Dona Noêmia da Silva Pereira, durante a sua vida, teve uma participação destacada nas manifestações folclóricas de nossa terra. Hoje, descansa em paz no Cemitério de Santa Maria, em Carananduba, na Ilha do Mosqueiro. Alguns dias após o falecimento da veneranda senhora, em 2008, o grande poeta João de Jesus Paes Loureiro, que a conhecia e admirava, prestou-lhe esta merecida homenagem:
PRANTO POR DONA NOÊMIA
Autor: Paes Loureiro
Quem era essa mulher
feita de rendas
pele noturna felina e querubínica,
aureolada pela lua de sua poesia?
Quem era essa mulher
de sonho e osso
de alma musical e terno canto
com o fervor da bondade em seu olhar?
Quem era essa mulher
feita de carne
na esculpida matéria da cor negra
e rios indígenas correndo em suas veias?
Essa mulher nascida na Ilha do Mosqueiro,
servente aposentada de escola municipal,
mãe de muitos filhos,
mulher a carregar na vida
o esposo paraplégico
invertendo a versão do amor Tambatajá.
Essa mulher
que não cansava de andar a cada dia
na busca desse pão de cada dia
em dias e mais dias e mais dias.
Essa mulher tem um nome,
Noêmia da Silva Pereira,
matriarca da cultura junina do Pará,
que fez da vida o sacrifício de tornar
mais leve pela arte a vida também dura,
das criancinhas, dos humildes e excluídos.
Essa mulher de quem talvez ninguém se lembre,
que não foi consagrada pelo andor da mídia
que não foi coroada de manchetes
que não recomendou políticos ao voto
que não fez propaganda de produtos
que nem sequer desfilou portando modas
que não era reconhecida, anônima, nas ruas
que nem sequer tem um túmulo decente
em que possa repousar também na eternidade.
É a grande autora, encenadora, musicista
de Pássaros Juninos, Bumbás e Pastorinhas
com jovens e crianças no Pará.
Que veio ungida por deuses e caruanas
para arrancar a luz do solo em que pisasse,
para espalhar luar em noite escura.
Noêmia, certamente, um dia foi beber
na fonte da juventude revelada por Virgílio…
No campo das ideias
era mais nova que todos os mais novos.
Ela foi, dentro de si, sempre menina
com a adolescência que a arte propicia
aos que têm na poesia o seu secreto ser.
Vida, vida, vida…
Por que só tu tens o metro
de medir a tua medida?
Essa mulher, eu sinto, há de ser mais do que tu.
Pois sua medida é maior que tua medida
e sua medida com morte não se mede.
É vida a se medir sempre com vida.
Noêmia.
Este poema,
rosa de luto que tomba em tua tumba.
Não há como dizer que não te foste.
E tu te foste, é certo, discreta, ao teu estilo,
Voaste alada e leve nas encantarias
para o terreiro junino das estrelas…
O autor:
João de Jesus Paes Loureiro é poeta, prosador e ensaísta. Professor de Estética e Arte, doutorou-se em Sociologia da Cultura na Sorbonne, em Paris, com a tese Cultura Amazônica: uma poética do imaginário. Sua obra poética tem sua universalidade construída a partir de signos do mundo amazônico – cultura, história, imaginário – propiciando uma cosmovisão e particular leitura do mundo contemporâneo. Dialogando com as principais fontes e correntes literárias da atualidade, Paes Loureiro realiza uma obra original, quase uma suma poética de compreensão sensível do mundo por meio das fontes amazônicas, em que o mito se revela como metáfora do real.
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