segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

JANELAS DO TEMPO: CADEIRAS EM MOSQUEIRO

Autor: Edson Coelho

clip_image001

Poucas cenas resumem tanto o belenense quanto esta: as famílias chegam de carro, descarregam cadeiras de praia e sentam-se na praça do bairro da Vila, na ilha de Mosqueiro. Centenas de cadeiras, parelhas, como se o pedaço de praça fosse a sala de cada família, melhor, um trecho de quintal, multiplicado pela afabilidade paraense. Assim se descansa, no coletivo, de um dia desgastante (sol, churrasco, cerveja). Mosqueiro é o quintal do belenense, quintal amazônico, megalômano, com praias de rio em ondas e pequenas casas sobre terrenos enormes.

Sair de uma metrópole para a natureza é trocar o filtro das sensações. Outros horizontes, evocações, sugestões; os prédios virando casas, que viram galpões, que viram o verde e suas casinhas espaçadas como para marcar o caminho. A viagem ativa outras partes da mente, acessa outras funções da memória, como se reencontrássemos cenas antigas ou futuras. É certo que não se deve ir a um lugar querendo ali encontrar outro: cada lugar é único no conjunto das sugestões (de sensações) e a grande sensação em Mosqueiro é a potência produzida por tanta água doce. De qualquer lugar na ilha, tem-se a impressão de que a água nos beira os pés; muitíssimos belenenses ali desfrutaram os mais gratos momentos da infância.

Semana passada, Mosqueiro era palco de importantes facetas do paraense: milhares se acabavam no carnaval de rua e outros ou faziam em casa a folia ou gozavam a preguiça-abadá das redes ao ar livre. À noite, a ilha converge para a Praça da Vila. Os jovens circulam em grupos falantes; as crianças e quem deseja descansar do sol e do álcool sentam-se às cadeiras - são mesmo centenas, um concentrado da pouca tranquilidade que há na terra, cena idílica de uma fraternização peculiar (sentar-se), pose de paraenses para uma tela de costumes.

A cada vez que penso numa Belém interiorana, acorrem-me os quintais que ainda restam na capital; o hábito de conversar à porta das casas, que a violência aos poucos reprime; e penso na ilha de Mosqueiro, com seus açaizeiros que o vento prefere para dançar, os casarões de época, o bilharzinho emoldurado pelo murmúrio do rio-mar, longe. E aquelas cadeiras na Praça da Vila, como num arraial, numa festa de santo; e a tapioquinha nas barracas com nomes de tias nossas.

Tenho fanfarreado que a poesia é o que não se esquece, o raro, a síntese. Caso você encontre um viajante interestelar, cuja missão seja conhecer Mosqueiro, e tenha apenas meia-hora para isso, recomende: coma três tapioquinhas (uma com manteiga, outra molhada de coco, outra com queijo), mais um bom copo de café com leite; depois, pelos minutos restantes, sente-se numa cadeira entre cadeiras. E poderá o interestelar dizer que conheceu metade da ilha e um poema.

Eu morava em Altamira quando se concluiu a ponte Belém-Mosqueiro e admirávamos a obra nos jornais, revistas, até em camisetas. Meses depois, mudamo-nos para a capital e uma das primeiras excursões em família foi para o balneário, e conhecer a tal ponte era quase tão importante quanto conhecer a praia. Praia, praia, praia, água abundante, areia, praia, praia, nome mágico ao menino da floresta; o paraíso é morar em Mosqueiro, Maceió, Fortaleza, praia, praia, impossível haver algo melhor.

Hoje, sento-me muitas vezes num bar acalentado pelas ondas, mas nem piso na areia, e o vento, logo, leva-me a uma rede tecida de encomenda para as árvores do quintal e, à noite, antes de voltar para Belém, vou à tapioquinha da Vila deslumbrar-me como um ET. Ademais, tem sempre pertinho um carnaval.

FONTE: http://azougues.blogspot.com.br/2009/01/livro-bom-dia-61-no-crnicas_26.html

O autor:

clip_image003

Edson Coelho é jornalista e escritor paraense nascido no Mato Grosso.

FONTE: http://www.blogger.com/profile/03388941095352206805

Nenhum comentário:

Postar um comentário