quinta-feira, 3 de maio de 2012

JANELAS DO TEMPO: MOLECAGENS DO PASSADO 3

“O Caso da Galinha Carioca”

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“Madrugada afora, os Farahzinhos e sua turma faziam uma pausa nas brincadeiras e descobriam que estavam com fome. Que fazer? Claro que não era uma fome de chegar na cozinha e tal, beliscar alguma coisa e sair fora. Não, o gostoso para eles era conseguir um rango legal, mas batalhando. O clima ameno de Mosqueiro – madrugada abria o apetite e o gosto pela aventura.

Esse gosto pelo inusitado, pela emoção da aventura transcendeu a própria fome: os Farahzinhos bolaram um plano a longo prazo, isto é, conseguir uma galinha gorda e nutrida mas para ser comida no dia seguinte. Na vizinhança, havia uma senhora da alta sociedade, daquelas damas que nutria uma verdadeira paixão pela boa cozinha. E ela tinha ensinado aos Farahzinhos, isso sob rigoroso sigilo, o modo perfeito de preparar uma galinha, mas tinha que ser uma ave preta. Seguinte: depois de um mês de limpeza com sal amargo e limão galego, a gulosa dama deixava a galinha de quarentena se alimentando apenas de milho e pasmem! chá de erva cidreira de folhas miúdas. Ela explicava, com os olhos brilhantes, que esse requintado e exclusivo processo aromatizava de maneira especial a carne da ave, superando a do faisão.

Aliado à tentadora vontade de saborear prato tão exótico, os Farahzinhos tinham aprendido com um “macuqueiro” (ladrão de galinha) uma maneira habilidosa de roubar os galinheiros. “É o seguinte, malandros”, confidenciou o macuqueiro, “vocês pegam um saco de sarrapilheira molhado e adentra o galinheiro, com muito cuidado pra não acordar o galo, porque aí, malandro, quem entra bem é vocês. Bom, então vocês aplicam a técnica do papagaio: escolhem a vítima, chega perto e bate com suavidade nos pés dela, daí o pezinho se enrosca nos dedos, então joga o saco. Vai firme que é moleza”. Dito e feito. Naquela mesma madrugada, os Farahzinhos aplicaram a lição do mestre macuqueiro no galinheiro da confiante dama e a mais gorda e bela galinha preta foi surrupiada. Já em casa, Joseph agarrou a penosa pelo pescoço e auxiliado por Alexandre raspou cuidadosamente todas as penas do pescoço, com uma longa e afiada faca. Em seguida, a galinha, já despida de boa parte das penas, foi novamente posta no galinheiro da madame.

No dia seguinte, a segunda e genial parte do plano. Bem cedinho, Joseph e Alexandre bateram na porta da vizinha.

-- Bom dia, dona fulana!

-- Oh, bom dia, meninos, que é que está havendo, tão cedo aqui?

-- É o seguinte. A mamãe pediu pra senhora ver, por gentileza, se escapou para o seu quintal uma galinha carioca. Ela é preta e de pescoço pelado. Será que a senhora poderia...

-- Uma galinha carioca, ah, pois não. Ó Maria, vê aí no quintal se tem uma galinha carioca, e tal.

Não demorou muito lá vem a empregada com a tal galinha carioca, pescoço pelado, etc. A dama gentilmente entregou a ave, com pedidos sorridentes de desculpas: “não sei como veio parar aqui” e tal. E nunca uma galinha foi tão requintadamente saboreada, uma banda só para os Farahzinhos e o resto para a turma. Quanto à dama lograda, claro que dias depois percebeu o logro em que caíra, mas não disse nada, só que durante longos tempos desapareceu a simpatia e os sorrisos da boa senhora com os Farahzinhos.”

FONTE: Texto e ilustração (caricaturas): Especial de Férias de O Estado do Pará, de julho de 1978.

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