quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

JANELAS DO TEMPO: O PATRIARCA

Texto de Augusto Meira Filho

“Conhecemos, no passado, uma pequenina barraca, coberta de telha, toda branca, cercada da natureza pródiga do Mosqueiro, fixada à ponta extrema da praia do Farol. Em frente, uma grande ilha de pedra e em volta daquele promontório, pesados blocos, lisos e escuros, garantiam a estabilidade e a segurança do lugar.

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Zacharias Mártyres, o PATRIARCA DO FAROL.

Não há na ilha do Mosqueiro local mais belo pela sua situação geográfica e pelo colar de areias brancas que o cerca e enriquece a paisagem. Ali instalou-se o bacharel Zacharias Mártyres ainda moço, apreciando a paz da ilha, ao tempo em que nada ou quase nada existia no bairro. Vivia-se no Chapéu Virado, no Murubira e na Vila. Isolado e tranqüilo, o Dr. Zacharias criaria cabras, respiraria ar puro do Marajó, sem deixar seu escritório de advocacia, em Belém, um só momento. Diariamente, comparecia ao forum, cuidava de clientes, acertava negócios e, à tarde, regressava, religiosamente, ao seu tugúrio. Um poeta, não há dúvida, por novos caminhos. Um encanto o local, muito disputado, como até hoje.”

“Dessa época, o começo da ideia de Zacharias Mártyres, em edificar uma casa-de-repouso, no mesmo local onde possuía sua barraquinha branca, suas criações, suas cabras. Negociou com a Prefeitura, por sugestão do próprio prefeito, terreno de sua propriedade com nascente e regular tamanho, situado no correr do velho caminho que unia a estrada do Chapéu Virado com o Farol e que servia ao abastecimento deste, efetuado, periodicamente, pela Marinha, sediada em Belém.

Permutou-o com material de construção, principalmente cimento, aplicando-o nos alicerces e na alvenaria inicial de seu futuro hotel. Conseguiu levantá-lo, vagarosamente, com enormes sacrifícios, em torno da casa em que vivia, sem retirá-la do lugar, nem mesmo um só palmo, depois, anexada, à construção global. Costumava dizer aos amigos:

-- Isto aqui não é um hotel. É uma casa de hóspedes, onde costumo receber meus amigos. E, feliz, explicava com sabedoria de um profissional da engenharia, todos os detalhes daquele seu milagre! Ao centro, parava, meditava, sorria e confirmava aos visitantes:

-- Esta parte vai ficar. Não se toca. É meu laboratório... Depois, especificava seu projeto, em função da praia, dos ventos dominantes, da paisagem, etc.:

-- Aqui ficarão os terraços corridos em volta do prédio, na ala B envidraçados e na ala C, em venezianas. Do outro lado será o jardim-de-inverno ligado ao salão de festas, todo de espelhos, para que reflitam as ondas, dando a impressão de um grande transatlântico, navegando, jogando, sobre as águas da baía do Marajó...

Mestre Zacharias avançava pelo meio dos andaimes, entusiasmado com o interesse dos amigos, trajando pijama fino e velho, sobre seu corpo magro e ágil:

-- Neste local será a sala de refeições, trabalhando com a ala A, destinada à copa e cozinha. Depois a despensa e rede sanitária. No sobrado, um varandão em torno da obra e os quartos, internos, fugindo do vento excessivo que aqui sobra enquanto falta em outros pontos da ilha. Tenho que fazer um trabalho que valorize ainda mais esta ponta privilegiada. Não há outra com iguais qualidades, que eu conheça, dentro do Mosqueiro, acrescendo, ainda, sua proximidade da Vila, do mercado, da ponte, da igreja, da polícia...

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HOTEL FAROL: a construção de um SONHO.

Tinha razão o ranheta bacharel. O local de sua “casa de repouso para amigos” era excepcional, como afirmava, sem, contudo, falar em hotel.

Nessa época, aproveitando os melhoramentos urbanos no Farol, a Agência Municipal preparou a pracinha, abriu ruas transversais e normais ao rio, inclusive a artéria com que hoje se homenageia o grande administrador: Alameda Abelardo Conduru. Estava salva, portanto, a praia do Farol! No correr interno do bairro, Abelardo edificou duas grandes instalações destinadas à Colônia de Férias de alunos de Escolas do Município. Concluídas, foram requisitadas pelo Exército, para ali instalar a Bateria de Costa, no último conflito. Daí o nome se popularizou: Estrada da Bateria. Deve-se a Zacharias Mártyres a abertura da vereda, aproximando a estrada do Chapéu Virado à margem da ilha, na direção do mesmo Farol. Não havendo, então, transporte de ônibus, ele se utilizava de uma charrete que o aguardava à passagem do bonde (ferro-carril) nesse tempo, único meio de comunicação entre a Vila e Porto Arthur. Descendo regularmente, um empregado já o apanhava, diariamente, para conduzi-lo até sua residência, na ponta do Farol. Uma árvore enorme marcava o local, de praxe, parada para atender o Dr. Zacharias.

Era o caminho carroçável denominado “do Pau-Grande”, posteriormente, modificado para Estrada do Diamante.

Se ao prefeito devemos o bairro do Farol pela sua higienização e total eliminação palúdica do lugar, também, ao velho e discutido Dr. Zacharias Mártyres, muito ficaria a dever aquela região que ele, realmente, fundou, após a mansão antiga dos Fortunato.

Em um de seus dias de euforia, nos diria Zacharias:

-- É preciso dar um nome a esta Praça em frente ao Hotel. Poderia muito bem ser a “Praça do Patriarca”. Quando eu morresse, vocês colocariam embaixo do nome: “Zacharias Mártyres”. Assim o Mosqueiro ganharia a sua “Praça do Patriarca Zacharias Mártyres”. Procedia, efetivamente, a lembrança do amigo, tamanha foi sua prole digna desse merecimento. Durante quarenta anos, Zacharias, religiosamente, viajou para Belém. Na madrugada, entre passageiros apertados no interior do veículo, sua voz despertava o silêncio. Sua figura esguia, seu chapéu amassado, sua capa preta protegendo aquilo que ele mesmo chamava “miséria orgânica”, vinha presente, sempre reclamando alguma coisa, achando que o poder público estava cada vez mais falido...! Ao cair da tarde, cheio de encomendas, pasta profissional, embrulhos de toda espécie, descia em frente ao Hotel, ainda resmungando com o serviço mal feito dos operários que deixara, apelidando-os de comunistas... Uma criatura especial que, em longos anos, foi, também, um retrato da abnegação de quem vivia no Mosqueiro e trabalhava na capital. Um lutador! Digno de ficar na memória dos tempos, como um dos pioneiros do desenvolvimento da Ilha do Mosqueiro. Sim! Na “Praça do Patriarca”!

MEIRA FILHO, Augusto. “Mosqueiro Ilhas e Vilas”- ED. GRAFISA, 1978- pp 57, 58, 61, 62, 63

http://www.hotelfarol.com.br/historia.aspx

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