quinta-feira, 19 de maio de 2011

NA ROTA DA HISTÓRIA: A ABERTURA DA PA-17

Autor: Augusto Meira Filho

Romariz dá partida na abertura da estrada. Uma jornada temerosa que dava seu impulso inicial em 1951, sob o comando do político-industrial mas, antes de tudo, fervoroso amigo e admirador das belezas mosqueirenses.

Marcha o grupo de mateiros, trabalhadores, homens de campo, onde não faltavam alguns dos “missionários” que, antes, percorreram a região com o topógrafo José Delbim. Tudo caminhava bem.

Esses serviços foram executados na base da coragem e do devotamento. Corajosamente, Romariz dirigia os trabalhos e estes marchavam, dificultosamente, feitos a braço e terçado, enxadas e carrinhos de mão, abrindo o caminho da civilização para uma região que ainda permanecia, praticamente, virgem. Vez por outra, aparecíamos no local da luta, constatando o seu andamento e a sua penetração continental. Os terrenos, como dissera Delbim, quase nenhuma dificuldade apresentavam aos executores da obra. Claro que a abertura se fazia, ainda, empírica, sem maquinaria, sem os mínimos apetrechos rodoviários, mais tarde ali aplicados para o acabamento da obra. Um pouco mais do que uma picada, mas que, em princípio, permitia a entrada de um jeep ou mesmo de uma rural. Acompanhamos todo esse começo de esforços que a Prefeitura financiava com despesas acima de suas possibilidades. O serviço era novo. Não previsto nos orçamentos do Município, e o dinheiro ali despejado certamente pesava na balança financeira do erário público municipal. O Prefeito, de sua parte, prestigiava a execução do trabalho e não faltava sua presença, quando necessária à frente da campanha loucamente promovida pela PMB sob a orientação de Romariz. Realmente, uma aventura, cercada de todos os percalços naturais de uma empreitada dessa natureza.

A obra avançava continente adentro e pequenas elevações surgiam da mata dominada e aberta para a fixação do leito primitivo em terra frouxa, areia e alguma piçarra, decorrente dos lombos de futuros cortes compensadores de baixadas e alagados.

Muitas vezes percorreríamos parte do roteiro indicado, inicialmente, ao desbravador que, dia a dia, seguia o rumo para o ocidente. Um desenho dos levantamentos de Delbim já forneceria uma direção e melhor disposição para o empreendimento, até então, feito no peito e na raça. Tudo, nessa obra, desde os nossos primeiros momentos em 1946, se faria assim: na coragem e no ardor de uma batalha que nos parecia, cada vez mais, presa àquele enigma comentado por Guilhon em uma de suas cartas do Rio, em 1950. Há um ano, aproximadamente, o colega falara naquele mito, daquele “fantasma” que parecia dominar os ânimos de toda gente que se dedicava com empenho e amor à realidade histórica da obra.

As dificuldades técnicas começavam a aparecer na execução da estrada e, sem dúvida, o labor incessante de Romariz não seria o suficiente para atender certas circunstâncias do serviço, cujo apoio técnico se tornara imprescindível. Nossa contribuição estava implícita. Nosso desejo era patente, de ver confirmada a segurança com que havíamos defendido, pela imprensa, a exeqüibilidade da rodovia. Estava em jogo toda a nossa experiência profissional, nosso dever e nossa satisfação para com os que nos acreditaram.

Foi na altura desses fatos que o SMER começou a participar mais intensamente da obra. Antes, como simples observador, o Serviço tinha se mantido em posição discreta sobre aquele empreendimento, uma vez que ele possuía uma chefia e uma orientação que vinha de esferas mais altas.

Mas a tarefa puramente de “abertura” ou “desmatamento” ia longe, e o terreno se mostrava hostil àquele tipo de trabalho, sem que uma orientação técnica e rodoviária por excelência tomasse a frente dos serviços de melhoria do caminhamento, de cálculo de movimento de terras, de previsão dos cortes e aterros, fixação de taludes e, enfim, da determinação do grade, para posterior correção, se fosse o caso. A rodovia em embrião já reclamava a palavra e o toque do rodoviário, para poder se fixar perante seus próprios construtores, em termos de uma estrada de rodagem. Romariz havia vencido pequenos cursos d’água, igarapés e córregos, quase todos oriundos de nascentes, assinalados na linha de Delbim. Poderíamos afirmar, então, que a abertura da estrada alcançava as proximidades do Igarapé Paricatuba, a única corrente de maior volume, nessa região, e que se situava, mais ou menos, à meia distância entre Benevides e o Canal das Marinhas. A estrada tomava forma, com a assistência do SMER, repartição nova, decorrente do Plano Rodoviário Nacional e do Fundo estabelecido pela Lei Joppert, como estudamos. O engº Alírio Cezar de Oliveira era o seu primeiro profissional especializado, ali colocado à época de sua fundação, na gestão do Prefeito Rodolfo Chermont. A atenção do organismo especial, certamente, seria a maior aquisição nesse tempo, para que a futurosa rodovia tomasse forma e efeito rodoviários, para a qual estava sendo construída.

A turma de campo prosseguia no rumo indicado. Melhoria nas laterais, ampliação das faixas de domínio, alguns cortes pequenos e aterros já proporcionavam ao público visitante e curioso, uma impressão positiva da obra.

A participação do órgão oficial nos serviços, como seria de esperar, viria a causar embaraços na execução da estrada. Os técnicos exigiam, como era de direito, o respeito às normas rodoviárias ou, pelo menos, o mínimo de tecnicidade ao empreendimento. A obra era municipal. Havia uma entidade especializada na área do município para esse fim. Não seria admissível a implantação de uma construção de rodovia, sem obediência aos preceitos e rigores estabelecidos pela repartição. Assim acontecia no setor estadual; assim, também se prescrevia na área federal.

Houve quem, malevolamente, desejasse ou tentasse nos jogar contra os colegas do SMER de então, nesse “leva-e-traz” bem característico de nossa gente. Felizmente o mal não cresceu, e o chefe Alírio Cezar cortou, logo, o mal pela raiz. A realidade é que de nós partira o aplauso pela participação do organismo rodoviário junto às obras que, corajosamente, leigos interessados e bravos tocavam para frente. O propósito destes era o de abrir a estrada até o fim do continente e encontrar a barreira natural do Furo das Marinhas. Assim havíamos anunciado e a curiosidade era geral. Todos trabalhavam com prazer desusado e, na esperança de seu término breve, caminhava o desmatamento com ótimo rendimento.

Não tardou muito chegassem ao Paricatuba, igarapé importante e que até dava seu nome ao lugar de “Paricatuba”, onde o velho Alberto Engelhard possuía uma bela e imensa propriedade. Esse igarapé vinha de nascentes mais distantes, mas estava sujeito ao movimento das marés. Nas vazantes, suas águas são límpidas e agradáveis. Nas enchentes, misturam-se com as do rio e amarelecem, turvando-se. Sua correnteza é apreciável e, no inverno, toma proporções enormes. Disso veremos um exemplo mais adiante.

Finalmente chegam os mateiros às bordas desse famoso e histórico igarapé, já comentado na primeira parte deste trabalho, à época das visitas pastorais de D. Antonio de Almeida Lustosa.

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Primeira impressão da rodovia PA-17 às proximidades do Canal das Marinhas (MEIRA FILHO, 1965)

Vencida, portanto, a primeira fase da rodovia, em termos de penetração. Nossos veículos já poderiam ir ao banho frio e delicioso nas águas correntes do Paricatuba, sem maiores dificuldades. Sem empiçarramento, contudo, o leito de areia firme permitia um tráfego razoável, entre Benevides e o Igarapé. Pelo menos, até ali, comprovada estava a natureza do terreno e a viabilidade da obra. Caminhávamos para o Mosqueiro e não haveria melhor caminho do que prosseguir na mesma direção.

Vem de então o desejo da Prefeitura melhorar as condições técnicas da estrada sob o domínio do município e, portanto, do SMER. Cresciam aos olhos do público as grandes possibilidades do empreendimento que defendíamos desde 1946. Para nós a garantia de sucesso estava assegurada. Tanto que logo iniciamos uma possível observação topo-hidrográfica do Canal, a fim de que dispuséssemos de bases para a futura aplicação, ali, de ferry-boats, na travessia do continente para a ilha, cujo vão julgávamos superior a um quilômetro. Também urgia um reconhecimento prévio das condições topo-geográficas no interior da ilha do Mosqueiro. Sabíamos pelas plantas de Palma Muniz, em que pesasse sua autenticidade, que, transversalmente, a Ilha não teria mais do que uns quinze quilômetros, aproximadamente. Já no sentido longitudinal, seria quatro ou cinco vezes maior que a sua largura.”

(FONTE: MEIRA FILHO, Augusto. “Mosqueiro Ilhas e Vilas”- ED. GRAFISA, 1978- pp. 167, 168, 171, 172 e 173)

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