Autor: Augusto Meira Filho
“Voltamos a referir à personalidade marcante do Doutor Zacharias Mártyres, diante da merecida homenagem que a Prefeitura Municipal de Belém vem de lhe prestar, fixando seu nome na nova ponte construída sobre o Igarapé do Cajueiro. Substituindo velha estrutura em ferro que conhecemos servindo a rodovia beira-mar de Ariramba para o Carananduba, agora em concreto armado, executada pelo DMER sob ordens do Prefeito Ajax Carvalho d’Oliveira, a “Ponte Zacharias Mártyres”, além de resolver definitivamente a interligação rodoviária pelo litoral, da Vila à Baía do Sol, vem se constituindo, também, um ponto de turismo que procura exaltar um dos grandes pioneiros e batalhadores do Mosqueiro, esse curioso bragantino que foi Zacharias Mártyres.
PONTE DO CAJUEIRO ANTES DE 1976 (FONTE: MEIRA FILHO, 1978).
PONTE ZACHARIAS MÁRTYRES, NO CAJUEIRO (FONTE: MEIRA FILHO, 1978)
Assistimos ele contar uma estória curiosa, a respeito de uma sua mania de chamar os seus trabalhadores de “comunistas” e repetir que o que era bom , ali naquela ponta do Farol, era a possibilidade tranquila de se explorar um contrabando... Evidentemente, no bom sentido da palavra.
Acontece que essa mania correu mundo e foi ter às oiças da Polícia e da Alfândega e de outros organismos federais ligados a esses problemas.
Zacharias contava isso, sorrindo, enquanto preparava um cigarro e desdobrava-se de jeitos na cadeira austríaca de sua preferência.
Pois bem – dizia satisfeito – o conhecido causídico do Foro de Belém. Um dia, pela tarde, chegam vários tipões, bem vestidos, com ares de policiais americanos, procurando-me por toda parte neste fim de mundo... O Isaac – empregado fiel e raro do Hotel – chamou-me, para alertar-me da presença daqueles galantes senhores à porta do Hotel. Aproximei-me e falei:
-- Pronto, eu sou o proprietário desta Casa de Hóspedes, familiar, doutor Zacharias Mártyres, o que desejam? Vamos sentar. Aqui no Salão dos Espelhos!
-- Estamos aqui, Dr. Zacharias, em comissão. Somos funcionários da Alfândega de Belém e o chefe nos mandou para apurar problemas de contrabando que o senhor diz existir aqui. Houve informação de que o Sr. dissera que a melhor coisa desta ponta de praia era o contrabando. Isso nos interessa. Por volta de Belém há dezenas de furos, de lugares ermos, de pontas-de-mato, onde se faz contrabando a céu aberto. Por isso chamam para os carros novos de “cotias”...
Vejam vocês, falava-nos Zacharias, quando a gente é simples e sem pecado, logo o mal se atribui a quem não o tem e nem o propaga. Mas eu falo muito e é do jeito que vocês conhecem. Tomei conhecimento da queixa e disse ao chefe:
-- Realmente, caro amigo, sempre comento aqui esse fato, dizendo, mesmo, que nestas paragens solitárias o contrabando é ideal... ideal mesmo! Quer saber o que se faz? Talvez seja de seu interesse. Venha aqui ao lado. É um segredo!
Nessa altura da visita, Zacharias aproxima-se da nossa roda e repete o que já conhecíamos:
-- Levei o Chefão para a beira do barranco, debaixo da mangueira, fiz ele ver a beleza da paisagem, respirar este ar fresco e saudável do Farol, observar o bucolismo deste lugar abençoado, e disse-lhe ao pé do ouvido: “O contrabando, amigo, é mulher. Mulher, sabe? Entendido? Você mesmo pode desfrutar dessa vantagem. Aqui não há nenhum perigo. E se tal houver serei o advogado de meu cliente. Disponha, companheiro, mas não explique isso a todo mundo. Contrabando de saia, com absoluto sigilo e respeito. Esta é a minha casa. Não admito coisas erradas nesta “Casa de Hóspedes”. Se quiser... poderá até vir de barco... Hein?
Meus camaradas, o tal moço da cidade, servidor federal da Alfândega, deu um leve sorriso de aprovação e, depois, riu-se a valer. Sim! Era pra isso!
Reuniram-se todos no salão. Tomaram refrigerantes e partiram satisfeitos. Longe observei que o maioral contava a estória do contrabando a seus colegas e ainda ouvi risadas enormes ao partir do jeep em que estavam. O Jeep oficial da Agência pois nesse caráter foram recebidos pelo Agente. Essa é apenas uma das muitas passagens gostosas da vida do Zacharias naquele canto do mundo onde se deliciava com a vida e com tais prazeres. Uma figura admirável!”
(MEIRA FILHO, Augusto. “Mosqueiro Ilhas e Vilas”, ED. GRAFISA, 1978, PP. 355, 356 e 357).
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