quarta-feira, 5 de outubro de 2011

NA ROTA DA HISTÓRIA: PASSEIO TRIUNFAL

(Texto publicado na Folha do Norte, em 14.12.1965)

Autor: Santana Marques

“A estória ou história é antiga, mas não é muito velha. Morreu um dia, num desastre de motocicleta, o coronel Lawrence. O mágico da Arábia, o extraordinário espião, que dera não um, porém vários reinos à Inglaterra nos desertos do Oriente Médio, perecia como simples sargento num desastre de rodovia, perto de Londres. Dizia-se que contra-espionava uma fábrica de motores. A verdade é que morreu Lawrence. E a verdade é que ninguém acreditava na notícia. Devia ser mais um truque do fantástico coronel. Então, para que todos acreditassem, foi organizada uma comissão promotora de uma homenagem à memória de Lawrence, à frente da qual se colocou o rei Jorge V assinando a lista. Está estabelecido, na Grã-Bretanha e no mundo inteiro, que o rei não mente. Ao primeiro dos gentlemen ingleses não se permite nem cansaço, nem descortesia, nem mistificação, nem subterfúgio, quanto mais uma pálida e vulgar mentirinha. Então, já agora o povo inglês acreditou na morte de Lawrence, acreditou na notícia de seu falecimento e deu sua espontânea contribuição à ereção do monumento que perpetuaria os feitos do grande amigo dos árabes.

Eis o que aconteceu aqui, com a estrada Belém-Mosqueiro. Era preciso que todos cressem, vendo uma coisa que tem algo do sobrenatural. E se pensou na maneira mais fácil de provocar ou animar a crença de todos no extraordinário milagre de engenharia no Pará que é a construção, com recursos precários, de uma estrada ligando a nossa capital à “bucólica”. E foram buscar a imagem da Virgem de Nazaré, no seu altar no Colégio Gentil Bittencourt, a mesma que todos os anos acompanha o Círio em Belém, para a inauguração poderemos dizer oficial da rodovia que o Sr. Meira Filho idealizou num devaneio de poeta, o Sr. Lopo de Castro como prefeito imprimiu a ênfase do seu entusiasmo, o Sr. Jarbas Passarinho e o Sr. Oswaldo Mello estão de fato executando e concluindo, através do DER e do DMER, este pelas mãos calejadas do jovem engenheiro Machado, da Prefeitura, a trabalhar do lado de lá. E a Virgem, a Rainha que não mente, que não engana, que nada promete e realiza até o impossível para os que nela têm ou não fé, saiu de Belém, num jipe, nos braços do Monsenhor Leal e só foi estacionar por momentos na capelinha do Chapéu Virado e descer na Matriz da Vila do Mosqueiro. Em toda parte era recebida com uma vigorosa salva de palmas. Eu vi, senhores, eu vi gente do povo, operários e pescadores, ajoelhados e balbuciando contritos uma prece, talvez pedindo à Virgem Senhora não bem o reino dos céus no futuro, mas sem dúvida o desafogo cá na terra para as suas implacáveis misérias humanas.

Convidado especial e pessoal do Sr. Oswaldo Mello, num lugar amavelmente posto à minha disposição, no seu automóvel, pelo coronel Evilácio Pereira, acompanhei a Santa por terras e água até o Mosqueiro. Ao chegar à tarde a Belém, esperava-me um telefonema ansioso e comovente do Colégio Gentil Bittencourt, que desejava saber: “A nossa santinha ficou lá? Quando é que ela volta? Está entregue em mãos seguras?” Mandei pedir-lhe que se comunicasse com o Monsenhor Leal, pois ele havia regressado de avião e em condições de informar-lhe tudo exatamente. Quanto a mim, só poderia dar-lhe uma resposta, talvez piegas, mas profundamente sincera: “Sim, a Santa foi e voltou conosco. Porque ela nunca sai dos nossos corações. Neste mundo não se ignora que a esperança é a última que morre”. – S.

Santana Marques”

(FONTE: MEIRA FILHO, Augusto. “Mosqueiro Ilhas e Vilas”- ED. GRAFISA, 1978- pp. 534 e 535)

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