Autor: Augusto Meira Filho
“Corre o ano de 1950 tumultuado pela política, quando duas facções adversárias se opunham tenazmente e não mediam suas forças, apenas, pelos coeficientes eleitorais de cada uma mas, sobretudo, pelas vinditas pessoais, pelo elevado rancor de parte a parte. De um lado o velho baratismo, agora pessedista, prestigiado pelo Chefe Barata, pelas hostes sulistas, pelo arrojo de sua gente; do outro, os inimigos figadais do Coronel, os seus opositores desde a Frente-Única, a coligação partidária que há muito procurava derrubar o líder de 30, de seu trono paraense. Foi uma temporada de indescritíveis ameaças, de desentendimentos mútuos, de luta fratricida absurda, não mais admissível num povo que se dizia civilizado e ordeiro. A verdade é que a guerra estava lançada entre os amigos e partidários de Barata e seus opositores tradicionais.
As campanhas durante 1950 foram tremendas. Dessa época, a presença de uma nova personalidade no problema Belém-Mosqueiro.
Comandava a Oitava Região Militar, sediada em Belém, o General de Divisão Alexandre Zacarias de Assunção. Criatura simpática, amável, cordial, cedo tornou-se conhecida e estimada da população de Belém. Sua posição, portanto, na cidade era prestigiosa e conhecida. Do outro lado, chefiando a política, estava o coronel, depois General Magalhães Barata que não admitia a intromissão de alienígenas na chefia política da região, há muito tempo, conquistada por ele desde os albores revolucionários de trinta. Interventor Federal duas vezes, agora, pretendia a Governança Constitucional, razão maior de sua atividade junto aos correligionários da capital e do interior. O executivo paraense permanecia sob o comando pessedista, da qual ala Barata era um dos chefes no setor federal. Dirigia o Estado o Coronel Moura Carvalho, e a nossa nova figura da política regional, o General Assunção, seria convocado para ser o candidato da Coligação ao Governo Estadual, na luta eleitoral contra Barata. Relutou, em princípio, mas acabou aceitando a guerra. Os divisores se abriram na paisagem paraense e não havia meio-termo. Quem não estava com o PSD se unia à Coligação. Duas colunas distintas deveriam enfrentar um pleito perigoso e de difícil solução amigável ou pacífica.
Já nesse 1950, em junho, inaugurávamos parte do nosso Serviço com a Firma Byington Cia., no Utinga e na cidade, com as novas elevatórias, o Canal do Utinga, o remanejamento da Estação de Tratamento e outros setores paralelos.
Também uma Usina Elétrica totalmente montada para atender, de São Braz, à toda força destinada às bombas de reclaque do Utinga e de São Braz. Mais tarde serviria, igualmente, às máquinas fixadas nos setores urbanos. Tudo novo substituindo as velhas bombas inglesas que nos vinham da antiga Companhia das Águas do Grão-Pará, no Império, recuperadas na administração Montenegro. Foi uma festa essa inauguração junto à nova Usina e que, de certa forma, influiria política e eleitoralmente à facção baratista. Mas o nosso empenho nessa obra nunca teve qualquer sentido partidário. Cumpríamos nosso dever e disso houve comprovação, posteriormente até por parte da oposição.
Mas nessa contribuição, o que interessa, realmente, é focalizar a presença do General Zacarias de Assunção, junto às pretendidas obras da PA-17, da qual só possuíamos seu levantamento precário e sua comprovação de exeqüibilidade, como vimos.
Nosso General costumava passar seus fins-de-semana fora de Belém. E um dos seus lugares preferenciais era a residência do seu amigo Eurico Romariz, industrial de importância e ex-deputado do Partido Liberal, em 30-35, até 37 quando o “golpe” de Getúlio fechou todos os parlamentos brasileiros.
Assunção, como todo belenense que ama esta terra, tornou-se um fiel admirador do Chapéu-Virado. Aos sábados e domingos era visto como hóspede de seu amigo Romariz, na “Vivenda Paraíso”, situada no extremo da praia oposto do Hotel do velho Zacharias Mártyres. Um lugar pitoresco, ventilado, agradável se confundia com a gentileza dos donos da casa. A beleza da ilha, a paz dominante e a paisagem que se perdia no horizonte em busca do Marajó faziam do “Paraíso” mosqueirense um novo éden para o visitante que tanto desejava conhecer outras plagas amazônicas como aquela. O temperamento do General se adaptava, se fundia, com perfeição, à perfeição do lugar.
Consta que em uma deliciosa manhã de verão o permanente convidado de Romariz, dirigindo-se ao anfitrião, assim comentou:
-- É inacreditável que vocês paraenses ainda não tenham pensado numa rodovia para o Mosqueiro. Uma estação balneária como esta não vai poder ficar toda a vida na dependência desse vapor. Sei que a viagem, mesmo por lancha, é agradável. Contudo, enfadonha, demorada. Uma estrada resolveria a todos os problemas do visitante e dos veranistas, além de beneficiar essa gente nativa e que, certamente, vive aqui com suas famílias.
-- Realmente, explicou Romariz, isso é muito importante. Mas já há alguma coisa a esse respeito. Desconheço os detalhes. Não será difícil colher informações, no caso de interessar ao General. Sou muito amigo de um desses propugnadores da feitura de uma estrada Belém-Mosqueiro. É um engenheiro que está tocando o assunto, quase sozinho. O problema é controverso. Há várias correntes sobre o caminho a seguir. Daí as dificuldades. Compreende, General?
O Comandante da Região confirmou com a cabeça e lamentou:
-- É deveras uma pena. Isto aqui é bom demais para depender de um transporte tão incipiente, antigo e vagaroso. Há esperança dessa estrada?
Romariz acomodou-se na poltrona e respondeu:
-- Fala-se antes na vinda de barcos novos fabricados na Holanda. Dizem que uma encomenda já está sendo estudada entre os SNAPP e as fábricas estrangeiras. Isso é tudo que sei. Pretendem colocar nesta linha um navio moderno, de grande velocidade e absoluto conforto. É o que se espera. Só não se sabe para quando... A estrada está em fase de cogitação, de ideia, defendida ardorosamente por um grupo. Mas há notícias de sua viabilidade... Assim, esperamos. Mas ainda não começaram nada, ao que eu saiba.
Esse diálogo ficou para a história da estrada Belém-Mosqueiro. E ele nos foi revelado pelo próprio Sr. Eurico Romariz, nesse tempo, um dos maiores baluartes na luta a favor da Ilha do Mosqueiro, haja vista a linda vivenda que lá edificou num dos mais belos lugares da Ilha: “O Paraíso”.
O resultado do pleito todos nós sabemos. Por uma diferença mínima de votos, venceu a oposição. Subiu à governança do Pará o General de Divisão Zacarias de Assunção. Em virtude dessa modificação, também nós deixaríamos a direção-geral do Departamento Estadual de Águas.
A partir desse tempo, passávamos a funcionar como engenheiro perito e analisador do Banco da Amazônia, onde permaneceríamos quase vinte anos.
Começa o Governo oposto ao baratismo em fevereiro de 1951, tendo sido nomeado Prefeito de Belém o Sr. Lopo Alvarez de Castro. Tinha este uma larga soma de serviços prestados à Coligação; merecendo, pois, ocupar a segunda função importante da política regional: a de governador da cidade de Belém!
Nos primórdios de sua administração, o General Zacarias de Assunção foi procurado em Palácio pelo seu amigo Eurico Romariz e, nessa visita histórica para a vida do Mosqueiro, Romariz cobrou do Governador empossado: aquela dívida: a construção da rodovia para o Mosqueiro.
Assunção confirmou seus desejos nesse sentido e prometeu, de viva voz, ao amigo que iria providenciar esse trabalho, pois muito apreciaria vê-lo concluído em seu governo.
Efetivamente, o governador, logo tratou de cumprir sua promessa. Determinou ao Prefeito Lopo Alvarez de Castro as providências necessárias para o início das obras da estrada. Assunção fez do próprio Sr. Romariz o intérprete de sua determinação direta ao chefe do Executivo Municipal. Este, por sua vez, logo deu os primeiros passos, solicitando ao intermediário que procurasse saber o que havia dessa estrada falada nos jornais e da qual nós éramos seus idealizadores ou divulgadores pela imprensa como coisa “viável”, o que tinha motivado o interesse do Governador Assunção.”
(FONTE: MEIRA FILHO, Augusto. “Mosqueiro Ilhas e Vilas”- ED. GRAFISA, 1978- pp. 159, 160, 161, 162 e 165)
Se imaginassem o mal que a estrada traria a Mosqueiro, jamais teriam cogitado essa ideia.
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