domingo, 5 de maio de 2013

A ILHA CONTA SEUS CAUSOS: UMA LUZ NA ESCURIDÃO

Autor: Claudionor Wanzeller

O casarão espia a praia naquela madrugada de julho. É um casarão muito, muito antigo, mesclando estilos arquitetônicos ainda mais remotos e recordando a imponência dos áureos tempos da borracha. Velho casarão, morada de lembranças latentes em cada canto!

O ano, um dos últimos da década de 80, porém o mês é de férias, de intenso movimento, que, naquele instante, pelo adiantado da hora, diminuía rapidamente, nas ruas da Ilha. A brisa esfria a madrugada, que a lua ilumina fracamente, e ouve-se o marulho suave das ondas nas areias desertas. Um que outro carro passa veloz na beira-mar.

A casa havia sido alugada para a equipe que coordenava a Feira de Verão instalada no campo do Independência, mas, naquela noite de sábado, ninguém dormiria lá. O motorista, contudo, resolvera o contrário e, sozinho, parado diante do escuro e estranho prédio, hesitava receoso. Espanta o leve temor e decide entrar.

Retirando o cadeado, o portão é aberto em rangido, denunciando o abandono. Pega no carro a rede, o lençol, a lanterna e sobe a escada de poucos degraus, que conduz a uma ampla varanda. Em poucos minutos, está dentro da casa, tentando acionar o interruptor. Mas as luzes não se acendem. Estranho, pela manhã tudo parecia em perfeita ordem!

Liga a lanterna e olha a sala imensa, cheia de móveis e quadros antigos. Fotografias de outros tempos, de pessoas desconhecidas, de outras vidas. O sono, entretanto, é maior que a curiosidade e o homem, sempre orientado pela lanterna, segue pelo corredor até o primeiro quarto, amplo, escuro e frio. Lá, busca um lugar para armar sua rede, tira os sapatos, deita-se, cobre-se com o lençol e, sem demora, dorme profundamente.

O casarão, sempre triste, sombrio e fechado, ilumina-se todo com a profusão de candelabros dourados. Abrem-se, de par em par, as imensas portas e janelas. É uma noite festiva, embalada pelos acordes mágicos do piano e uma afinada voz feminina entoando modinhas. Pessoas circulam pelos cômodos, elegantemente vestidas em seus trajes da época. Uma jovem bonita, em seu vestido rosa de rendas e muitos babados, adentra a sala, atraindo os olhares de todos. Sorri com timidez, mas parece feliz em seus quinze anos. É o seu aniversário, o seu primeiro baile, naquela noite longínqua, perdida no início do século passado.

No meio da noite, volteia alegremente, ao som da valsa, nos braços dos garbosos rapazes. A princípio, são passos incertos, inseguros; depois, tornam-se ritmados e leves, revelando a graciosidade da menina-moça. Lucinha* sorri feliz!

No entanto, essa expressão de felicidade logo desapareceria de seu rosto e lágrimas sentidas inundariam seus lindos olhos azuis, ao saber que haviam esquecido o bolo de aniversário, o sonhado símbolo daquele momento único em sua vida, tão impacientemente aguardado. Cantariam o “Parabéns a Você”, mas não haveria o bolo nem as velas seriam apagadas. Lucinha, triste e desiludida, retira-se para o seu quarto, levando, em suas mãos, um presente que acabara de receber.

O homem acorda sobressaltado. E, na escuridão do quarto, pela porta aberta, vislumbra uma luminosidade bruxuleante que vem da sala. Paralisado pelo medo, vê a pequena luz amarelada entrar e, lentamente, atravessar o aposento, sumindo na parede ao fundo. Livre do torpor que o aprisionara, o homem acende a lanterna e nada encontra. Assustado, pega os sapatos debaixo da rede e sai da casa, às pressas.

Ao amanhecer, Lucinha acorda muito triste. Sente-se irremediavelmente só. Pouco fala, quase nada diz, porém sua fisionomia revela a marcante desilusão da noite anterior. Os dias sucedem-se e ela, cada vez mais triste e silenciosa, atravessa a rua, para olhar, durante horas, a praia deserta, as ondas, a baía, o céu. Um dia, desaparece. Encontram-na morta, afogada!

O motorista e os outros voltam ao casarão, pela manhã. O homem contara a história da luz na escuridão, entretanto ninguém queria acreditar. Na parede ao fundo do quarto, onde a luz sumira, encontram pendurado um pequeno e antigo candeeiro de vidro azul. Alguém, sorrindo incrédulo, brinca:

-- Veja! Com certeza, foi isso que você viu na escuridão!

Retira da parede o candeeiro e, em tom de galhofa, imitando um fantasma silencioso, entra pela porta e atravessa o quarto.

Mas, quando tenta devolvê-lo à parede onde estava, observa, no anteparo de metal presa à haste que o sustenta, uma inscrição:

           “Uma lembrança de seus 15 Anos. Que esta luz ilumine

                sempre as suas noites! Com amor, para Lucinha!”

Narrativa baseada em relato antigo. * Lucinha: nome fictício.

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