segunda-feira, 11 de março de 2013

JANELAS DO TEMPO: UMA TARDE, EM 1931.

Autor: Cândido Marinho Rocha

Alastrava-se por toda a Ilha aquele calor de início de tarde, sem a viração dos ventos marajoaras nem os ruídos dos carros ou dos bondinhos puxados a burro, da linha Vila-Chapéu Virado. Como que a vida suspendera a respiração e a população estivesse de repente ausente. Nem pescador, nem carregador, nem longínquo mestre a bater o seu martelo, nem grito de qualquer criatura. Nada. Nas árvores, até os passarinhos se aquietavam, atemorizados, talvez. A linguagem do silêncio era expressiva como as vozes de um sol que se afundasse do outro lado da baía do Guajará. Àquela hora, todavia, o sol luzia no alto, nítido e belo, ardente e senhoril, a dominar a Ilha com a augusta presença. Se alguém pudesse estar atento, ouviria, apenas, ao longe, suavemente, preguiçosamente, a batida das ondas nas praias desertas e tristes. Poderia ainda ver uma pequena vigilenga, lá ao largo, a se deslocar muito lentamente, como se fosse a cabeça de um grande ofídio. As águas brilhavam como escamas de peixes rútilas e rubras.

A Ilha toda se espreguiçava, indolente e cálida, consciente da sua força amorosa. Até os cães modorravam, deitados sobre as calçadas, nos alpendres sombreados, sob as mangueiras copadas, com a cabeça repousada nas patas dianteiras, de olhos fechados, a respirarem sem pressa.

Uma que outra ariramba cortava, em voo oblíquo, a superfície das águas, improdutivamente, pois não mergulhava, porque decerto os peixes estariam também mergulhados na sonolência amorosa da Ilha.

O céu estava tão azul, que feria a vista de qualquer ser que tivesse a audácia de a erguer para a luz. As árvores pareciam curvar as grandes copas, cansadas, vencidas pela luminosidade. Os coqueiros, tristes e esguios, curtiam a febre da temperatura resignadamente, na esperança da brisa vespertina.

A atitude extenuada da Ilha era apenas a preparação para incursões, durante o resto do dia, pelas veredas macias do amor.

FONTE: MARINHO ROCHA, Cândido. “Ilha Capital Vila”- GRÁFICA FALÂNGOLA EDITORA. Belém-Pa. 1973- p. 40).

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