Autor: Cândido Marinho Rocha
“Manuel Porta-Larga era um tranquilo lusitano, proprietário, há muitos anos, do pequeno Bar com Restaurante, localizado em loja de uma só porta, bastante larga. Pelo que tornou-se o conhecido e estimado Senhor Manuel Porta-Larga. O estabelecimento era o que de mais calmo havia na Vila. Bem localizado, à praça Matriz, procurado por pessoas de categoria, notadamente senhoras e senhores idosos, alguns dos quais encomendavam refeições, que Manuel mandava fazer pela mulher, exímia cozinheira. Fora, entre o balcão e a porta da rua, duas bancas de ferro, nunca ocupadas por beberrões ruidosos. Tudo ali era calmo em torno de Manuel Porta-Larga. Era tão cientificamente calmo que nunca ou quase nunca sorria, para não exibir emoções. Perguntado certa vez por que não ria, respondeu:
-- Jesus Cristo não ria.
Outro detalhe: não vendia fiado. Quem não gostasse, que lá não fosse. O movimento por isso era reduzido. Poucos clientes lhe serviam. Uns porque eram barulhentos, outros porque eram caloteiros, outros porque vinham em magotes, além dos que não pagavam com dinheiro trocado. Nem de conversa Manuel Porta-Larga era amigo. Bom Dia, Boa Tarde, Boa Noite estamos conversados. Seu comércio fechava rigorosamente às 20 horas. A ninguém mais atendia após o encerramento do serviço. Nem ao rei nem à rainha. Sentava-se à porta, mulher ao lado, nos silêncios, compreensões. Passavam pessoas. Boa-noite, seu Manuel. Respostas: Huuum, huuuuumm.
Era muito pobre por tudo isso. Felicidade colocava par na sua vidavida. A riqueza seria para ele aflição e ruína. Nada lhe faltava. Casa, comida, mulher, roupa lavada, ares mosqueirenses, respeito, crédito. Mas, paradoxalmente só comprava a vista. Hoje, se pretendesse utilizar o serviço do crediário, seria impossível. Não dispunha de qualquer fonte de informações quanto à regularidade de pagamento dos seus compromissos, pois só os tinha com a própria mulher. Porta-Larga aos sessenta anos de idade era um lago cercado de silêncio por todos os lados.”
“Manuel era um homem de estatura mediana, magro, rosto octogonal, braços longos, pernas curtas, livre de bigode e barba, dentes amarelos, cabelos ralos, raros. Era feio.”
“Manuel Porta-Larga era assim parecido com uma esfinge de carne sem ser viva. Era assim como um estado intermediário entre cadavérico e comatoso.”
(FONTE: MARINHO ROCHA, Cândido. “Ilha Capital Vila”- GRÁFICA FALANGOLA EDITORA. Belém-Pa, 1973- pp. 167, 168 e 169)
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