JANELAS DO TEMPO
A PRAÇA É DO POVO
Um dos mais significativos logradouros públicos na vida de cada um de nós é, sem dúvida, a praça. É nesse espaço singelo ou monumental e, antigamente, chamado de “largo”, que estão registrados os fatos marcantes do cotidiano de uma comunidade e as nossas mais caras recordações.
Se buscarmos a origem das cidades e povoações, vamos encontrar a praça como ponto de partida, em torno do qual notaremos as marcas irrefutáveis dos aspectos sócio-culturais e econômicos de uma época. Lá, geralmente estão a igreja, o comércio com seus mercados formal e informal, casas de espetáculo como cinema e teatro, salões de dança, prédios e monumentos históricos e o tradicional coreto, elementos que nos remetem ao passado e nos possibilitam uma análise da dinâmica do tempo e do progresso.
Praça da Matriz em Mosqueiro, nos tempos de Vila (Fonte:
Blog Haroldo Baleixe).
A praça é o lazer das famílias e crianças, o ponto de encontro de amigos e namorados, o nascedouro de muitas paixões, o púlpito para os religiosos, o palco para os artistas, o palanque dos políticos, o lugar ideal onde o povo, com a vibração que caracteriza as massas, protesta, reza, aplaude, dança, festeja, comemora.
Praça da Matriz na ilha, em dia festivo (Fonte: Blog HB).
Coreto da Praça Cypriano Santos em Mosqueiro.
Igreja de N.Srª do Ó, em 1.943: Círio do Mosqueiro (Foto
cedida pela família Mathias)
A igreja de N. Srª do Ó em 2.010.
Comício na Praça da Matriz em 1.936 (Foto: família Mathias)
E foi na Praça da Matriz, em nossa ilha, que se comemorou, no dia 15 de agosto de 1.923, o Centenário da Adesão do Pará à Independência, quando o Intendente Municipal era o Dr. Cypriano Santos, grande admirador do Mosqueiro. Seu nome ficou como permanecem, na memória coletiva, outros tão intimamente ligados à Praça: Antônio Aguadeiro e José Maria Ribeiro, primeiros donos do Bar Elite, réplica de um prédio parisiense inaugurada em 1.934; Raimundo Assunção da Cruz (o Cecy), proprietário do primeiro carro de aluguel da ilha e do posto de gasolina; Mário Pontes de Carvalho (o Mário Maracujá), cujo bar se destacava pelo sabor inigualável da “batida” de maracujá servida em taça de cristal e pela presença ilustre do poeta Rodrigo Pinagé; João Santos com sua animada Casa Santos de muitos pagodes; Seu Cardoso, Marieta Contente Melo e Rosa Custódio com suas farmácias; o velho Maringá e depois Franklin Peralta com suas sorveterias; Mimosa Bechara, Orlando Vaz, Manuel Favacho e Mestre Theodomiro (o Tiduca) com seus bazares muito frequentados; o famoso Dom Buratio e seu bilhar; o inesquecível Sebastião de Deus e Silva (o Padre Serra), que, ajudado por sua esposa Carmen Fernandes e Silva e pelo impagável Luís da Sopa de muitas ressacas, comandava o restaurante da Praça; as primeiras tapioqueiras com seus tabuleiros atraentes: Dona Biló (a mais antiga) e as senhoras Elvira, Helena, Lourdes, Alzuíla e Adriana.
A Praça da Matriz no final da década de 70 (Foto cedida
pela família Ferreira)
A Praça da Matriz nos anos 70 (Foto: família Ferreira).
Anos 70: A praça já teve um chafariz (Foto: família Ferreira).
Antigo Bar Elite: prédio histórico descaracterizado pela
propaganda. Ao lado o bilhar do Dom Buratio (Foto: Gerlei).
Mas o tempo passa e, na vida, tudo se transforma. Na Praça da Matriz, essas mudanças são evidentes. Como as velhas mangueiras, sumiram os quiosques onde se vendiam os sonhos, a tapioca, o cuscuz, o mingau, o café com leite de todas as manhãs. Também desapareceu o Cine Guajarino, que lembrava a intenção de alguns, em 1.917, de mudar o nome da ilha para Guajarina. Parece vermos ainda, na frente do único cinema, em seu impecável paletó de linho branco engomado, o velho Teóphilo Duarte de Araújo Lameira, Tabelião e Juiz de Menores, impedindo inapelavelmente a entrada destes nas sessões de filmes censurados. Os prédios onde funcionavam a Sub-Prefeitura e a garagem da locomotiva Pata Choca e depois dos ônibus municipais foram desativados, tornando-se anexos ao Mercado, cuja imponente fachada ainda ostenta o velho relógio, presente de Arthur Pires Teixeira. O Bazar Guiomar e a sede do Botafogo, clube tradicional e lugar de festas memoráveis, foram demolidos.
Aqui existiam o Restaurante Padre Serra (à esquerda) e o
Cine Guajarino (à direita).
Fachada do famoso Mercado Municipal da ilha do
Mosqueiro.
O primeiro Posto Médico, onde o habilidoso enfermeiro Contente socorria qualquer pessoa sem dó nem piedade, deu lugar a uma agência do BANPARÁ. Construiu-se o Terminal Rodoviário. Enquanto continua abandonado o prédio da antiga Delegacia de Polícia, onde reinava o sisudo Delegado Potiguara, temido pela molecada e pelos veranistas em trajes sumários, o Praia-Bar, que já foi salão de dança aberto ao público, continua com seu uso indefinido (espaço cultural, mercado de artesanato, camarim, auditório, local de reuniões?), além de abrigar uma agência bancária, que ali não deveria estar. A praça foi transformada em duas ao ser cortada por uma rua, que agora é um improvisado (?) camelódromo. O antigo estacionamento virou uma Tapiocaria, bonita obra arquitetônica em estilo francês, que nos recorda os velhos tempos da ocupação da ilha. Surge o insólito Banco dos Cornos, assento que alguns criaram e idéia absorvida pela cabeça de muitos, originando um bloco carnavalesco.
No centro, prédio abandonado onde funcionava a primeira
Delegacia de Polícia do Mosqueiro.
Praia-Bar: Com bailes memoráveis, alegrou a ilha por várias
décadas do século XX.
Camelódromo improvisado divide e descaracteriza a praça.
Tapiocaria em estilo francês onde se pode saborear
uma das melhores iguarias amazônicas: a tapioquinha
mosqueirense (Foto: Gerlei).
O insólito Banco dos Cornos: a irreverência está na praça.
Mesmo não se tratando da Praça Castro Alves em Salvador, é para a Cypriano Santos que, durante o Carnaval, convergem todos os blocos e escolas de samba, pois afinal de contas a Praça é do povo e “atrás do trio elétrico só não vai quem já morreu”. É lá que, por meio de manifestações populares, todos buscam certa igualdade social tão bem simbolizada em nossa Praça pelo monumento em homenagem à Princesa Isabel.
Princesa Isabel: nosso monumento à IGUALDADE.
Há tempos o Idelfonso Favacho perguntou-me por que a Princesa Isabel está de costas para a Praça. Respondi-lhe que a posição do monumento é histórica: a Redentora está voltada para o rio, para o Trapiche, o primeiro portal da ilha.
A rampa do Trapiche: na subida, alegria; na descida, saudade.
Em verdade, mais importante que a beleza ou a posição da estátua é a sua mensagem, tão bem sintetizada na epígrafe de seu pedestal: SOMOS TODOS IRMÃOS. Se assim entendermos, respeitaremos o direito constitucional ao espaço e por ele zelaremos, para que a Praça seja cada vez mais democrática, bonita, limpa, segura, agradável, enfim, um lugar de paz, de confraternização e de alegria.
Saudades de Mosqueiro, minha terra querida! Obrigado professor Claudionor, pela homenagem à essas pessoas que fazem parte da história de Mosqueiro!
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