO TEMPO: TÁ FEIO: Ironia e Irreverência na Avenida

Autor: Prof. Alcir Rodrigues

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Fig. 1: foto de Edmilson L. Braz
Carnaval 2006

* Achamos por bem identificar os/as brincantes para que, futuramente, os/as leitores deste documento não sofram do mesmo tipo de apagamento que motivou a elaboração deste escrito: (da esquerda para a direita, primeiro os adultos, depois as crianças) Aldo, Daniele, Santana, Lindo (Gonçalo), Vanessa e Moisés, Alcir (o então Presidente), Daniel, Sheyla, Rick, Adriana e Arnaldo, Helen, e Beca; Caio Vinícius, Caio Campinas, Vítor, Tavinho (André Gustavo), Ariane e Arícia (oculta atrás do Rick) e Amanda.

GRCBC TÁ FEIO

O GRCBC TÁ FEIO foi fundado em 1979, após a inativação prematura da agremiação A Grande Família (aqui do Mosqueiro), da qual o Tá Feio acabou por herdar alguns brincantes/fundadores e instrumentos da bateria. O nome remonta aos primórdios da Escola de Samba Quem são Eles, que nasceu com o nome de Tá Feio. O propósito com que os fundadores criaram esta agremiação foi pautado pelo inconformismo com o tipo de “carnaval para turista ver‟, o carnaval formal e tradicional, fantasiado e bem bonito, o que não corroborava com o contexto social, histórico, cultural, político e, principalmente, econômico, pelo qual nosso país passava então. Tudo passa a lembrar precariedade (Como se pode ler em “Tá Feio! Tá Feio! / O homem sem cueca/ E a mulher sem porta-seio”, cantado pelos brincantes de então), principalmente a partir dos anos oitenta: tudo ruço, tudo “tá feio‟, nesse período de ínfimos salários e inflação galopante de Figueiredo e Delfim Neto, e segue adiante com Sarney e seu Plano Cruzado. (E depois, para piorar, viria Collor.) Nessa época (1986), o Tá Feio assume sua vocação para a denúncia, fazendo crítica construtiva por meio de uma postura de irreverência, inclusive retratando realisticamente a inépcia dantesca das autoridades e instituições “competentes”. Seu enredo, nesse ano, teve como tema “As horríveis noites de Carnaval”, que seria repetido, nos anos a seguir, como “As horríveis noites de Carnaval II”, e assim por diante. Em 1989, no decenário do Bloco, o historiador André Alvarez publica um artigo no jornal O Liberal, com o título “Nós que amamos tanto o Tá Feio”, e o Tá Feio, pela única (e última!) vez desfila como agremiação carnavalesca formal, com fantasias, adereços etc., com o tema “Ao despertar da folia”, ato de decisão isolada da Diretoria, o que muito desagradou os brincantes em geral, já que o período carnavalesco para eles deveria, como condiz com sua remota origem, ser não só de festa, mas também de inversão de valores. É nessa época, e só nela, que o pobre tem vez e voz: o morro, a baixada, a invasão; o operário, a doméstica, o desempregado têm seus poucos minutos de fama e de poder dizer, como no famoso samba de enredo, “Sou na vida um mendigo, / Na folia eu sou rei” (Beija-Flor). E por sua postura afirmativa, até escarnecedora em alguns casos, e por não baixar a cerviz jamais aos poderosos e seus desmandos, o Tá Feio, não é de hoje, foi constantemente boicotado, ou posto para desfilar em último lugar. Mas, como se diz, sempre deu seu jeito. O boicote, também econômico, custou ao Bloco ter se tornado Bloco Fixo, isto é, não desfilava, em anos intermitentes durante a década de 1990. Contudo, como uma Fênix, o Bloco ressurge pujante ainda em 1999, com o tema “O Real virou cocô”. Em 2000, com o “Brincadeira de peteca”. Seguem outros anos de Bloco Fixo. Em 2005, com dificuldades, sai na avenida repetindo o tema de 2000. Já em 2006, vem com o irreprimível “Tem culpa todo mundo, só não tem culpa eu”. Em 2007, o Tá Feio emplaca com “Se bobeias, danças”. Em 2008, o samba “Agente vai, a gente fica”, na linha dos anteriores; em 2009, “Trinta Anos de Tradição e Irreverência no Carnaval Mosqueirense”; em 2010, “O Belo e o Feio – A Antítese da Folia no Carnaval do Tá Feio” e, em 2011, comemora os “Vinte Anos de Empata’s Phoda Bar com as Bênçãos de São Caralho”, com forte teor de ironia, de irreverência e criticidade construtiva que sempre marcaram o Carnaval do Tá Feio, desde sua fundação até hoje.

Em vez de mil e uma, um milhão e mil e uma histórias têm os brincantes desse Bloco para decantar em prosa & verso. Em tempo, quando se dissolveu A Grande Família, e a família que a organizava cedeu os tambores para um de seus filhos e seus amigos formarem um Bloco de Sujos, como se dizia à época, surgiu o questionamento: Qual o nome a ser dado? Entre outros, surgiu o irretocável Tá Feio, por influência (Excepcional, diga-se!) da Escola de Samba Quem São Eles, que teve esse nome como seu primeiro.Tá Feio porque a situação socioeconômica da época “tava ruça”, como se costumava dizer. Tempo de “inflação galopante”, “fantática”, como o então ministro Delfim Neto a qualificava. Governo Figueiredo, quase no fim da dita-Dura. É desse período o “refinado‟ refrão, que igualmente o era seu “samba-tema”:

Tá Feio! Tá Feio!
O homem sem cueca,
E a mulher
Sem porta-seio...

Pode-se observar, da problemática óbvia, em questão, do baixo ou nenhum salário, do poder aquisitivo baixíssimo, ou na verdade zerado, que não daria sequer para comprar um sutiã ou uma cueca; além de tudo isso, veja-se o bom-humor, a sátira da letra, coisa já mais madura que nos primórdios do nascimento do Bloco, em que só se dava um grito de guerra, o tempo todo, repetidamente:

Ê eeeoôôôô, eeeôôôô
Tá Feiôô!

É dessa fase que vem a mística de que Tá Feio é o Bloco mais “enjoado” do Mosqueiro, no sentido de ser o mais persistente, o que mais vezes “passava” na frente do palanque oficial. Segundo alguns, há um número hiperbólico de 33 vezes e meia. Inclusive, certamente nesse carnaval aí das 33 vezes e meia, disseram, os organizadores do evento, que “aquela” seria “a última passagem do Bloco”, que após sair dali, não poderiam os brincantes voltar. Então, o que se fez? Ora, deram meia volta, uma ré, e o Bloco atravessou a Avenida no sentido inverso. Foi hilário, porque passou pelo meio rasgando os outros blocos e atrapalhando suas baterias, já que na do Tá Feio, ninguém sabia batucar. Ainda na década de 80, um brincante, Edivaldo Teles de Sousa, o Dico Medalha, uma vez perguntado sugestivamente qual seria o tema do Bloco para o Carnaval daquele ano, saiu com esta deliciosa pérola: “As horríveis noites de Carnaval”, o que combinaria com o nome da agremiação: Tá Feio. Aí, um outro brincante, o Vitor Barata, compôs um samba bem bacaninha, que segue abaixo:

As horríveis noites de Carnaval

Hoje a Vila está em festa
Tá Feio o seu povo vem saudar
Com horríveis noites de Carnaval
Este é o seu tema popular

Tem rasteira, tem empurrão
Tem madame fugindo com o Ricardão

Vem morena,
Que hoje ninguém é de ninguém
Tira a mão do meu, morena
Se não, amanhã vai ter neném

Vai ter neném
Sim, senhor
Este é o Tá Feio
Que o povo aclamou.

É possível que certas opiniões, e até com certo crédito, atribuam à letra um quê de ingenuidade, o que não deixa de ser parcial verdade. Mas é crucial que observem a crítica acerca da promiscuidade, com visão “machista‟, ou, no mínimo, patriarcalista, mas certamente crítica, com relação à deterioração das relações conjugais, bem típicas do período momesco. Importante também é a referência ao comportamento agressivo de algumas parcelas de brincantes que atrapalham ou mesmo estragam esse período, que deveria, como condiz com sua origem, ser de festa e de inversão de valores. É nessa época, e só nela, que o pobre tem vez e voz: o morro, a baixada, a invasão; o operário, a doméstica, o desempregado têm seus poucos minutos de fama e de poder dizer, como no famoso samba de enredo, “Sou na vida um mendigo, / Na folia eu sou rei”. Além desse fato, naqueles anos perto do fim da década de 80, a AIDS já vitimava muita gente. A gravidez não programada e precoce era uma constante. Esses fatos não mudaram muito. Mas no sambinha há um alerta contra o não-planejamento familiar. Não é tão ingênua assim a letra, portanto, como pudemos ver. Sem falar que a maioria das pessoas tem uma visão bem ortodoxa acerca do que é a beleza na passarela. Joãozinho Trinta rompeu com isso, na linha de Pablo Picasso, que disse que “O feio é belo”, quando desenvolveu na Av. Marquês de Sapucaí o tema, pela Beija-Flor, “Sapos, cobras, urubus, larguem minha fantasia”, em 1989. Ora, o Tá Feio tinha por tema, em 1986, “As horríveis noites de carnaval”. Que tal?

MOSQUEIRANDO: Para saber mais sobre o TÁ FEIO, visite o BLOG MOSKOWILHA.

http://moskowilha.blogspot.com/2011/03/ta-feio-ironia-e-irreverencia-na.html#links

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