Quando os jesuítas chegaram à ilha em 1653 e instalaram a Missão Myribira na aldeia chamada Mortiguara, os índios já estavam aqui. Há doze mil anos habitavam a região litorânea do Norte registrada em mapas antigos como a Província dos Tupinambás.
Às margens do rio-mar, na ilha do Mosqueiro, viviam os morobiras. Corpos nus bronzeados ao sol dos trópicos corriam ágeis pelas matas espessas atrás da caça farta, recolhiam as deliciosas frutas amazônicas, voavam corajosamente em suas igarités sobre as maresias em busca do peixe ou pontilhavam as areias das praias na prática da mariscagem ou do moqueio. Cultuavam o deus Sol em rituais ao amanhecer e, nos solstícios de verão e de inverno, realizavam grandes festas de agradecimento pela vida tranquila no paraíso banhado pelas águas doces, na foz do grande rio.
Um dia, enormes embarcações com velame enfunado pelo vento adentraram a baía. Eram barcos estranhos de estranha gente com ignotas armas. Pisaram as areias antes intocadas pelo homem branco. Atônitos, um misto de surpresa, curiosidade e receio estampado nas faces selvagens, os morobiras receberam os aventureiros com amistosidade e respeito, pois lhes pareciam mensageiros de um mundo irreal. Por muitas e muitas luas, a cena se repetiria nas sucessivas visitas de espanhóis, franceses, holandeses e ingleses, com os quais os indígenas praticavam o escambo, ou nas incursões de piratas e corsários em busca das Antilhas.
Até que chegou o conquistador luso. Apossou-se das terras, construiu um forte aos pés da baía de Guajará, expulsou os inimigos estrangeiros e começou a construir a cidade de Santa Maria de Belém do Grão-Pará. Os morobiras, como as tribos das proximidades, trabalharam muito, ajudando os invasores na construção e no abastecimento da cidade. Todo um século se passou, no qual a evolução e o progresso de Belém dependeram da força produtiva dos nativos. Os interesses mercantis e a necessidade de gerar riquezas levaram os portugueses a usar os índios como mão-de-obra escrava. Entretanto, muitos reagiam para defender suas terras e sua liberdade.
Então, muitas campanhas bárbaras foram empreendidas contra as nações tupis, exterminando milhares de indígenas. Vários comandantes militares e até figuras ilustres como o próprio Francisco Caldeira Castelo Branco participaram dessa destruição da vida selvagem. Triste exemplo dessa fúria desumana e assassina foi o massacre comandado por Bento Maciel Parente, desde São Luís do Maranhão até Belém do Grão-Pará, queimando aldeias e aniquilando centenas de tribos. Para quem gosta de aliar a imaginação à História, é curioso como a rota seguida pelo impiedoso e sanguinário Bento Maciel foi a mesma que os OVNIs-vampiros (os chupa-chupas) percorreram na década de 70, aterrorizando os ribeirinhos: baía de São Marcos em São Luís, região do Gurupi, Vigia de Nazaré, Colares, ilha do Mosqueiro e baía de Guajará.
Os índios morobiras também foram dizimados, triste retrato de uma época pintado pelo professor-poeta Alcir Rodrigues em seu emocionante poema “Morubiras”:
Na camboa,
em meio à névoa
da manhãzinha preguiçosa,
o índio morubira
recolhe o peixe, o camarão,
o siri...
Os curumins-filhos o ajudam
nesse labutar cotidiano, sem muriçocas
para atazanar a paciência.
Cunhã-esposa, no estirão da areia
recolhe sementes
na companhia das cunhãs-filhas.
Também juntam tabatinga vermelha
para pintar o corpo
pra festa que aí vem.
O mar-baía, cinza...
O céu, cinza...
A névoa, branquidão
que oculta o bege
da areia praieira,
onde a lenha já está
distribuída enfileirada
em montes a espaços
pela extensão da enseada.
O verde renasce por trás
da brancura a se dissipar, aos poucos.
O guerreiro-pescador morubira
já sente antecipadamente
o cheiro do peixe no moqueio,
o sabor do beiju,
do peixe apimentado,
do cauim inspirador.
Seus sentidos todos despertos,
já antevê ali
seu povo em festa, cantando
e dançando feliz,
na realização de seus rituais.
Um trovão, dois, três e mais,
― com um ribombar repetido e assustador ―,
despertam de sua reflexão o índio.
Em um átimo, a paisagem
ganha espessas pinceladas de vermelho.
O mundo explode em sangue
diante do guerreiro: a tribo
covardemente atacada
― velhos, crianças, mulheres,
algumas grávidas,
atravessadas a espada, ou
já atingidas pelos tiros.
Sua família, sua tribo,
todos
vítimas de algozes gananciosos,
sedentos por terras,
e pelas riquezas que delas
se pode extrair.
Veloz, o guerreiro tupinambá
corre destemido rumo aos seus
e ouve um trovão ― não, não é de Tupã!
Dor, insuportável dor!...
Diante de seus olhos, a última visão:
o chão e a escuridão.
O nada destruidor passou a imperar
na Enseada dos Morubiras...
(Alcir Rodrigues)
Disponível em: luizmalvino.blogspot.com.
http://moskowilha.blogspot.com/2010_05_01_archive.html
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