Autor: Prof. Alcir Rodrigues
É noitinha ainda...
Arremesso longe a linha de pescar:
quase pesco toda a conjunção
interplanetária que no céu desenha
uma geometria triangular ―
Vênus, Marte, Júpiter e Saturno
derramando brilho nas águas
mornas da Baía-do-Sol,
onde me banho, à espera de
um improvável peixe fisgado
pelo meu azarado anzol canhoto.
Na verdade, a pinga já me fisgou
por completo, quase...
...me levando embora,
ou nos calientes braços de Iemanjá
(para o fundo das águas),
ou, quem sabe, nas asas dessa imensa
escura ave, chamada
noite de Anhangá,
rumo aos milhares de olhos que piscam no céu...
Por trás da fogueira,
a barraca de camping
abriga os companheiros irmãos,
talvez sonhando com a Boiuna-Luna
de Macunaíma, astro flutuando
e distribuindo sua claridade
em gotas fosforescentes pingando
que nem sereno nesta praia-paraíso,
espocando no contato com as chamas
da fogueira deste improvisado acampamento.
Além dos habitantes da barraca,
também dorme um sono dos justos
a Ilha do Maracujá, logo ali e ao largo
―na ilharga da praia―,
um arremate no recorte da enseada,
como um barco ancorado, sempre a partir,
e sempre a ficar,
encalhado na terra e na memória,
beleza de areia, pedras e vegetação:
um oásis para os enamorados corações.
Não vejo por aqui-agora nem Eva nem Adão,
apenas a serpente:
uma jiboia, um ofídio sem peçonha...
Inoculada em mim, sabe lá
por qual deusa ou deus,
uma outra peçonha ― um feitiço que me traz de volta
sempre ao Paraíso, e sua maçã
estampa-se no cartão postal
que me rodeia: são águas
areias
céu nem sempre azul com muitas nuvens
barracas e barrancos
Ilha
rochas
baía
as canoas
o verde da vegetação e a casa colonial
a conversa e a pinga
o dominó, o baralho
as caminhadas em grupo
a fogueira com a panela
na lenha em brasa
os banhos nas ondas a lavar
o corpo e extirpar o suor
do excesso de cachaça
Foi belo o dia chuvoso,
mas a noite é encantadora...
As sombras do arvoredo dançam,
como as sombras na Caverna de Platão
a emparedar em mim um ethos ou ideário
com ares de soturnidade...
Talvez porque todos dormem,
e eu nem a garrafa me conduz
ao mundo de Morfeu...
A Lua levitando
no profundo éter noturno
geometriza no olhar
um quadro de indistinta proporção
e intangível equidistância
com a conjunção dos planetas,
astros imantados atraindo
este pescadorpoeta noctívago
banhando-se na mancha láctea
fosforescente replicada do céu
no piso líquido da baía,
esta que me traz a aromática
aragem cálida como mensagem
de uma nova vida, novo princípio...
Isso porque já amanhece o dia: a manhã beija
em brisa friazinha meu rosto insone...
As nuvens leves flutuam não só no céu,
mas muito mais em minha quase inconsciência...
Já ouço murmúrios de dentro da barraca.
Talvez agora seja o momento de levitar.
Meus pés me arrastam para fechar
os olhos e poder esquecer de quase tudo...
FONTE: http://moskowilha.blogspot.com.br/2012/04/o-paraiso-e-um-acampamento-em-91.html#links
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