Autor: Cândido Marinho da Rocha
“A Ilha naqueles tempos quase que se resumia à Vila, onde casas nobres floresciam como as dos senhores Frazão, Comandante Solano, Souza Filho, Inácio Nogueira, Prisco dos Santos, Batista Moreira, Alcindo Cacela, Ó de Almeida, bem como outras menores.
À Praia do Chapéu Virado ia-se em bondinhos puxados a burros, a cavalo, ou acionando as próprias pernas.”
Bondinho puxado a burro (FONTE: A. MEIRA FILHO, 1978)
“E era divertida a viagem, embora morosa, os animais puxando os bondinhos sobre os trilhos, já decadentes. O caminho era estreito, as ramagens tocavam os passageiros. Chapéu Virado bairro longínquo, praia apenas para turistas e veranistas mais abonados. Pescadores ali moravam, poucos lavradores, que o povo de Mosqueiro não se dava muito ao cultivo da terra. Pouco se ouvia falar em Morubira, Ariramba e Carananduba, sítios distantes, praias, rios, matos, ótimos para caçadas e pescarias. Um que outro, mais corajoso, lá mandava construir uma casa.
O Hotel do Chapéu Virado era um grito avançado lá dentro da Ilha, ao lado da bela praia do mesmo nome. O Hotel do Zacarias, no Farol, era uma audácia sem conforto e sem frequência. Mas seus proprietários, teimosos, previdentes, corajosos – insistiam em oferecer pousada a quem quisesse realmente repousar naqueles ermos.
Luz elétrica pública não havia por assim dizer; água saía dos poços como, ainda hoje, cristalina, limpa e permanente.”
“Para assentamento de trilhos na Ilha do Mosqueiro a Lei Municipal nº 216, de 29 de dezembro de 1898 deu a concessão a João Evangelista Ferreira da Motta. Esta concessão foi transferida a Antonio Pindobussú de Lemos pela Lei nº 328, de 2 de abril de 1902. Assim, em 1931, os trilhos já não eram novos nem os bondes também. Estes eram deliciosos, lentos e prudentes, incapazes de ferir alguém, como aconteceria tempos depois, quando os automóveis tivessem tomado conta da praça.
Carananduba, cuja planta foi levantada em 1901, para que a localidade se transformasse em povoação, com todas as condições materiais de higiene, era lugar remoto e habitado por gente pouco conhecida na Vila.
Tudo isso consta do Relatório do Senador Antonio José de Lemos, Intendente de Belém, e referente aos anos de 1897 a 1902.”
“Pomares existiam fartos, com frutas de todos os tipos como abiu, cupuaçu, abacate, cutite, abricó, uxi, pupunha, mamão, graviola, goiaba, araçá, biribá, sapotilha, manga (grandes, copadas e veneráveis mangueiras), jambo, ajuru, murici, e tantas outras frutas silvestres.
Enormes terrenos eram propriedades doadas pelos governos de então, como para estimular o desenvolvimento e ocupação das terras. No bairro do Ariramba, por exemplo, o governador Augusto Montenegro doou extensa e profunda faixa de terra aos Marcelinos.
À sombra desses pomares, às tardes mornas da Ilha, muitos amores nasceram, floresceram e frutificaram. Quase sempre os casamentos eram consequências do namoro de jovens que não resistiam e se ofereciam à atmosfera amorosa do Mosqueiro, à embaladora brisa vespertina, à proteção das trevas noturnas das ruas sem luz ou à beleza das noites de lua cheia, verdadeiro grito de amor sobre a doce Ilha afrodisíaca.”
(FONTE: MARINHO ROCHA, Cândido. “Ilha Capital Vila”- GRÁFICA FALANGOLA EDITORA. Belém-Pa, 1973- pp. 21, 22, 23 e 24)
O AUTOR:
Cândido Marinho da Rocha ao microfone (FONTE: APER)
Cândido Marinho da Rocha nasceu em 14/06/1907, em Belém do Pará, filho de João Cândido da Rocha, e Maria Marinho da Rocha, ele vindo do Rio Grande do Norte e ela do Ceará.
Em 30/11/1933, contraiu núpcias com a Sra. Elizabeth de Souza Rocha, filha de Antônio de Souza Filho e Francisca Nepomuceno de Souza, de cujo matrimônio nasceu seus três filhos: Omar de Souza Rocha, dentista, sócio da firma C. M. Rocha Irmãos & Cia Ltda; Maurício de Souza Rocha, médico; e Luiz Carlos de Souza Rocha, engenheiro civil.
Fez o curso primário no Externato São Tomaz e no Grupo Escolar Wenceslau Brás, o Curso Secundário no Instituto Nossa Senhora de Nazaré, ingressando aos 15 anos de idade na Academia Livre de Comércio, mantida pela Fênix Caixeiral Paraense, onde, no ano de 1926, aos dezenove anos de idade, concluiu o Curso de Contabilista.
Além do curso de Contabilista, fez o curso de Técnico em Conferências e Curso de Preparação de Oficiais da Reserva (CPOR), tornando-se Oficial R2 do Exército Brasileiro. Foi, também, Professor do SENAC – Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial, na área de Metodologia.
Ainda em 1922, portanto com 15 anos de idade, embora trabalhando no comércio, começou a publicar os seus primeiros contos e crônicas nos grandes jornais de Belém, já com um estilo inconfundível, como jornalista e escritor.
Em 1930, quando ainda contava com 23 anos de idade, fundou e foi o redator do semanário “O Auxiliar do Comércio”, através do qual lutou pela instituição de oito horas de trabalho e da semana inglesa.
Prosseguiu colaborando com revistas e diários de Belém, entre as quais a “Revista Amazônia” até que, em maio de 1958, foi eleito membro do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, lançando um ano depois o seu primeiro livro de contos “Terra Molhada”, que mereceu Menção Honrosa da Academia Paraense de Letras.
Nessa condição de escritor, colaborou com o Semanário “A Colônia”, órgão informativo da Colônia Portuguesa, dirigida pelo jornalista português J. Godinho Ferreira; com a revista “A Phênix”, informativo da Fênix Caixeiral Paraense, dirigida pelo saudoso mestre Ramiro Castro, de grande circulação regional e destacada entre as melhores revistas da época. A partir de 1926 passou a publicar contos e crônicas, sua especialidade, nos Jornais: “O Estado do Pará”, “A Província do Pará”, “Folha do Norte,” e “O Liberal”.
Seus principais livros, como escritor foram: “Terra Molhada” – contos, editado em 1959 e reeditado em 1962; “Vila Podrona”- romance editado em 1964; “O Defunto Homem” – romance e novela, editado em 1968 pela Editora da Universidade Federal do Pará em continuação à “Vila Podrona”; “Ilha, capital Vila” – romance e novela, editado em 1973, falando sobre a Ilha de Mosqueiro; “Menino do Marajó” – romance e novela, editado em 1976; “Biografias Maçônicas Paraenses”, editado em 1978; “Tijuco, Leite de Amores”, editado em 1975; e “As Viúvas”, romance e novela editado em 1979.
Foi Presidente, Vice-Presidente, e Presidente do Conselho Deliberativo da Fênix Caixeiral Paraense, e foi membro do Instituto do Ceará e da Ordem dos Velhos Jornalistas do Rio de Janeiro.
Com seu idealismo transparecendo em todos os momentos da sua vida, fez parte de um grupo de intelectuais que fundou o NORTE TEATRO ESCOLA DO PARÁ, onde exerceu o cargo de Diretor Administrativo, e a FACULDADE DE CIÊNCIAS CONTÁBEIS E ATUARIAIS DO PARÁ, onde exerceu a Presidência, depois incorporada à Universidade Federal do Pará.
Destacou-se como Presidente da Associação Paraense de Seguros, cargo que assumiu, coincidentemente, no “Dia Continental de Seguros”, fato destacado em brilhante discurso proferido no dia 14 de maio, ao lado do nosso confrade Jorge Germano Silva que, na condição de Vice-Presidente, acabou recebendo, mais tarde, o honroso cargo de Presidente, através de atenciosa correspondência de 04/04/1979 de Cândido Marinho da Rocha.
Dezoito anos antes, em Sessão Magna realizada no dia 14/06/1961, aos cinqüenta e quatro anos de idade, tomou posse na Cadeira nº 1, da Academia Paraense de Letras, que tem como Patrono Arthur Otávio Nobre Viana, um dos fundadores da Academia, cadeira ocupada também por Manoel Lowton Taveira Lobato, Adalberto Santos, e Rafael Costa, e hoje ocupada pelo acadêmico Ivanildo Alves. O seu discurso de posse, que denominou “O Paraensismo”, foi publicado no mesmo ano, sob os auspícios do Governador Aurélio do Carmo. Na Academia Paraense de Letras, exerceu o cargo de Tesoureiro, e Presidente no período de 1970 a 1974.
Nesse período, Cândido Marinho da Rocha proferiu inúmeras palestras e conferências, abordando temas históricos e literários, todos publicados na Revista da Academia Paraense de Letras e do Instituto Histórico.
Quando em 2008, dentro do projeto “Belém da Memória”, implantado no ano de 1999 pelo Núcleo Cultural – Casa da Memória da Universidade da Amazônia, a UNAMA homenageou a Loja de Tecidos “Paris N´América”, situada na Rua Santo Antônio, bairro da Campina, a placa comemorativa continha fragmentos do texto “Pour monsieurs et madame”, de Cândido Marinho da Rocha, em que é relatado, em detalhes, uma das épocas de maior prosperidade econômica de Belém, que resultou na criação das arquiteturas mais luxuosas da cidade. O projeto “Belém da Memória” inspirou-se nos discursos de nossos escritores e fixou em vários pontos da cidade, placas padronizadas que reproduzem esses textos ilustrados por imagens e ícones do patrimônio arquitetônico da cidade, sendo o texto de Cândido Marinho da Rocha escolhido por representar a realidade que Belém vivia nos anos da “Belle Époque”, principalmente a moda da alta sociedade, sempre inspiradas nas tendências européias, descrevendo como as moças se vestiam, como eram as sedas e os tecidos finos que chegavam a Belém.
O seu valor como escritor, foi destacado em alguns depoimentos, dos quais se destaca:
* Salomão Laredo, no texto escrito em julho de 2004, denominado “FEIRA DO LIVRO, LEANDRO E DALCÍDIO”, cita Cândido Marinho da Rocha como um dos expoentes da literatura paraense, com produção de qualidade, ao lado de Sílvio Meira, Ignácio Moura, Bruno de Menezes, Eustachio de Azevedo, Clóvis e Cécil Meira, Rodrigues Pinagé, Lindanor Celina, Ruy Barata, Victor Tamer, Georgenor Franco, Silvio e Levy Hall de Moura, Ernesto Cruz, Domingos Antônio Raiol, José Guilherme de Campos Ribeiro, Osvaldo Orico, Carlos Rocque, e tantos outros de grande importância na literatura paraense.
* Em “Narrativas da Ilha do Mosqueiro”, Cândido Marinho da Rocha é citado várias vezes, ao lado de Meira Filho, Claudionor Wanzeller, ressaltando a obra “Ilha, Capital Vila”, de sua autoria, que retrata o seu carinho e admiração pela Vila do Mosqueiro.
A sua admiração pela Vila do Mosqueiro era tão grande, a ponto de entrar na discussão sobre o nome das suas praias, citando 17 praias (1972), enquanto Meira Filho cita 21 (1978), Lairson Costa cita 20 (2005) e Maria da Paz cita apenas 15 (2000). Entra, também, na discussão sobre a grafia do nome de uma das praias de Mosqueiro, se Marahú ou Maraú, em que emite a sua opinião abalizada. Cita-se como uma das razões dessa admiração por Mosqueiro, é que foi lá que conheceu a sua esposa e companheira Elizabeth. Dessa sua ligação com Mosqueiro, nasceu a Biblioteca “Cândido Marinho da Rocha” que, por muito tempo, funcionou com um rico acervo literário naquela localidade.
Na área comercial, em 1938, fundou e foi sócio das firmas C. M. Rocha, Irmãos & Cia Ltda, e M. Rocha & Cia, especializadas em seguros e equipamentos científicos. Foi membro do Conselho Superior da Associação Comercial do Pará, e foi agraciado com o Título de “Honra ao Mérito” concedido pela Câmara Municipal de Belém.
Participou ativamente da elaboração do primeiro plano de eletrificação do Estado do Pará, e, por volta de 1957, da fundação das Empresas Geradoras e Distribuidoras de Energia Elétrica do Pará, depois Força e Luz do Pará, hoje Centrais Elétricas do Pará – CELPA, das quais foi Diretor Comercial e Presidente.
No esporte, foi remador do Paysandu Sport Club – PSC, no período de 1932 a 1933, chegando a exercer os cargos administrativos de Tesoureiro, e Vice-Presidente do Conselho Deliberativo.
Na Maçonaria, se destacou como obreiro ativo e líder maçônico, iniciando os seus estudos maçônicos em 19/12/1940 (1º grau) na Loja Maçônica Renascença nº 3, onde foi elevado (2º grau) em 11/03/1941, exaltado (3º grau) em 20/05/1941, exercendo os cargos de Orador e 1º Vigilante (1946/1947), Membro da Comissão de Finanças (1949/1950), chegando a Venerável Mestre, no período de 1950 a 1952, e agraciado, em 01/04/1971, com o Título de Grande Benemérito da Loja. No período de 1957 a 1964, assumiu o cargo máximo de Sereníssimo Grão-Mestre da Grande Loja Maçônica do Pará - GLEPA, permanecendo no cargo durante 9 anos, período em que teve grande participação na fundação da Grande Loja Maçônica do Maranhão – GLEMA, concedendo a sua Carta Constitutiva em 1960. Em reconhecimento aos trabalhos desenvolvidos na maçonaria, o seu nome foi perpetuado na Loja Maçônica Cândido Marinho da Rocha nº 62, fundada em 14/06/1986, pertencente à Grande Loja Maçônica do Pará. Em uma das últimas homenagens prestadas, ao completar dez anos do seu falecimento, a Revista “O Maço” deu destaque ao acontecimento, dizendo ser o nosso patrono “um dos grandes vultos da Maçonaria do Pará que, ao transferir-se para o Oriente Eterno deixou para todos nós uma invejável folha de serviços prestados à Ordem”.
No Rotary participou intensamente das atividades rotárias como sócio Veterano do Rotary Club de Belém Nazaré, onde ingressou no dia 12/10/1960. Na sua trajetória no clube, exerceu os cargos de Diretor das Avenidas de Serviços Profissionais (1963/1964), Serviços Internos (1974/75), Presidente de várias Comissões e Subcomissões, ininterruptamente, Vice-Presidente (1964/65), 1º Secretário (1966/67), Presidente no ano rotário 1969 a 1970, período em que foi Representante Especial para Fundação de Novos Clubes em Belém, e Membro da Comissão Consultiva Distrital. No período 1972-1973, na gestão do Governador do Distrito Antônio Gomes Moreira Jr., foi Presidente da Comissão Distrital da Casa da Amizade e membro 6 da ACADEMIA PARAENSE DE ESTUDOS ROTÁRIOS – APER da Comissão de Resoluções na Conferência Distrital de 13 a 15/4/1973, participando, ainda, da fundação de vários clubes no Distrito.
A sua dedicação ao Rotary e à Maçonaria, fundamentada no “Ideal de Servir” e “na tolerância, respeito e o amor fraternal” estimulou o seu filho Luiz Carlos, a ingressar, também, no Rotary Club de Belém Nazaré, e a ser membro ativo da Loja Maçônica Cândido Marinho da Rocha nº 62.
Cândido Marinho da Rocha faleceu em 15 de novembro de 1985, com 78 anos de idade.
FONTE: ACADEMIA PARAENSE DE ESTUDOS ROTÁRIOS – APER. BIOGRAFIA DE CÂNDIDO MARINHO DA ROCHA – PATRONO DA CADEIRA Nº 18.
http://www.glepa.org.br/controle/arquitetura/arquivo/10.pdf