quarta-feira, 19 de março de 2014

JANELAS DO TEMPO: LUCINHA E A ILHA

 

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Maria Lúcia Fernandes Medeiros ou mais popularmente chamada de Lucinha Medeiros foi uma escritora, poeta e professora paraense.

Apaixonada por sua terra natal, morou em Bragança até os 12 anos, quando se mudou com parte da família para Belém, onde graduou-se em Licenciatura Plena em Letras, pela Universidade Federal do Pará (UFPA), onde atuou como pesquisadora e docente. Sempre que podia, visitava seus conterrâneos e distribuía carinho e conversas à tarde com seus amigos.

Foi a primeira professora de Redação e de Literatura Infanto-juvenil, disciplina que ajudou a inserir no desenho curricular do Curso de Letras da Universidade Federal do Pará, à época. Era também uma grande colaboradora da Universidade da Amazônia (UNAMA) em Belém, envolvida em projetos e palestras, chegando a publicar textos de sua autoria na revista da UNAMA intitulada "Asas da Palavra", desde 1995.

Estreou na ficção com o livro de contos "Zeus Ou A Menina E Os Óculos" (1988). Depois publicou "Velas, Por Quem?" (1990), "Quarto De Hora" (1994), "Horizonte Silencioso" (2000) e "Céu Caótico" (2005).

Sobre Bragança, Maria Lúcia deixa uma pista em seu depoimento no documentário intitulado "A Escritura Veloz", de Mariano Klautau Filho (produção independente, em VHS, de 1994):

"Eu nasci em Bragança, uma cidade simples do interior, com um trem de ferro e um rio na frente. Tive, portanto, uma infância bem brasileira: quintal, primos, frutas, tios, igreja, cinema Olympia. Em Belém já cheguei quase adolescente e meus fantasmas viviam sob as mangueiras, nas ruas largas, na arquitetura imponente de uma cidade de 250 mil habitantes que era Belém dos anos 50.

Quando descobri os livros, descobri um outro jeito de viver. Personagens, situações, lugares ajudavam meu aprendizado do mundo. Ler para mim sempre foi uma salvação. Agora, escrever, acho que sempre escrevi. Lembro que muito menina eu me recolhia e escrevia, escrevia para mim."

Com sua seriedade foi uma escritora de excelente produção literária, além da função de professora e poeta. Reconhecida como uma das maiores contistas paraenses, tornou-se um dos mais importantes ícones literários do Pará.

Seus livros falam de sentimentos, entre eles a angústia e a solidão, com destaque para o viés emocional e da personalidade da escritora bragantina e são ambientados numa época chamada por ela de "modernidade". Um exemplo disso é o livro "Horizonte Silencioso", em que se destaca uma linguagem de enorme nostalgia, quando Lucinha Medeiros abordava a mudança do tempo, aspectos de sua infância e adolescência.

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Seus textos eram fortes e quase autobiográficos. Sua escrita marcante era facilmente descoberta por seus leitores e admiradores da sua obra. Entre seus livros mais lidos estão os contos em "Velas Por Quem?" e "Zeus Ou A Menina E Os Óculos".

Em sua atuação como professora, ajudou a realizar o processo de registro e de tombamento em nível de Estado da Residência da família Medeiros, situada em Bragança, local onde ela costumava se hospedar nas suas visitas à terra natal.

Alguns de seus livros já foram listados entre as leituras obrigatórias de processos seletivos da Universidade Federal do Pará (UFPA), assim como em salas de aulas do ensino médio por todo o Estado. Lucinha Medeiros também ajudou a fundar a Casa da Linguagem, sendo uma de suas consultoras.

Foi homenageada na Feira Pan-Amazônica do Livro no ano de 2004, com um sarau intitulado "O Elemento Fabuloso Da Narrativa De Maria Lúcia Medeiros". No mesmo evento, o curta-metragem "Chuvas e Trovoadas", filme baseado na obra homônima de Lucinha Medeiros foi apresentado, sob a direção de Flávia Alfinito. No filme ambientando em Belém, quatro moças são estudantes de corte e costura em algumas tardes do período da Belle-Époque amazônica.

A película de Flávia Alfinito, produzida de forma independente, conta com a narração do ator José Mayer e a participação das atrizes Patrícia França, Suzana Faine, Andréia Rezende, Andreia Paiva e Francis, recebendo o prêmio de Melhor Fotografia no Festival de Gramado, principal premiação do cinema brasileiro, em 1995.

O último texto escrito por Maria Lúcia Medeiros, na Ilha de Mosqueiro, em abril de 2005, tinha como título "Don Quixote Veio De Trem", momento em que ela já estava bastante doente e com boa parte de seus movimentos comprometidos.

Em suas passagens por Bragança, sempre visitava amigos e conversava com seus contemporâneos, além de participar de eventos.

Morte

Maria Lúcia Medeiros foi acometida por uma doença degenerativa conhecida como Esclerose Lateral Amiotrófica, por alguns anos antes de seu falecimento, que paralisou gradativamente seus movimentos, impedindo-a de falar e se expressar, mesmo mantendo a lucidez, o que lhe causou uma situação de séria debilidade. Internada por mais de 30 dias, faleceu às 15:00h do dia 08/09/2005, uma quinta-feira, em Belém, PA, aos 63 anos. Ela deixou 3 filhos.

Seu velório aconteceu no Núcleo de Artes da Universidade Federal do Pará (UFPA), na Praça da República. Seu corpo foi cremado no Cemitério Max Domini, no dia 08/09/2005, e no dia 11/09/2005, seus familiares depositaram suas cinzas pela Ilha de Mosqueiro, região metropolitana de Belém, um dos lugares prediletos da escritora.

Foi uma das escritoras paraenses homenageadas pelo Instituto de Artes do Pará na edição do Prêmio IAP de Artes Literárias de 2011, na categoria Contos.

Fonte: Wikipédia e Dário Benedito Rodrigues

FONTE: http://www.famososquepartiram.com/2013/09/lucinha-medeiros.html

Maria de Fátima Corrêa Amador, em sua Dissertação de Mestrado em Letras pela UFPPA, intitulada Maria Lúcia Medeiros, entreatos, o fato e a ficção, assim focaliza o derradeiro sonho e os derradeiros momentos da escritora bragantina que amava a Ilha do Mosqueiro:

“Nas muitas conversas que tivemos, lembrou-se de um sonho que tivera um dia. Caminhava por uma rua estranha, desconhecida para ela. De repente, deparava-se com um homem negro que a abraçava e, naquele abraço, os corpos se atravessavam. Contou que alguém lhe dissera que só teria outro sonho assim quando estivesse para morrer. Não sei se teve outros sonhos, mas a personagem do conto “Casa que já foste minha”, do livro Céu Caótico, narra: “Sonhei que Deus Nosso Senhor me arrancava de ti e ia curar minhas feridas à beira de um rio” (2005, p. 19).

Buscou alternativas, uma delas foi submeter-se a tratamento na cidade do Rio de Janeiro, onde escreveu boa parte dos contos do livro Céu caótico. Quando voltou, preferiu ficar no Mosqueiro, onde tinha uma casa. Adorava a casa, o quintal, o lugar. Mesmo já quase sem falar, recebia os amigos com alegria, sentava com eles na varanda, apreciava o entardecer, a noite e escrevia, completando e discutindo com seu filho Mariano a edição de Céu caótico. O livro, publicado postumamente, foi organizado, ainda, por ela. Até o fim, manteve estreitos laços com o ato de escrever e com a vida.

No período que ficou em Belém, reveza-se entre a casa do Mosqueiro e o apartamento na Avenida Generalíssimo, onde ficava para resolver as coisas do quotidiano e do tratamento. Aceitou o acompanhamento de uma psicóloga. No decorrer da terapia, trocou correspondência com essa profissional. Isso lhe deu novo alento, não só por conta das sessões em si, como também por vislumbrar ali um cenário e um personagem a ser criado. Essa capacidade de transfigurar a realidade pela criação literária, que vem desde Zeus, quando a menina tira os óculos para penetrar outro cenário, acentuava-se o brilho do olhar e o sorriso e a entusiasmava, como ela mesma se refere acerca da ficção.

Confesso que estou profundamente decepcionada com este texto que não quer acompanhar a velocidade de meu empenho para entusiasmar vocês em torno desse lugar sagrado da ficção MEDEIROS, 2004, p. 14).

Nessa época, organizou uma gincana para as crianças defenderem a Ilha, quando a Prefeitura de Belém quis construir uma ponte no Farol, contou com o apoio dos amigos em um abaixo-assinado. Na casa, cercou-se das coisas que amava, móveis, estantes com seus CDs e seus livros, a escrivaninha onde escrevia, com seu computador.

Essa casa, também, era como a realização de um sonho. Tinha desejado muito uma casa no Largo da Sé, em Belém, como registra em seu Diário, nos dias 25 de agosto e 9 de setembro de 2001. “Depois de um jantar na casa de Dulcília e na certa a comemoração do fechamento do negócio do Largo da Sé”. E, “a casa do Largo da Sé está mais próxima”.

Considerava como certa a compra desse casarão antigo, com dois pavimentos, janelas altas e com a frente para um dos lados da Catedral da Sé. Infelizmente, uma sucessão de eventos concorreu para que o negócio não se realizasse, recursos não liberados pelo Banco para o qual solicitara financiamento e o interesse de outra pessoa para quem ela mesma sugerira que adquirisse a casa. Como conta em seu Diário, deu a preferência a essa pessoa. Nesse meio tempo, comentou com outra amiga a situação e esta lhe propôs comprarem juntas o imóvel, com a ideia de criarem um espaço, meio pousada meio lugar para eventos culturais. Renovou-se e ligou para a primeira pessoa a quem dera a preferência, mas esta se recusou a desistir, alegando já ter mobilizado recursos para a compra e a reforma do espaço. Para ela, foi uma enorme decepção todo esse processo. Sofreu tanto que ligava para os amigos contando o fato.

A casa, que ela tanto desejou e com a qual tanto sonhou, envolvia muito mais do que uma simples morada. Significava estar no bairro da Cidade Velha com seus casarões antigos, suas igrejas, as primeiras ruas da cidade que surgia – lugar que mais apreciava na cidade de Belém. Em “I’m in the mood for Love”, conto que integra o livro Céu caótico, vem à tona essa paixão. O espaço do conto gira no entorno da cidade velha – a catedral, o largo, o rio, os barcos e a descrição dos espaços do casarão rememoram a casa pela qual ansiou um dia. Mistura-se a realidade de seu desejo ao desejo do menino, realizada na ficção.

“O menino voltou-se para as janelas da frente e olhou os barcos que passavam. “Lá vai um São Miguel, um Fé em Deus, um Estrela-Guia...”, pensou ele livrando-se da camisa para receber no peito a brisa da baía. Depois se voltou dando as costas para a janela para ter, pela última vez, a visão do casarão, dos amplos espaços, dos arcos das portas, do assoalho, da clarabóia, do corredor sumindo lá para os fundos da casa, do correr da janela batendo na hora da chuva” (MEDEIROS, 2005, p.42).

Esse espaço – que ela sonhou que teria um dia – veio a realizar-se com a casa do Mosqueiro, na qual escolheu viver até o fim. Às vezes, dizia que a ideia de adquirir essa casa tinha sido a sua salvação. O próprio lugar era muito querido por ela. O nome Praia do Farol lembrava-lhe o romance da Virgínia Woolf, Passeio ao Farol, pois era um passeio, e há mesmo um pequeno farol abandonado, e ali passara muitas férias com os filhos. A casa que ficou tem tudo o que povoou sua infância, quintal, biblioteca, varanda, onde passou muitas tardes com os amigos ora em silêncio ora escrevendo em sua lousa mágica que ganhara quando aos poucos foi perdendo a voz e a possibilidade de falar. Sobre esse espaço simbólico de vida e convivência, diz Bachelard (2008), reside nosso canto no mundo, nosso primeiro universo, e último para Maria Lúcia.

“Portanto, é preciso dizer como habitamos nosso espaço vital de acordo com todas as dialéticas da vida, como nos enraizamos dia a dia num “canto do mundo”.  

 Porque a casa é o nosso canto no mundo. Ela é, como se diz amiúde, o nosso primeiro universo. É um verdadeiro cosmos. Um cosmos em toda a acepção do termo” (BACHELARD (1884-1962), 2008, p.24).

O espaço “casa” possui um significado muito especial para Maria Lúcia. O casarão de sua infância em Bragança, as primeiras moradias em Belém acabaram por sintetizar-se nesse canto último, que foi a casa do Mosqueiro, o “canto do mundo” de Maria Lúcia, como ela murmura no conto “Crônicas de minha passagem”, do livro Céu caótico: “Mais palpável vem a casa de frente para o rio e a dona dela, Senhora daquelas salas azuis, como se voasse baixinho, espaços enormes...” (MEDEIROS, 2005, p. 26).”

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Foto da Casa do Mosqueiro- 2010– Arq. Pessoal

FONTE: https://www.google.com.br/#q=maria+lucia+de+medeiros%2C+entreatos%2C+o+fato+e+a+fic%C3%A7%C3%A3o

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