Autor: Augusto Meira Filho
“Nossos estudos da cidade, a partir de seus primórdios em 1616 e depois com a criação do Estado do Maranhão e Grão-Pará, nos ensinam que desde os tempos primitivos da Povoação de Nossa Senhora de Belém viviam, aldeados, na antiga “Ilha do Sol” e não muito distante do “presépio”, índios tupinambás, da grande família que formava o maior contingente indígena nas regiões da costa brasileira e, também, pelo sertão. Nos nossos primeiros tempos, o braço do bugre era o maior suporte do desenvolvimento da Colônia, como mão-de-obra especial e farta.
Nossos primitivos desbravadores não dispensavam esse apoio dos nativos aos serviços da Coroa. Cedo colheriam informações a respeito da população selvagem, disponível para os trabalhos internos do vilarejo e as qualidades, em suma, das diversas cabildas existentes próximas a Belém. Crônicas antigas revelam serem de muito agrado dos representantes da Corte no Grão-Pará todos os índios oriundos, principalmente, da tribo dos “Morobiras”, da aldeia de Mortiguara, não muito distante da nova Colônia. Geralmente esses indígenas eram fáceis de adaptação aos usos e costumes lusos, fixados na nova conquista pelos seus primeiros habitadores, vindos d’além-mar. Também os topinambazes da Ilha do Sol, grandes e relevantes serviços prestariam à formação da urbe belemita, naqueles recuados tempos do século XVII. Em 1653, início das missões religiosas dos Padres da Companhia de Jesus, o próprio Padre Antônio Vieira anunciava à Corte que Belém não possuía mais que oitenta moradores, excluídos militares e sacerdotes. Vivia a cidade fundada por Francisco Caldeira em função do braço nativo, sem o qual a penetração sertaneja, a exploração das drogas, as edificações urbanas, a caça, a pesca, os transportes fluviais não atenderiam aos interesses portugueses na sua nova posse no setentrião.
Portanto, a mão-de-obra, o braço humano da gente conquistada seria de um valor econômico inexcedível. Durante todo o primeiro século de nossa formação histórica, social e política até chegar o consulado pombalino na segunda metade do século seguinte, os destinos de Belém, sua evolução e seu progresso dependeriam, em plano superior, da participação nativa em sua grande força propulsora de colher, semear e construir.
Nada menos lógico, naquela época longínqua, do que as campanhas que se fizeram, bárbaras e dizimadoras, contra as nações tupis que se disseminavam em toda a nossa região. Capitães-Mores, sertanistas, mestres-de-campo, comandantes militares, durante anos, trataram de liquidar com centenas de aldeias, queimando-as, aniquilando sua gente, impiedosamente sacrificada sob a fúria conquistadora. Bento Maciel Parente foi um exemplo desse extermínio que comandou de São Luís, no Maranhão, até Belém do Grão-Pará, no arrasamento de centenas de tribos, arrasando-as até as cinzas. Quase todos os representantes do Tejo, igualmente, tiveram sua participação, maior ou menor, nessa luta absurda e tão prejudicial ao desenvolvimento amazônico daqueles dias. Nem mesmo nosso fundador Francisco Caldeira e seus colaboradores na jornada de fundação de Belém escapam desse grupo de homens impiedosos e destruidores da cultura pré-cabralina que existia neste país antes da descoberta em 1500. No sul, no centro e no norte, figuras ilustres da colonização lusa marcaram, também, seu nome nessa alucinada carreira de destruição da vida indígena brasileira.
Essa zona do litoral paraense que é banhada pelas águas do rio-mar nesse avanço contra o oceano, geralmente denominada de “zona do salgado”, é, por natureza, a mais piscosa existente às proximidades da capital. No período colonial, como ainda hoje, a gente que habitava essa extensa área que vai de Belém até os confins dos limites do Estado, da Colônia aos Caetés, até alcançar as fronteiras da capitania do Souza, no Gurupi, era a mais hábil no trato da pesca, explorando a riqueza do rio e a do mar, como sempre o fizeram os habitantes das aldeias dos Uruitás, dos Curuçás, dos Maracanans, dos Marapanins, fazendo dessa hábil operação pesqueira uma fonte de apreciável renda junto à Colônia e para uso próprio. As vigilengas dos primeiros ficaram famosas na nossa história e a gente mansa e boa dos tupinambás da “Ilha do Sol” a que merecia melhor acolhida entre os grandes da cidade que nascia, na permuta natural de interesses comerciais, de hábito naqueles recuados dias do nosso passado. Além dos Pesqueiros da Ilha Grande de Joanes, autorizados pelo Reino nessa comercialização, toda a gente aldeada próxima à capital portuguesa do Grão-Pará desciam uns, subiam outros as correntes do rio para negociar sua colheita, frutos, mandioca, farinhas, caça, drogas-do-sertão e peixe colhido nas redondezas da baía do Guajará e na do Marajó, isso quando não chegavam às águas salgadas do Atlântico!
E era na Casa do Haver-do-Peso, edificada às margens do Piri, à entrada da Rua dos Mercadores ou da Cadeia, que os produtores interioranos pesavam suas mercadorias, para o cálculo do tributo do Rei. Assim nasceu o “Ver-o-Peso”, nos fins do século XVII, aqui instituído por ordem de Lisboa, quando sua renda permaneceria na cidade, para as despesas mensais da Câmara que dirigia os destinos de Belém.”
FONTE: MEIRA FILHO, Augusto. “Mosqueiro Ilhas e Vilas”- ED. GRAFISA, 1978- pp. 27, 28 e 31.
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