O bumba-meu-boi é uma dança dramática de origem portuguesa quanto ao aspecto teatral, reunindo algumas características dos autos medievais aos elementos da sátira e da tragicomédia. Podemos dizer que nasceu no Nordeste, mais precisamente no Piauí, e com os imigrantes nordestinos veio para a região amazônica, onde passou a ser chamada de boi-bumbá. Na Amazônia, os elementos indígenas e seu imaginário são acrescidos ao enredo de forma relevante, tornando-o mais atraente.
Esse enredo, embora apresente inúmeras variantes, consiste numa trama simples e está centrado na morte e ressurreição do boi de raça, personagem principal, que na manada é o preferido do fazendeiro (o amo). A Nega Catirina, estando grávida, sente o desejo de comer a língua do boi e Pai Francisco, seu marido e empregado da fazenda, temendo que a mulher perdesse o filho, decide roubar e matar o animal. O amo descobre tudo e manda os vaqueiros procurarem Nego Francisco e o boi sumido. Não conseguindo encontrá-los, os vaqueiros recorrem aos índios para caçarem Pai Francisco, que busca um pajé para fazer ressuscitar o boi do patrão. O boi renasce e tudo vira uma grande festa na fazenda.
Na ilha do Mosqueiro, a dança folclórica do boi-bumbá foi introduzida em 1916, quando o Nego Tuíra (Raimundo Santana Oliveira), ajudado por seu irmão Ezequiel, criou o “Pai do Campo”, que animou as festas juninas até 1982. Depois surgiram o “Estrela de Ouro” do Seu Dondom e o “Harmonioso” do Sr. Antônio Ramalho. Surgiu também uma enorme rivalidade entre os três bois, às vezes alimentada por expressivas toadas jocosas cantadas pelos amos e acompanhadas pelo ritmo marcado dos tambores de couro de jiboia. Não raras vezes, os bois se encontravam nas ruas da ilha, gerando uma “guerra indígena” entre os grupos rivais, os quais se enfrentavam com golpes de capoeira. A intenção era derrubar o adversário, sendo vencedor aquele que permanecesse de pé. É verdade que, algumas vezes, essas disputas terminavam em pancadaria, mas a animação de jovens e adultos para “brincar de boi” não arrefecia.
Inúmeros foram os atores desse teatro de rua que atravessaram os anos vivendo intensamente tal tradição. Dentre eles destacavam-se, no papel de Cangaceiro, o Diabo na Saca pelo “Harmonioso” e o Burro pelo “Estrela de Ouro”. E por falar nisso, somente nesta ilha “havia um burro dono de boi”. É verdade! O Burro (apelido do vendedor de sorvete raspa-raspa Raimundo Cruz) criou o seu próprio boi-bumbá: “Malhadinho”, o qual acompanhou o dono até o fim de sua existência. O “Malhadinho” se foi, mas o Raimundo Cruz ficou na história do folclore da ilha.
Raimundo Cruz, o famoso BURRO (Foto: Jornal do Mosqueiro – 1991).
Com os brincantes sempre imbuídos do desejo de preservar a tradição, outros bois surgiram para levar a alegria aos terreiros juninos ou às ruas da ilha iluminadas pelas fogueiras: “Veludinho” do Lucivaldo Matias, “Tira-Teima” do Seu Alarino, “Não Me Mexa” da Oscarina Pires, “Pai da Malhada” do Carlos Sousa, “Flor do Ano” do Raimundo Moraes e “Flor do Campo” da Maria Carvalho. Mas essa história deve ter uma continuação. Quase cem anos são passados desde aquela madrugada em que o jovem Tuíra teve a ideia de criar o “Pai do Campo”. Que outros jovens desejem e possam escrever os próximos capítulos!
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