sábado, 3 de dezembro de 2011

JANELAS DO TEMPO: UMA VOZ QUE VEM DO PASSADO

Autor: Augusto Meira Filho

A rodovia sonhada e desejada por tantos e por tão poucos acreditada surgia da floresta como um milagre. Milagre vintenário, é certo, mas que se efetivaria mesmo a contragosto de muita reza cantada e torcida nas madrugadas, para que ela jamais tivesse o fim que teve. A santa padroeira, ao colo igualmente puro de um sacerdote modelo, marcaria, em sua passagem, abençoando a nova rodovia, a fixação de uma obra que se formou de ideal, de tenacidade, de permanente atenção, de acendrado amor e, principalmente, de espírito público, únicos tentáculos que a alimentaram em vinte anos de trabalhos constantes e de incentivos a quantos tiveram a feliz chance de tributar-lhe um pouco de seu prestígio e autoridade. A sua realidade objetiva foi somente desse processo histórico, desse modus faciendi, desse élan em que se formam os grandes espíritos, aqueles que são capazes de construir sem a obstinação do lucro fácil, de erguer alguma coisa sem a morbidez da vaidade, de semear para que os pássaros colham o alimento necessário aos filhos.

Foram essas as sementes daquele sonho que não pousou na mentalidade estéril de descrentes e nem na inteligência dos que pecam em pensamentos e obras. Frutificou tanto que agora a árvore do bem e da virtude necessita de escadarias de ouro para alcançar suas copas, suas flores e seus frutos. E nem todas as mãos poderão ali pousar, sem que os rebentos da sementeira murchem dolorosamente, como os da lenda antiga que transformava em pedras os pomos tocados pela maldade dos homens maus e impiedosos.

O que ocorre com a rodovia, permitindo acesso fácil entre Belém e o Mosqueiro, é a constatação do bem público efetivado, da obra que presta serviço comunitário, do empreendimento que se justifica por si mesmo, aquele que muitos trogloditas de ontem julgavam inoportuno, inexeqüível, absurdo, antieconômico, loucura inútil e, agora, são eles os primeiros a usufruir suas vantagens, seus benefícios, seus interesses inconfessáveis. Para os que amam aquela ilha, para os que sempre acreditaram na obra rodoviária, para os que colaboraram de uma forma ou de outra, ela foi e é, apenas, o que todos desejavam: a solução técnica para a penetração no balneário, sem os atropelos, os desgastes, as canseiras, as despesas, os infortúnios e dispêndios antes pelo barco do Snapp sucessor da velha “Port of Pará” que introduzira a navegação a vapor de Belém até o Mosqueiro.”

“Pela sua natureza típica, a ilha balneária do Mosqueiro possui todas as características para se tornar um grande centro subsidiário da capital. Não só sob esse aspecto de centro turístico por excelência, mas, também, pela amplitude de suas terras, pela riqueza de suas florestas, pelo seu solo ubérrimo, pela sua extensão territorial, pelo seu clima ameno, pela sua proximidade a Belém, pela sua integração à área metropolitana preconizada pelos mestres da economia regional.

O aproveitamento dessas qualidades, aliado à questão turística e às suas condições privilegiadas para funcionar como centro de abastecimento da capital, centro agropecuário e de indústria da pesca, além de permitir instalações modelos para o desenvolvimento da agricultura e do interesse pela criação, a região do Mosqueiro, parte integrante e de importância na expansão da cidade, como elemento vivo da área metropolitana, poderá ser transformado em uma espécie de módulo experimental no seu sentido econômico, implantando-se, em fases distintas e em terrenos próprios, as fontes de produção e abastecimento da capital paraense, nos moldes utilizados aos cinturões verdes, nos limites perimetrais do centro urbano.

Belém cresce no rumo leste, entre as duas bacias predominantes do Guajará e do Guamá. Estende-se a cidade nesse promontório, nessa península extensa que tem início em Ourém pela costa guamaense e na Tijoca, na orla guajarina. O eixo de expansão se centraliza, desde sua saída em São Braz (centro suburbano), alcançando o centro rodoviário (Entroncamento) e dirigindo-se no curso da velha estrada do Maranhão dos tempos primitivos em direção de Ananindeua, Santa Izabel, Castanhal, etc.

Necessariamente, o eixo de crescimento vai ter suas fronteiras tangenciais, na altura de Ananindeua ou Benevides, fixando a metrópole e determinando sua faixa de expansão urbana, suburbana, periférica com seus atuais arrabaldes. Contrastando com o começo do século (XX), sente-se que o fraturamento do antigo município de Belém, o ainda existente à época progressiva dos governos Montenegro-Lemos, com a delimitação de novas áreas, em nada contribuiu para prosperidade dessas novas áreas municipais; há um regresso e a expansão de Belém, como há muito defendemos, vai receber de volta suas terras antigas, incluindo-se, então, estes dois últimos municípios, para a fixação de uma terceira légua, indispensável à evolução da cidade no rumo oriental de seu crescimento.

Todas essas razões vinculadas ao problema do Mosqueiro se unificam em um só todo, como que a exigir, nessa forma evolutiva, a incorporação de regiões que hoje dependem diretamente da grandeza da capital paraense e sem a qual estariam condenadas a um futuro incerto. E a construção da ponte, objeto desses estudos, sem dúvida, é fator que se impõe, tal como a abertura da rodovia Montenegro para Icoaraci, a Avenida Cabral para o Cais, a do Coqueiro para o contorno geográfico dos seus limites, a perimetral no Guamá ao lado da Universidade e a penetração já projetada para as terras do “Aurá”. Observa-se, à primeira vista, a necessidade de se compor um plano diretor dessa área metropolitana, incluindo-se legislação específica que defina a utilização das terras, os planejamentos horizontais das zonas de expansão e as delimitações das diversas características de que Belém necessita, em função de seu passado grandioso, para garantir o futuro que se aproxima vertiginosamente e carece, do poder público, atenção cuidadosa e especial, para evitar-se, em tempo, os dissabores decorrentes do crescimento desordenado, criando a indisciplina urbana e tornando impraticáveis as soluções dos problemas infraestruturais.

Senhores:

Acreditamos, sem sofismas e confiantes, no crescimento desta cidade em termos amazônicos, isto é, de grandiosidade e de opulência. Não poderíamos excluir dessa nova ordem o que está autêntico neste fim de século, a incorporação à cidade propriamente dita dessas áreas circunvizinhas e que, de uma forma ou de outra, serão atraídas pelo natural desenvolvimento da urbe belemense.

Passou a época em que as vilas do Pinheiro (hoje Icoaraci), a de Ananindeua, a de Benevides e a do Mosqueiro, e esta, principalmente, pareciam distantes do centro urbano. Isso ocorria aí pelos idos do século passado (XIX), quando o governo edificava a cidade para o futuro, erguendo obras duradouras, majestosas e definitivas, como o Teatro da Paz, a Prefeitura Municipal, a ampliação dos bairros na Campina, os primeiros passos para a solução dos problemas de abastecimento d’água, a pavimentação das ruas principais, a instalação da ferrovia bragantina, a delimitação de novas artérias, a abertura dos bairros do Umarizal, do Marco e do Souza. Logo após viria a bélle-époque do fastígio da borracha e o ciclo gigantesco das obras monumentais do Governador Augusto Montenegro e do Intendente Antônio Lemos. Isso daria à capital do Estado prestígio único na comunhão brasileira. Daí partiram novas aventuras nesse processo expansionista da cidade em direção ao sertão, no eixo predominante da primitiva estrada do Maranhão, depois Tito Franco, hoje Almirante Barroso. Dessa maneira, o alargamento urbano, a conquista dos arredores, a aproximação dos vilarejos periféricos à cidade se comportariam, é lógico, como centros de atração para que a velha instalação de Castelo Branco se tornasse iminentemente continental, fugindo às influências dos rios, das orlas marítimas ou fluviais.

Dessas conclusões, é certo o caminhar da evolução urbana de Belém no sentido de sua continentalização, a mesma amplamente defendida pelo professor Eidorfe Moreira em belo trabalho sobre a nossa cidade. Quanto mais ela penetra, diríamos, mais caminha em seu próprio encontro, pois é de leste que virá a sua prosperidade econômica, social, política, geográfica e turística, para não permanecer apenas como qualquer outra cidade brasileira litorânea, mas eixo de comando, pórtico real e indiscutível dessa Região Amazônica imensamente rica, permanente boca-do-sertão desse continente planiciário que, desde seus primeiros dias, dirige, orienta e pensa através de sua gente e da inteligência de seus filhos.

E nesse complexo de sua formação, Belém traz, dentro de si mesma, aquele determinismo histórico estereotipado em seus três séculos e meio de progresso, onde, certamente, a Ilha do Mosqueiro tem papel preponderante e decisivo para a saúde e a felicidade de sua população, que vive, trabalha, luta e sonha por dias melhores, sob o sol inclemente do equinócio e a dureza natural de um clima forte e imutável da Região Amazônica, da qual ela é propulsora dando a vida de sua vida à mais bela cidade plantada pela mão do homem na linha Equatorial.”

(Meira Filho, Augusto – “Mosqueiro Ilhas e Vilas”, Grafisa Ed., 1978, pp. 500, 501, 506, 507 e 508).

O autor:

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AUGUSTO EBREMAR DE BASTOS MEIRA, filho de José Augusto Meira Dantas e de Anézia de Bastos Meira, nasceu em Belém do Pará, no dia 5 de agosto de 1915. Cursou o Primário no Colégio Nossa Senhora de Nazareth, o Secundário no Ginásio Paes de Carvalho e o Superior na Escola de Engenharia do Pará. Foi escriturário na antiga Câmara dos Deputados, desenhista e auxiliar de engenheiro e, como engenheiro civil, ocupou vários cargos no Serviço Público do Estado do Pará, sendo agraciado com diversos diplomas e medalhas de Honra ao Mérito. Como parlamentar, foi Vereador, líder da ARENA, de 1971 a 1973, trajetória cuja importância se acha traduzida no fato de o prédio que abriga a Câmara ter recebido o seu nome: Palácio Augusto Meira Filho. Destacou-se também como jornalista em “A Província do Pará”, historiador e escritor. Além de artigos e conferências publicados em sua maioria na Revista de Cultura do Pará e de diversos discursos e notas de viagem, produziu obras fundamentais para a compreensão da história da capital paraense: “O Bi-Secular Palácio de Landi” (1973) e “Landi, Esse Desconhecido” (1976), ambos dedicados ao arquiteto italiano Antônio Landi; “Contribuição à História de Belém” (1974), “Evolução Histórica de Belém do Grão-Pará” (1975), “Contribuição à História da Pintura na Província do Grão-Pará no Segundo Reinado” (1975), “Antonio José de Lemos – o Plasmador de Belém” (1978), “Mosqueiro Ilhas e Vilas” (1978). Augusto Meira Filho faleceu em 1980, quatro anos após ver realizado um sonho que perseguiu durante trinta anos de sua vida: a inauguração da rodovia que tem o seu nome e da ponte sobre o Furo das Marinhas que liga a ilha do Mosqueiro ao continente.

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FONTES: MEIRA FILHO, Augusto. “Mosqueiro Ilhas e Vilas”- ED. GRAFISA, 1978- pp. 571, 572, 573, 574, 575 e 576

http://vereadoravanessa.blogspot.com/2011/02/augusto-meira-foi-homenageado-pela.html

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