Autora: Roberta Paraense
As águas salubres, cercadas pela vegetação de mangue, sob os reflexos reluzentes do sol, revelam a riqueza natural amazônica, que são as ruas dos ribeirinhos. O rio Pratiquara, que na linguagem indígena significa lugar de peixe pequeno, dá acesso para 28 ilhas que formam o arquipélago de Mosqueiro. O lugar esconde o medo que vai além da floresta e das histórias dos pescadores. A região, que antes era pacata, hoje é tomada pelo pânico dos ataques de piratas e pela expansão da violência urbana. Isso tem assustado muitos nativos, que chegam a abandonar os seus lares para encontrar a paz.
Não é só nos bairros periféricos da capital que o índice de criminalidade tem aumentado no Estado. Entre os furos, rios e igarapés das ilhas próximas de Mosqueiro, os moradores seguem sendo alvos de pirataria, que parece não ter fim. Nos últimos dias uma série de assaltos tem deixado os pescadores reféns do medo nas comunidades. A quadrilha das águas, sem temer s Lei e a polícia, age sempre usando a mesma abordagem: rabetas com homens encapuzados e armados, que roubam os indefesos ribeirinhos.
Com um grande potencial na pesca artesanal de diversas espécies de peixes e crustáceos, as comunidades locais vivem assoladas com os ataques. Quem segue do porto do Pelé, localizado no bairro da Vila, em Mosqueiro, rumo aos vilarejos, já percebe que algo errado acontece ali. No caminho, as pequenas casas estão fechadas. No lugar de pessoas, o que se vê é correntes e cadeados. As pequenas embarcações, que são os principais meios de transporte, estão amarradas aos pés das árvores sem nenhuma utilização.
Há 39 anos, a pescadora de camarão Iracema do Socorro Pereira mora na comunidade de Itapeuapanema. Ela conta nunca ter vivido tanta insegurança no local: “Sou nascida e criada aqui, e nunca vi tanta gente ser assaltada e com medo dos ataques dos piratas. Antes ouvíamos um caso ou outro, era bem pouco e isso só durante a noite. Hoje, todos têm medo de sair de casa a qualquer hora do dia. Vivemos aqui cercados pelo perigo. Eles assaltam com armas, levam tudo das pessoas e ninguém faz nada”, relata.
ATEQUES
Com farto conhecimento dos rios da região, o barqueiro José Carlos da Silva, 51 anos, navega diariamente transportando estudantes. Segundo ele, as ações acontecem durante a luz do dia, e a polícia tem conhecimento do que ocorre ali. “Eles estão atacando todos que passam com alguma coisa no rio. Não tem um lugar mais ou menos perigoso, tem os que mais assaltam, como na baía, que é de frente para Outeiro e Icoaraci. Antes eles levavam mais rabetas, mas agora eles levam até barcos maiores, colocando armas em nossas cabeças”, lamentou.
Um ribeirinho, que preferiu não revelar sua identidade, já foi abordado pelos piratas e conta o trauma. “Trabalhei muito tirando camarão para comprar uma rabeta. Aqui ela não é luxo, todos nós temos que ter uma para sair de casa. Eles estavam em um barco pequeno e pediram para eu parar. Apontaram a arma na minha cabeça e disseram que era para eu encostar e deixar a minha embarcação e sair correndo. Fiz isso. Deixei na margem e nem olhei para trás com medo. Hoje não tenho como sair de casa para vender meu camarão, sem ter que pedir carona ou uma rabeta emprestada”, comenta.
O medo paralisou o pescador, que decidiu suspender a profissão por um tempo, e hoje tenta seguir outro projeto. “Além das rabetas, eles levam o nosso matapi. Colocamos de noite para pegar o camarão e, de manhã quando vamos procurar, não tem mais nada, já levaram tudo. Agora é melhor vender cerveja pra eles do que se arriscar na pesca, que está virando uma profissão muito arriscada aqui”, desabafou o ribeirinho.
Popularmente no Pará, chama-se de rabeta uma pequena embarcação sem coberta e com motor. Na localidade ela é muito usada para locomoção das famílias e para a pesca de pequenas espécies. Elas variam entre R$ 600,00 e R$ 1.500,00. Já o matapi é um rústico instrumento feito de tala para a pesca artesanal do camarão regional, e cada um varia entre R$ 20,00 a R$ 30,00, e em média comporta 8 quilos do crustáceo.
Insegurança reflete na economia
Devido ao medo de perder a vida e os apetrechos de pesca, muitas pessoas têm abandonado o local, que possui um grande potencial na atividade, mas cada dia vê os valores dos produtos subindo. “Aqui temos diversos tipos de pescado. Essa época do ano, que vai de novembro a fevereiro, a água fica mais salubre e tem muito siri e pescada. Tem vezes que se pesca filhotes grandes. Se não fosse o medo dos pescadores, essa hora poderíamos ver muita gente pescando, mas vemos os rios secos. Isso deixa mais caro para quem compra”, afirma o pescador Everaldo Barbosa.
Os pescadores repassavam para os vendedores ambulantes o quilo do camarão fresco entre R$ 8,00 a R$ 12,00 para ser frito e comercializado. Porém, com a onda de assalto que tem se alastrado nos últimos tempos, o crustáceo tem ficado escasso, devido à falta de profissionais da pesca no local. O impacto acaba afetando a vida de quem procura o balneário. Hoje, os veranistas compram o litro, que tem uma quantidade inferior ao quilo, por R$ 15,00 nas estradas e praias de Mosqueiro, onde antes era possível encontrar a R$ 13,00.
“Com essa onda de ataques, os homens não querem mais sair para pescar. E nem as mulheres querem colocar no rio os matapis, com medo de ficarem sem nenhum. Antes eles entregavam até R$ 12,00 o grande, e hoje já chega a mais de R$ 16,00 o quilo. Não podemos fazer nada em relação a isso, e para não ter prejuízos temos que passar o aumento para o nosso consumidor. Os matapis estão sumindo, junto com os barcos, as redes, tudo”, conta Roberto Cruz, vendedor de camarão na entrada de Mosqueiro.
Estudantes se sentem totalmente inseguros
A pedagoga Andreia Araújo, 37 anos, nasceu na comunidade de Caruaru. Aos sete anos, ela saiu da localidade para seguir a vida de estudos em Mosqueiro. Após mais de duas décadas e graduada, a educadora voltou ao local para assumir o cargo de coordenadora da Unidade Pedagógica “Maria Clemildes”, que atende 60 alunos, das 60 famílias que vivem ali e dos assentamentos vizinhos. Apesar de nunca ter sido abordada por nenhum pirata, ela teme pela segurança dos alunos.
Hoje, a pedagoga sente medo de um lugar que sempre julgou ser seguro para morar. “Temos aulas em dois turnos e muitos dos nossos alunos vão e voltam para suas casas de barco todos os dias. Atualmente, com o que tem acontecido, estamos com muito medo que algo aconteça com eles. Há uma semana, meu avô, que tem 84 anos, foi assaltado por homens que estavam encapuzados e apontaram uma arma pra ele. Com o medo, ele ficou nervoso e foi parar no hospital”, lembra.
“Com os nossos alunos nada aconteceu, mas teve um barco de estudantes que chegaram a atirar contra ele. Aqui era muito tranquilo, quando eu era criança não via isso. Os ataques não são só de noite, mas depois das 18h não vemos mais ninguém aqui. Todos já ficam em casa com medo dos piratas”, explicou a coordenadora escolar.
Com o perigo rondando, a comunidade acionou a Polícia Militar, mas até hoje ninguém foi preso. “Chamamos a PM, eles até vieram aqui, mas disseram que não tinham como fazer as buscas e só poderiam fazer por terra. Então conseguiram uma lancha para eles e fizeram umas rondas, mas até agora não pegaram ninguém. Eles dizem que a polícia fluvial é que é responsável pela segurança”, completa Andreia.
FONTE: Diário do Pará. Polícia, p. 06. Belém-PA, 01/12/2014.
MOSQUEIRANDO: Na verdade, a responsabilidade pela segurança é do Estado e isso envolve não só a Secretaria de Segurança, mas também a Assembleia Legislativa, pois lá estão os chamados “representantes do povo”. Será que não está na hora de criarem, na Ilha do Mosqueiro, um grupamento de polícia fluvial treinada e equipada para enfrentar a pirataria? Afinal, a Ilha tem 220 Km² de área, com extensos rios, muitas praias e muitos furos e igarapés. Não vejo outra saída, a não ser que criem o “seguro-subsistência” para os pescadores e vendedores de camarão prejudicados pela violência, já que existe o seguro-defeso para proteger espécies de pescado na época da reprodução.
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