sexta-feira, 9 de março de 2012

JANELAS DO TEMPO: MÁRIO MARACUJÁ

Autor: Cândido Marinho Rocha

“Mário Maracujá jovem montara barzinho de uma porta, mesmo no prédio do Mercado Municipal, abrindo pra frente da Praça Matriz. Batidas, limão, maracujá, jenipapo, murici, múltiplas são. Nas famas.

Papistas de papo pausado pousam ali ampliados educados propícios. Moço branco bondoso finuras em que era cortês o dono do bar, a todos brinda fraterno animoso, em falas. Violão suspiroso traz Estrela consigo. Param, saudações úmidas havendo, recíprocas. Caricatas cantigas em notas de dó surgem, malícias amigas. Choradinhos cavilosos bazófias relatam. Alegres racionais animais, batidas a mais, no sempre.

Temas livres surgem gozados batidos na caixa de fósforos: Tuta – Tito – Tota, os irmãos, no banjo, no pandeiro e na “pura”. Irmãos que cantam, tocam, brigam, capoeiras, quedas de braço, tutano na musculatura, e jogam bom futebol, amados, reprodutores das beiradas da Ilha: os felizardos.

Bebem batidas do Mário, bebem sol pelos poros, luar pelos olhos, chuva pelo corpo inteiro, bebem e se embriagam na vida gostosa da Ilha.

Chega bambo banzeirando meio leve meio pesado, alto, troncudo, escuro nas pernas montado, cambão. É a Lei, o invicto Macaca Prenha, amigo de amigo, inimigo de inimigo. Entra na desordem para manter a ordem.

Começa imediato relatando façanhas, prisões raladas, cercando sozinho fantasmas e gente facinorosa. Conquista assim o primeiro copinho. Arma-se-lhe a alma em risos desdentados. Não senta nas rodas com os outros. De pé, em círculos, cambaio e carrancudo, mantendo a Lei. Também se embriaga com a autoridade que ostenta e com as suas mil mulatas amadas, que relata, aos gritos.

Mário Maracujá não teme a Lei. Seletos são seus fregueses, amizades. Pescadores, peixeiros, carregadores, funcionários, médicos, dentistas, advogados, contabilistas, comerciários, industriais, jornalistas, comerciantes, estudantes, políticos, vagabundos, e mais deputados, vereadores, cabos eleitorais, fornicadores em geral. Nem não se via ali vestígios de vícios e crimes. Eram livres, valentes, cultos, analfabetos, cantores, musicistas, ficcionistas, parasitas, fornicadores em geral. Dizia-se que ali era o “Paraíso de Um Tudo”.

Difícil seria reunir mais suculento bosque de raízes humanas tão diferentes e tão convergentes. Era o poder mágico da liberdade nas reciprocidades niveladoras. Ali era uma República. Ali ninguém era “doutor”. Todos eram, sim, professores, exceto Macaca Prenha, que era a Lei. Deus era outro capítulo, que os frequentadores admitiam, mas não discutiam. Todos podiam ser Mestres, também. Mas alguém não é Mestre n’alguma coisa – boa ou má – na Vida, na vida, na ilha do Mosqueiro?”

(FONTE: MARINHO ROCHA, Cândido. “Ilha Capital Vila”- GRÁFICA FALANGOLA EDITORA. Belém-Pa, 1973- pp. 142 e 143)

MOSQUEIRANDO: Conhecemos o Mário Maracujá, cognome que herdou da fruta, cuja batida o tornou famoso. É bem verdade que as batidas de frutas com aguardente da boa vinda de Abaeté eram uma atração no entorno da Praça da Matriz. O que dizer da batida de limão do Quebra-Mar, do Raimundo Monteiro? Ou das batidas do boteco do Seu Laurito? Ou do barzinho do Seu Cristóvão? Mais tarde, sem dúvida, tal bebida passou a ser a especialidade do Seu Albertino Pereira, o Rei da Batida. Mas o bar do Mário Maracujá, que se chamava Mário Pontes de Carvalho, tinha um quê de irresistível, talvez por ser um tradicional ponto de encontro de amigos sedentos de álcool e de novidades. Nos anos 60, embora ostentasse as marcas do tempo, Mário Maracujá continuava atencioso com seus fregueses. E foi ali, no seu bar, naquele mesmo bar do romance, num fim de tarde de um sábado qualquer, depois da chegada do navio Presidente Vargas, que tivemos a felicidade de encontrar, pela única vez, o grande poeta Rodrigues Pinagé, bragantino de coração. E foi o próprio Maracujá que nos apresentou tão insigne figura. O poeta sentou-se à mesa conosco e brindou-nos com uma de suas poesias. Foi emocionante estar ali com o Príncipe dos Poetas Paraenses, nos seus setenta e poucos anos, e foi inesquecível ouvir aqueles versos declamados por uma voz forte, com a vibração característica daqueles que compreendem e sentem o poder mágico das palavras. De repente, parecia ter viajado no tempo e estar ouvindo Castro Alves empolgando multidões.

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RODRIGUES PINAGÉ:

“Rodrigues Pinagé (1895 – 1973): poeta, jornalista e funcionário público. Pinagé nasceu em Natal (RN), vindo criança para Belém, onde foi eleito “Príncipe dos Poetas Paraenses”. Embora tenha vindo no tempo do Modernismo, o poeta não se apegou ao estilo de 22 e continuou fazendo versos à moda antiga. Como lírico era extraordinário. Como poeta satírico, deixou muito sorriso nos lábios de seus leitores.”

FONTE: http://www.culturapara.com.br/belemdamemoria/escritores.htm

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