A briga com os carregadores do Trapiche da Vila
Narrativa de Joseph e Alexandre Farah (entrevista concedida a Coely Silva)
“DUQUE: Batendo um papo com o André (André Costa Nunes, diretor comercial de O ESTADO DO PARÁ e velho amigo dos Farahzinhos) soube que vocês foram expulsos uma época do Mosqueiro.
JOSEPH: Não havia essa probabilidade, inclusive, nós tínhamos comissários de polícia com ordens especiais do todo poderoso caudilho Magalhães Barata pra seguir e guardar a segurança dos Farahzinhos. Houve inclusive um caso muito esquisito em Belém: eu percebi que estava sendo seguido por um homem muito grande, um cara forte, cara de cangaceiro e eu dava drible no cara, tomava ônibus, descia, tomava outro, armei as maiores arapucas pro cara e o cara não descolava das minhas costas. Então eu cheguei com o Papai e disse: “Olha, papai, é preciso tomar umas providências, eu estou sendo perseguido; tem um homem muito forte, cara de cangaceiro me seguindo; há dias que eu venho driblando o cara e ele não sai do meu calcanhar”. Ele disse: “Ora menina, non se preocupe, son seus guardas-costas.” E eu perguntei pro velho: “Mas há quanto tempo?” “Há muitas anos.” “Pô, só agora que eu vim saber!”
ALEXANDRE: E tem o seguinte: a influência que o papai tinha com o baratismo...
JOSEPH: Quem mandava nessa terra aqui era por tabela o papai, que financiava o PSD. Ele comprou o Liberal e pela ata de fundação os três proprietários do Liberal eram o papai, Raymundo Farah, o meu tio Felipe Farah e um português chamado Bordalo. O fato de todos serem estrangeiros, a legislação brasileira não permitia. O Dr. Octávio Meira encontrou uma solução: eles transferiram as ações pra esposa do Barata, pra Dona Georgina. Por exemplo, o nosso hotel, o Rotheesserie-Suisse só tinha duas utilidades: era servir ao PSD e ao Clube do Remo. De maneira que não existia por parte das autoridades nenhuma repressão contra os Farahzinhos e nossa família. Os nossos bisavós e tios foram presidentes do Tribunal Regional do Estado durante quarenta anos consecutivos – de 1913 a 1953. O que acontecia é que a gente fazia tanta bandalheira, tanta baderna que o clima, às vezes, ficava mais hostil por parte daquelas pessoas que eram gozadas, mas elas nunca levaram a consequências drásticas.
JOSEPH: E aqui pra Mosqueiro, o papai nomeava todos os delegados e tinha um tenente, o Francelino, que o papai – pra haver uma cobertura mais efetiva – prometeu a major. Outro dia, eu encontrei com ele e ele me disse: ”O seu pai conseguiu um fato na história militar brasileira: me nomeou de tenente a major por decreto.” Esse major Francelino foi delegado aqui do Mosqueiro durante mais de vinte anos e nos dava toda cobertura.
ALEXANDRE: Nós fomos algumas vezes presos, porém mais por uma questão de resguardo pessoal. Ocorreu um incidente com esse major, nós de início ficamos aborrecidos, chamamos ele: “Olhe, major, o senhor é um homem ingrato. Foi o único oficial dos bombeiros promovido três vezes por decreto, num mesmo ato, pô, um atrás do outro, história inédita, e nos agradece jogando num xadrez imundo. Ele disse: “Tenham calma, tenham calma!”
JOSEPH: Foi a famosa porrada com os estivadores.
ALEXANDRE: Porque os Farahzinhos foram umas criaturas e ainda são... Eles continuam vivos na imagem de toda geração, daquelas pessoas que são alegres. Nós nunca andamos com uma arma na cintura, apesar de sermos descendentes de sertanejos, e nosso pai veio impregnado do espírito europeu de liberalismo, sempre dialogou com os filhos, nunca bateu. Mas ocorre o seguinte: na hora da porrada, o negócio era de rebolar mesmo. Nós tínhamos chegado da cidade de Nova Friburgo e estávamos fortes, pesados e fomos tratar um assunto a pedido do fazendeiro José Júlio Bezerra, com autorização do delegado, porque não se podia chegar à ponte sem autorização da polícia. E lá, estabeleceu-se um desentendimento com os carregadores, que eram homens muito rudes, fortes: havia caído uma maleta que um deles carregava e houve insultos dos trabalhadores, com imediata reação do Joseph. E desandou uma terrível luta corporal que deixou todo mundo estarrecido, porque os Farahzinhos lutaram com doze estivadores durante 45 minutos e ficou empate: eram bofetões de lado a lado e nós que tivemos educação esportiva privilegiada – fomos alunos do Seu Poti na Academia Jack Dempsey e do Prof. Yamada em judô e sempre fomos moleques de rua, aprendendo a brigar na zona boêmia e a se safar das confusões e vai pegando aquele jeito de corpo, aquela malandragem. Então causou um enorme espanto a toda a população do Mosqueiro, inclusive um carregador chegou até a puxar uma faca e só não esfaqueou porque o carregador nº. 5 impediu, mas não terminava nunca a briga. O Dr. João Batista Klautau de Araújo, que já era juiz de Direito, apelou pro seu cargo, mas não foi atendido e era esbofeteado também. O comandante Hosana teve que descer com toda a sua tripulação e fez uma ocupação militar na cabeça da ponte, no pontão chamado “Gregório”, porque o navio era o “Presidente Vargas” e atracava no pontão (balsa), que era preto. E o Zé num massacre total, abraçado pelo carregador nº. 40, que era do tamanho de uma Kombi, que era do Dr. Amilcar Cabral. Então chegou a polícia e nos levou presos. O Dr. João Batista Klautau se identificou e o receio do delegado era que nós poderíamos ser linchados. Existia um clima de tentativa de linchamento: a classe dos estivadores de Mosqueiro reunida em assembleia geral determinou que nós fôssemos linchados. O nosso advogado foi espancado, desmaiou na delegacia e saiu carregado pelos padres e pelas carolas que diziam: “O Dr. Catulau, bateram nele.” E botaram na Igreja: “Não, Dr. Catulau, o senhor está bem guardado aqui”. O delegado, com muito jeito, conseguiu dispersar os trabalhadores e o João Batista conseguiu levar três juízes, inclusive um juiz federal, o Dr. Figueiredo, mas não conseguiu nos soltar; o delegado estava irredutível. Foi quando às 5 horas da manhã – e o Dr. João Batista, inconsolável, sentado na porta de uma pensão – o José da Cunha Gonçalves sugeriu que fosse localizado o tenente Cabral; então nós fomos soltos.
JOSEPH: Pô, nós éramos bons moços. Um cara que nunca pegou um porre, nunca levou um bofetão, não fez boemia, nunca foi preso, não viveu a vida.
ALEXANDRE: A gente sempre foi contra o bom-mocismo, o carreirista disfarçado, o almofadinha. Porque o bom-moço é um carreirista e é um disfarçado, um falsário.”
FONTE: Silva Coely. Especial de Férias de O Estado do Pará, de julho de 1978.
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