Autor: Augusto Meira Filho
“Mosqueiro – ilha e vila – chegou ao século XX trazendo sua pequena bagagem histórica, desde os primeiros momentos da formação de Belém do Grão-Pará. Vimos, em seus detalhes, como isso se processou. Entrada a nova centúria e com ela resultados de 1889, com o advento da República, olhava-se o lugar já sob aquele novo hábito introduzido pelos estrangeiros que pontificavam nas empresas concessionárias dos serviços públicos de Belém. Os paraenses e, sobretudo o belemita, começavam a usufruir da influência alienígena o salutar desejo de um fim-de-semana em paz no “Chapéu-Virado”. Os antigos chalets serviam de modelo a outras edificações, avançando para o “Murubira” e o “Ariramba”. As obras afrancesadas de então davam os fundamentos para um sistema menos rico, mais vulgar, embora todo ele inspirado nas condições locais de cada edificação. Dessa experiência, nas praias do “Bispo”, do “Areião” e na “Praia Grande”, se erguiam moradias leves, de madeira, avarandadas e suspensas do solo o suficiente para a utilização do térreo e arejamento da construção. Dezenas de casas se construiriam nesse estilo tropicalizado para as residências no equador, às vezes até inspiradas em obras congêneres executadas em Cayenne e em Paramaribo, regiões do norte e quase do mesmo clima.
Ainda restam em nossas praias modelos semi-centenários dessas obras concebidas em função do clima, do lugar e das possibilidades financeiras de seus proprietários. Na orla fluvial da ilha, seguem-se, lado a lado, essas edificações curiosas, sempre em madeira e ornadas de belos terraços e lambrequins, ao centro de largos terrenos, verdadeiros pomares, moldurando a paisagem pitoresca do litoral mosqueirense. Sempre houve o hábito tradicional de se dar um nome que identifica essas vivendas. Além da homenagem a alguma pessoa da família ou a qualquer outro recanto de estimação, essas designações tinham sua função social: facilitavam aos famosos carregadores da ponte (trapiche) a entrega de mercadorias, encomendas, material de construção, etc., destinados ao Mosqueiro, transportados pelo navio da linha. De início, esse transporte se fazia duas vezes por mês pelos barcos da antiga “Port-of-Pará” modificado, depois, para três vezes por semana e, mais tarde, uma viagem diária de ida e volta, Belém-Mosqueiro.. De passagem o navio atracava no trapiche do Pinheiro (Icoaraci) e depois seguia para a ilha. Aos sábados, havia viagem extra às 14 horas e, aos domingos, duas vezes: 7 e 11 horas para veranistas que se destinassem ao Chapéu-Virado, retornando a Belém, ao cair da tarde. Essa mesma embarcação fazia, também, o percurso da capital à cidade de Soure, no Marajó, aos sábados e quartas-feiras. Dessa época, ficou na memória dos amantes da ilha do Mosqueiro a presença do navio “Almirante Alexandrino” com o seu querido comandante Ernesto. Tantas foram as viagens do saudoso barco que já se dizia à boca solta que ele seria capaz de desatracar do “Mosqueiro e Soure” em Belém, seguir e encostar na ponte do Mosqueiro, sem precisar de gente no comando. “Já sabia de cor o caminho e as manobras precisas...” Durante muitos anos o Comandante Ernesto dirigiu esse famoso Almirante Alexandrino. Várias gerações da cidade cresceram e se formaram, vendo, assistindo, aplaudindo a perícia desse admirável marinheiro. O Mestre-de-bordo, seus ajudantes, cabos e marujos, também, participavam das amizades de todas as famílias que, regularmente, se transferiam nas férias, para as praias mosqueirenses. Da mesma forma, durante anos, carregadores fixaram fregueses, colaborando, na hora trágica do desembarque. Recebiam encomendas remetidas de Belém pelo navio e, no Mosqueiro, se incumbiam de entregá-las aos caseiros ou a qualquer outro destinatário. Prestavam relevantes serviços, sobretudo às pessoas que mantinham contacto permanente com a ilha. Dadas as circunstâncias do lugar, próprio ao lazer, às folgas, às férias, essa palavra mágica e o “Alexandrino” estavam presos ao calendário de escolares e de quantos sabiam gozar nas praias as delícias de momentos de prazer e de paz. Isso ficou. E não há nenhuma pessoa em Belém ligada àqueles tempos que não passe à ilharga do Galpão Mosqueiro e Soure, sem revisar na memória as célebres partidas de cinco horas do Almirante, pleno de gente, de bagagem, de alegria, pois “ir ao Mosqueiro” sempre foi um prêmio à meninada e um justo repouso aos amadurecidos.
O vapor Almirante Alexandrino (FONTE: MEIRA FILHO, 1978).
No período da guerra, para colaborar, a companhia colocou enormes vapores, vindos da América, na linha do Mosqueiro, quando afastados do trabalho de rotina.
Também no Galpão tradicional, carregadores e pregões se familiarizaram com veranistas que, em qualquer tempo, seguiam para o Mosqueiro. Transportavam material, davam recados, faziam compras e, nos dias tumultuados, adquiriam bilhetes numerados ou guardavam lugar na fila para esse fim. Amigos e colaboradores, esses carregadores estão ligados à vida do Mosqueiro em quase meio século. Pelos números, atendiam telefone, prestavam serviço e carregavam, muitas vezes, crianças e bebês, enquanto os pais cuidavam de acomodar suas tribos... No inverno, empunhavam guarda-chuvas, protegendo os fregueses, da rampa do navio até a cobertura do Galpão. Admirável trabalho que precisa ser assinalado, da maior importância, na história da Ilha do Mosqueiro. O mesmo fato, com pequenas alterações, ocorria no Mosqueiro. Ao desembarque alucinado, na ponte e na rampa de acesso ao local onde ficavam os ônibus do transporte interno da ilha. Aí, pela madrugada, carregadores madrugavam comprando passagens, despachando bagagens e procurando servir o veranista da melhor forma possível. Na “ponte” ficaram famosos o “oito”, o “sete”, o “dezoito” e o “vinte e oito”, mais ágeis e sérios, em quem a população depositava inteira confiança.
Primeiro ônibus da Ilha do Mosqueiro (FONTE: MEIRA FILHO).
A receita municipal nunca poderia atender aos reclamos dos visitantes que sempre flutuavam em função de domingos e feriados. A precariedade do serviço na circulação dos veículos oficiais, isto é, da Agência, faria com que alguns particulares tomassem a frente desses trabalhos. Velhas camionetes, carros primitivos reformados, caminhões transformados em paus-de-arara, à chegada do navio, se apinhavam de gente, louca e fatigada, desejosa de chegar à casa e descansar da atribulada, embora pitoresca viagem de Belém ao Mosqueiro. Não havia na Vila veículos de aluguel, senão dois ou três caindo aos pedaços, mas que na hora do aperto se transformavam em belas limousines. O negócio era bom, quando a freguesia era permanente, justamente aos fins de semana. Os ônibus da Prefeitura, reduzidos e velhos, mal chegavam para os que se dirigiam à Praia Grande ou ao Farol. A linha ia até o Ariramba, primeiramente, depois, ao Carananduba. Antes, não ultrapassava o Chapéu-Virado ou voltava da extremidade do Murubira. Velhos motoristas conheciam as pessoas, as casas, os nomes das vivendas e até a empregadagem. Recordamos, nessa altura, a figura gorda, baixa e simpática do “Pipoca” e a do magricela, ranheta, com defeito físico, conhecido por “Narizinho”. Na área do serviço particular, mandavam o Cecy e o pai, ambos munidos de camionetes antigas, quase imprestáveis, mas seqüestradas por todo mundo que se dirigia às praias distantes. Essas figuras são parte da paisagem mosqueirense, tais como o Lacerda (vendedor de passagens), a D. Georgina (baiana), o caseiro André e o “Padre Serra” em seu Café, no mercado.
São figuras populares, cuja história se funde e confunde com a própria existência da ilha.”
( FONTE: MEIRA FILHO, Augusto. “Mosqueiro Ilhas e Vilas”- ED. GRAFISA, 1978- pp. 52, 55, 56 e 57)
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