Manhã ensolarada de sábado, 29 de junho de 1.918. Em fila, canoas a vela embandeiradas singram as águas da baía de Santo Antônio, onde há quatrocentos anos os índios morobiras pescavam em suas igarités.
As embarcações ornamentadas para a festa, umas da Vila e outras vindas do Marajó, impulsionadas pelo vento e pela maré de enchente, aproximam-se velozes das fartas areias que os pescadores, desde tempos remotos, chamam de Areião. Na enseada formada pela Ponta da Pedreira, antiga Ponta da Musqueira, compondo a exuberante paisagem tropical, a praia expõe sua beleza selvagem nos diversos tons da verdejante mata, na qual sobressaem algumas humildes casas de madeira.
Desde cedo, atraida pelo foguetório, grande parte da população da Vila está na praia aguardando a procissão fluvial, uma novidade nestas paragens. Ainda no despertar da manhã, os pescadores e suas famílias haviam levantado o Mastro envolto em folhagem e decorado com uma variedade de frutos, sinalizando o início da festa e simbolizando, além da fertilidade da terra, as varas que os pescadores conduzem nos ombros para transportar os peixes arrumados em cambadas. O Mastro é uma espécie de agradecimento ao Santo Padroeiro pelos frutos da terra e do mar.
À sombra da imensa mangueira, Dona Izabel Magalhães, matriarca da família Palheta, ladeada pelas senhoras Izaura Magalhães e Helena Magalhães, olha ansiosa as águas do rio-mar, vislumbrando os esperados barcos. E eles vêm garbosos e multicoloridos, contrastando com o azul do céu e parecendo saltitar sobre as ondas. No comando, a canoa maior e mais vistosa trazendo em sua proa o quadro de São Pedro enlaçado por fitas coloridas, doação de uma família portuguesa residente na Vila. Dona Izabel lembra que, ainda no dia dois, reunira-se com o Sr. Luiz de Oliveira e os pescadores para decidirem sobre a festa. Ali, a pesca artesanal era uma atividade milenar e isso justificava a homenagem ao Santo.
A canoa embica na areia encharcada onde quebram as ondas. Pés firmes afundam no raso das águas e mãos calejadas retiram cuidadosamente o Santo de sua devoção. Trajado em sua simplicidade de homem rude, um pescador conduz o quadro até o altar preparado para a missa campal. Foguetes estouram saudando a chegada e o povo aplaude com entusiasmo.
Na missa, o Padre Florêncio Dubois fala do Pescador de Peixes que Cristo transformou em Pescador de Homens para a Sua Doutrina e sustentáculo para a Sua Igreja, fala dos perigos da pesca, da coragem e da fé que movem esses homens do mar ali reunidos, contritos, demonstrando respeito, e pede a Deus proteção contra a gripe espanhola, que varre o mundo e aproxima-se do Brasil. E eles ouvem atentos e alegram-se.
Depois da missa, é hora de festejar. Nas areias da praia, os pescadores reproduzem o moqueio usado pelos morobiras assando em braseiros, entre outros peixes, enormes piraibas, para alimentarem o povo. É o momento de confraternização entre mosqueirenses e marajoaras, com o peixe no prato e a farinha na cuia. Aguardente da boa, quentão e aluá de milho animam os participantes.
No terreiro à beira da praia, começa a roda de carimbó ao som do pau-e-corda tocado por músicos locais: um bom desafio para os dançarinos! No ritmo do batuque e das palmas da assistência, as mulheres giram sensualmente as enormes saias rodadas sobre as cabeças de seus cavalheiros, que se acocoram num rebolado sincronizado. A eliminação da roda de dança acontece com os dançarinos menos ágeis, que deixam as barras das saias tocarem em seus rostos. E, assim, a brincadeira prossegue animada como o bate-papo dos amigos e comadres, a correria da criançada inventando traquinagens e o estourar de foguetes.
No cair da noite, o Mastro é derrubado, acendem-se imensas fogueiras no terreiro, em torno das quais os conhecidos se reunem, e servem-se bebidas e iguarias da época. Na alegria do encerramento, parece estar a promessa de que esta festividade se tornará tradição.
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Noventa e dois anos depois, a Festividade de São Pedro da praia do Areião é um evento tradicional do povo mosqueirense. A sede da Colônia de Pescadores Z-9, ali fundada em 1.920, foi transferida para a Baía-do-Sol, mas a homenagem ao Santo permanece fiel às suas origens. Durante todos esses anos, os Presidentes da Z-9 coordenaram a festa, destacando-se Luiz de Oliveira, Carlos Campos, Deocleciano de Deus Matos Botelho (seu Dedê), José Martins da Trindade, José da Silva Pombo, Tenente Carlos Gomes da Cunha, Tenente Pedro Menezes e Maria Diva Palheta, que também era professora da escolinha da Colônia e que, a partir de 1.961, assumiu a responsabilidade em dirigir a homenagem ao Padroeiro dos Pescadores.
Imagem de São Pedro que substituiu o quadro da 1ª Procissão Fluvial.
Imagem de São Pedro venerada atualmente.
CORTEJO DO MASTRO DE SÃO PEDRO DO AREIÃO – 1.998
CORTEJO DO MASTRO DE SÃO PEDRO DO AREIÃO – 2.010
Juizes do Mastro em 1.998 e 2.010: Claudionor Wanzeller e Alice Lameira.
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