segunda-feira, 1 de agosto de 2011

NA ROTA DA HISTÓRIA: HAVIA PEDRAS E UM NAVIO NO MEIO DA ESTRADA.

Autor: Augusto Meira Filho

“Um fato muito influiu, negativamente, para o prosseguimento entusiástico da construção de nossa estrada. Jornais anunciavam a chegada, para breves dias, das novas e moderníssimas embarcações destinadas à navegação da Amazônia.

Entráramos em 1952 com essas novidades correndo os quatro cantos do Estado e da capital. Na encomenda feita na Holanda pelo governo brasileiro, incluía-se um navio especialmente para turismo e este viria atender aos serviços da linha Belém-Mosqueiro. Na verdade, a substituição do Alexandrino se impunha em todos os sentidos. Contudo, ainda não seria desta feita, pois, na realidade, o que se passava era apenas a providência oficial do governo federal, através de ministério competente, autorizando a encomenda. Isso, há muito se comentava nas rodas oficiais e oficiosas. Tal como acontecia com a estrada do Mosqueiro, ninguém acreditava nas promessas, nos planos das autoridades federais, em qualquer assunto que viesse beneficiar o Pará. Os SNAPP possuíam embarcações que vinham do Império, herdadas já pela “Port of Pará” da Inglaterra e que, aqui, passariam no após-guerra, ao domínio do Serviço de Navegação da Amazônia e Administração do Porto do Pará. Ninguém poderia mais confiar, tantas vezes anunciada a melhoria dessa rede de vapores que atendiam à navegação no Amazonas e seus tributários. Mas a notícia ficava no ar, até que um dia dar-se-ia o “parto-da-montanha”.

Esse atraso nos facilitava a tarefa pró-Mosqueiro. Tanto mais apodreciam os meios de comunicação entre Belém e Mosqueiro, comunicação fluvial, a rodovia ganhava mais adeptos. Visitas periódicas ao local, banhos furtivos no Paricatuba, pic-nics domingueiros nas águas claras do rio corrente seriam processos de propaganda da estrada que muitos desconheciam. A partir desse igarapé, a mata estava intacta. Fechava, como uma vasta parede verde, qualquer tentativa de prosseguimento. Nada havia sido construído, a partir do ponto derradeiro a que chegara a turma de Romariz. Ele mesmo, nessa altura, se desgostaria dos serviços, teria aborrecimentos pessoais com os donos da obra e, isso tudo, reunido à série de obstáculos que lhe impunham na execução da obra, que não teve outro jeito senão abandoná-la, livremente, ao chegar àquelas lonjuras, com pleno sucesso. Chegou a nos confiar suas mágoas. Trabalhara por amor ao Mosqueiro, tomara a frente do empreendimento em razão de sua amizade ao Governador Assunção que tudo faria para ver a estrada pronta em sua administração e, no entanto, pedras e mais pedras encontrava nos caminhos de sua dedicação, de seu ideal. Não seria mais prudente continuar e, para não criar dificuldades a terceiros que nada tinham a ver com seus casos pessoais, preferiria entregar os destinos da rodovia PA-17 em outras mãos, que melhor soubessem ou pudessem levar a cabo o serviço por ele iniciado e posto à prova de incapazes e pessimistas.

Romariz não nos pediu reserva de seus desapontamentos. Mas eles permanecerão conosco, como uma arma, que só se desembainha em legítima defesa.

No ano seguinte, nova campanha política toma vulto: as eleições diretas para a Prefeitura. Lopo de Castro governava a cidade nomeado pelo Governador Zacarias e, nessa função, presidiria o discutido pleito. Novamente as forças se arregimentam. Belém havia ganho a sua autonomia. Iria ter a partir de 1953 o seu dirigente escolhido pelo povo, em eleição secreta e direta. O PSD, como oposição, precisava entrar e ganhar a eleição, prestigiado pela sua grande e permanente simpatia popular. Desta feita, a luta seria somente na capital. Os partidos, todos eles, pretendiam, talvez, manter aquela coligação anti-pessedista, garantindo, desde logo, uma supremacia sobre Barata. Sabia-se que o maior contingente eleitoral que o acompanhava era o do interior do Estado. Em Belém, quase sempre, a população votante lhe era hostil. Entretanto, sondagens políticas na época mostravam muitos descontentes com a Coligação e não seria remoto considerar-se uma provável vitória do PSD sobre seus adversários. Principalmente se houvesse uma divisão de forças. E a paisagem eleitoral da cidade indicava esse panorama, contrário aos adversários de Barata e bem simpático para a corrente ainda dirigida pelo chefe pessedista, então, residindo no Rio de Janeiro. Anunciava-se pela imprensa a possibilidade de vários candidatos concorrerem ao pleito e, em maio de 51, exatamente dia 12, recebemos carta dos correligionários do Rio, convidando-nos para ser o candidato do PSD ao próximo pleito. Com receio de uma resposta negativa, também o velho Meira nos escreveria, dizendo ter sido procurado pelo Deputado Lameira Bittencourt que, em nome da bancada e no do próprio Barata, pediam que nos convencesse, como pai, em aceitar aquela candidatura. Levamos dias para confirmar, o que foi feito uma semana após o dia 12/5. Nessa altura, é lançado nosso nome na sede do Partido aonde acorreram tantos correligionários, que chegaram a surpreender a facção dominante. Participamos – já como candidato – às festas do aniversário do Chefe, anualmente comemoradas, em junho, na Igreja dos Padres Capuchinhos. Também inauguramos o seu retrato na sede do Partido e estivemos presentes a diversas manifestações e comícios partidários nos subúrbios de Belém. As coisas iam nesse pé quando notícias desencontradas chegavam do sul, dizendo que a bancada federal e Barata não tinham aprovado a decisão do Diretório indicando-nos candidato do PSD às eleições municipais. Isso nos surpreenderia, sobretudo pelo conteúdo da carta recebida do Velho Meira, confirmando a escolha e até pedindo a sua interferência para que não negássemos apoio à situação que o Partido então desfrutava, após o resultado da arrancada de 1950. Contudo, aguardamos os acontecimentos. Sempre achamos a política “poliédrica”. Em cada face uma surpresa e uma indagação velada.

Diante da novidade, logo difundida pela imprensa, os partidos tomaram a deliberação de concorrer, cada qual, com seu candidato próprio. E essa decisão fortaleceu-se ainda mais, quando viram, com a presença de Barata, ser escolhido para candidato do PSD, o Sr. Alberto Engelhard, em sessão do Diretório, por possuir melhor “receptividade política” sem demérito de outros correligionários igualmente dignos e capazes de representar o Partido em qualquer pleito.

Quem estuda a história política de nossa terra sabe os pormenores finais dessa atitude tão pouco recomendável a quem tinha poder para resolver esse e outros problemas partidários, sem intrigas e desavenças.

O resultado da eleição todos recordam: concorreram seis candidatos: Celso Malcher pelo PSP e UDN; Alberto Engelhard, pelo PSD; Renato Franco, pelo PTB; Cléo Bernardo, pelo PSB; Rodolfo Chermont, pelo PR e João Botelho, pelo PDC. Venceu Celso Malcher que foi o primeiro prefeito eleito de Belém, depois de 1930.

Buscamos todo esse relato para incluir, entre os interessados na Rodovia Belém-Mosqueiro, o novo Alcaide, e de quem iria depender muito a continuação da obra. A autonomia municipal poderia colaborar intensamente com o velho plano da estrada e do qual Celso Malcher já tomara conhecimento. Amigo do Mosqueiro por tradição e nosso companheiro, estávamos convencidos de que ele se tornaria um esteio forte naquele projeto que caminhava ao sabor da boa vontade de nossos administradores. O governador ainda era o General Assunção, em 1954, quando Celso assumiu a Prefeitura Municipal de Belém.

Através do SMER, no período da administração iniciada em 1954, a nossa rodovia receberia melhoramentos, empiçarramento, abertura de cortes, melhoria do grade e o início de uma ponte no Igarapé do Paricatuba. Esta esteve a cargo da Secretaria de Obras e seu titular insistiu em fixar ali um sistema de tubulões horizontais, de dimensões variadas, para o escoamento das águas do rio que, conforme conhecíamos, no inverno duplicavam em volume e velocidade. Fizemos tudo para convencer o colega de que aquele serviço não resistiria ao impacto das águas invernosas que se aproximavam. Não nos ouviu e fez a obra como pretendia. Resultado: lá fomos ao peso das águas de Março e Abril e os tais tubulões jaziam levados pela corrente cem metros do local da pretendida ponte. Essa obra d’arte, deveríamos, mais tarde, à perícia do engenheiro alemão Richard Schumandeck, já na segunda gestão do Prefeito Lopo de Castro, eleito Prefeito de Belém substituindo Celso Malcher.

No correr dessa administração a nossa estrada, além do caso da ponte do Paricatuba, somente recordamos uma oferta que o professor Cécil Meira fez a seu colega de Ginásio, então Governador da Cidade, de um projeto completo para a construção de uma balsa que iria atender à rodovia, no Canal das Marinhas. Foi, apenas, uma colaboração sincera e amiga.

Volta, nesse tempo, a se comentar a breve chegada dos navios importados da Holanda. Essa probabilidade arrefecia, cada vez, os ânimos a favor da construção da nossa PA-17. Em 1955, finalmente, no mês de fevereiro, chega a Belém o belíssimo barco, denominado “Presidente Vargas” e destinado à linha de Belém-Mosqueiro. Efetivamente, essa embarcação era de primeira ordem. Bom até demais para o seu destino. Moderníssimo em todos os sentidos, o novo transporte para o balneário surpreendia a todo mundo. Acabamento esmerado, maquinaria especial de grande potencialidade, acomodações finas, ar condicionado nos bares, no comando e nos camarotes, o Presidente Vargas encheu as medidas de todos os frequentadores de Mosqueiro e Soure. Participamos de sua viagem inaugural a esta última cidade. Foi um delírio coletivo a sua chegada, e ninguém regateava aplausos ao Diretor-Geral dos SNAPP, a quem a cidade ficava a dever essa frota, o Sr. Comandante Edyr de Carvalho Rocha. Nem por isso, deixamos esfriar a idéia da estrada, em prossegui-la, normalmente. Enquanto muitos abandonaram a luta e se desinteressaram totalmente pela via terrestre entre Belém e o Mosqueiro, nós púnhamos mais fogo, mais combustível onde outros jogavam gelo. Certo que a novidade do navio esmoreceria aos administradores e a rodovia ia ficando para as kalendas gregas.

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O NAVIO PRESIDENTE VARGAS (A. MEIRA FILHO, 1978)

FONTE: MEIRA FILHO, Augusto. “Mosqueiro Ilhas e Vilas”- ED. GRAFISA, 1978- pp. 173, 174, 177, 178 e 179.

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