terça-feira, 21 de dezembro de 2010

CURIOSIDADES:

Autor: Prof. Alcir Rodrigues

Paisagens (re)memoráveis

Ampla maioria dos mosqueirenses desconhece o fato de que já foram publicados dois romances ambientados aqui em nossa pacata ilha de Mosqueiro. Pessoas, lugares, fatos e situações referentes à nossa terra, que já foi nomeada de Bucólica, foram ficcionalizados pela pena de dois ilustres paraenses, escritores que viveram parte de suas vidas nesta terra e a tornaram locus de ação de seus personagens; contudo, em que pese o fato de ambientarem suas histórias no espaço mosqueirense, fato que aproxima as duas obras, estas, no entanto, se distanciam no que tange ao clima sugerido pelo enredo de cada uma. É disso que passaremos a discorrer nas linhas que se seguem.

O locus amoenus (um lugar ameno e agradável para se viver), verdadeiro paraíso perdido e irrecuperável, docemente aquarelado por Cândido Marinho Rocha (1907-1985), nas páginas de seu romance Ilha, capital Vila, publicado em 1973, contrasta notoriamente com o locus horrendus (um lugar assustador para se viver), painel violentíssimo traçado por Edyr Augusto em seu Moscow, romance este publicado quase três décadas depois, em 2001.

Esse contraste torna-se gritante, ao fazer-se comparação entre as duas obras. A de Marinho Rocha, Ilha, capital Vila, envereda pela trilha do ufanismo e do bucolismo em relação ao tratamento dado à ambientação, também possivelmente porque sua produção data da era do Milagre Brasileiro, do general-presidente Médici, em plena ditadura militar. Esse fato torna-se patente ainda mais, quando se leva em consideração o fato de seu subtítulo ser “Histórias e estórias de uma ilha cercada de amor por todos os lados”.
O painel ultraviolento desenhado em Moscow expõe a Ilha em cores fauvistas, isto é, fortes e vivas, em sintonia com todo um quadro de acontecimentos que impressiona por uma verossimilhança surreal (como numa tela de Salvador Dalí). Como foi publicado em 2001, escrevi, algum tempo atrás, que tudo no romance soa como notas reais de uma música ainda não tocada apenas pela falta dos instrumentistas, que logo, logo subirão ao palco para compor uma cruel orquestra, a tocar aterradora sinfonia para um público boquiaberto, atônito, só percebedor recente da degenerada mutação social que já se abatera sobre a “Ilha Perfumada pelo Amor”, nas palavras de Marinho Rocha.
Ilha, capital Vila, com sua atmosfera de bucolismo, onde pairavam no ar os amores livres de Dona Rosamor, e do personagem central Zozó, dentre outros personagens que vivenciaram os acontecimentos pitorescos na Ilha, de 1931 a 1943, dá mostras de uma mítica e doce recordação que praticamente só vive na memória dos mosqueirenses mais antigos. Já Moscow, por toda crueza da violência que povoa suas páginas, com o personagem central e seus amigos praticando atos de agressão gratuita de toda natureza, além de assaltos, estupro e assassinato, tudo homologado pelos fatos reais e cotidianos da contemporaneidade, é profético e atual, e aterrorizante. No geral, os dois romances têm qualidade e apresentam um panorama humano e social com o qual o mosqueirense, sem sombra de dúvida, se identifica. O leitor deve lê-los, fazer comparação e ponderar: “O que teria uma pessoa a ganhar, se não os ler?”
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Autor: Cândido Marinho Rocha.

Título: “Ilha capital Vila”

Cidade: Belém

Editora: Falângola

Ano: 1973

Páginas: 206

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Autor: Edyr Augusto

Título: Moscow

Cidade: São Paulo

Editora: Boitempo

Ano: 2001

Páginas: 68

(FONTE: http://moskowilha.blogspot.com/2010/07/paisagens-re-memoraveis.html#links)

MOSQUEIRANDO: Professor, você fez uma excelente análise sobre esses dois romances que focalizam, em épocas distintas, a paisagem física e social da ilha do Mosqueiro. Se Cândido Marinho Rocha nos remete ao passado, apertando o botão “saudosismo” na máquina do tempo, o Edyr Augusto nos projeta para um futuro que já chegou, clicando o botão “realidade”. Só esperamos que as autoridades e o próprio povo encontrem o botão “soluções”. Este botão pode ser procurado na família, na escola, na Igreja, nas organizações sociais, na máquina de votação ou no Ministério Público. Voltando à literatura, encontramos outro livro: ”Chapéu Virado”, de Salomão Larêdo. Essa obra, publicada pela Editora Supercores em 1997, é classificada pelo autor como um conto baseado na lenda do boto. Em nossa opinião, trata-se de um pequeno romance que merece um estudo mais detalhado pelo fato de retratar outro aspecto de nossa ilha: não o saudosismo nem a realidade, mas o imaginário nativo. Professor, gostaríamos de contar com a sua colaboração. A seguir, destacamos um pequeno trecho da obra:

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“Não há dúvida, Cantinflas é um belo rapaz e Chica , quando o viu, ficou louca de amor.

Cantinflas acostumava acordar bem cedo e exercitar-se na areia grossa da praia, pondo à mostra a escultura de seu corpo. Quando o sol surgiu, ela o viu na barraquinha fazendo o desjejum: café e tapioca na manteiga. Da janela, Chica sentiu vontade de segurá-lo pelas costas. Isso lhe excitava.

É altamente excitante para ela. Chica adorava amar e ao ver Cantinflas seu corpo todo se inflou de amor e paixão.

Aprontou-se às pressas dispensando as ovas assadas da tainha seu desjejum favorito com mel e pupunha e desceu, sempre atenta, os olhos na barraquinha e o rapaz desapareceu como por encanto.”

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