quarta-feira, 21 de junho de 2023

A OUTRA FACE DA ILHA: TERMINAL HIDROVIÁRIO DO MOSQUEIRO: UMA PONTE PARA O NADA OU CARTÃO POSTAL PARA INGLÊS VER?

Construído pelos ingleses, o Trapiche do Mosqueiro, inaugurado em 06 de setembro de 1908, foi uma obra de grande importância, considerando-se o aumento do fluxo turístico para a nossa Ilha. A linha Belém-Mosqueiro-Soure, durante seis décadas, foi servida por diversos navios de grande porte, inclusive um de classe turística construído na Holanda: o saudoso Presidente Vargas, o cisne branco do rio Pará. Na década de 50, começaram a construir um trapiche em concreto, cujo projeto só ficou no papel, pois não passou da triste imagem de pilares levantados e abandonados ao lado do antigo porto. Com o Presidente Vargas afundado nas águas do rio Paracauari, em 1972, e com o monopólio dos ônibus da Empresa Beira Dão, o povo do Mosqueiro ficou “a ver navios” passando ao largo. E, com o correr do tempo, o histórico trapiche foi envelhecendo e desmoronando, esquecido pelo Poder Público.

Em 2014, o Governo Federal, na gestão da Dilma, liberou a verba para a construção de um Terminal Hidroviário, o qual deveria solucionar o problema de transporte, já que, na Amazônia, os rios são estradas. Acontece que o Terminal do Mosqueiro, para ser construído, levou mais tempo do que a Ponte Sebastião Rabelo de Oliveira, a qual liga a Ilha ao continente e tem quase um quilômetro e meio de extensão.

Inaugurado este ano, pelos governos estadual e municipal, sob a suave pressão do Ministério Público Federal, até que é bonito de se ver, mas está longe de atingir sua finalidade: não existe a linha Belém-Mosqueiro, responsabilidade da administração do Município e se, eventualmente, alguém precisar da linha estadual das lanchas Golfinho para ir de Mosqueiro a Soure, terá de comprar as passagens no Terminal de Belém. Em tempos de internet, de redes sociais, de pix, de cartões de débito, de compras on-line até de passagens de balsas e de aviões, isso, além de ser ridículo e cômico, é sinal de atraso e despreparo.

Olha, gente, no tempo dos ingleses o trapiche funcionava e isso acontecia no início do século passado! Ou vai servir de pano de fundo para turista registrar em sua selfie?

terça-feira, 28 de março de 2023

NA ROTA DA HISTÓRIA: A MORTE DO CISNE BRANCO DO RIO PARÁ

A misteriosa história de um navio feito na Europa, de luxo nunca visto no norte do Brasil, com poltronas de couro, ar condicionado e capacidade para 500 passageiros que, antes de naufragar, permitiu que todos os passageiros desembarcassem tranquilamente no cais e depois afundou. Uma história conhecida como o Titanic da Amazônia.









Houve um tempo em que navios fabricados na Europa ligavam Belém a toda a grande região da Amazônia. Lá dentro, a classe popular, em suas redes, convivia de maneira pacífica com a classe executiva em seus camarotes, salas de leitura e restaurante. Parte deles naufragou nos rios, parte virou ferro velho, condenando ao esquecimento um capitulo muito especial na história desta terra.

Os navios da chamada Frota Branca, eram as joias mais especiais da ENASA, a Empresa de Navegação da Amazônia. Foram os mais luxuosos e velozes que já passaram por aqui, vindos da fábrica da Holanda, atendendo o Marajó e o baixo amazonas, com capacidade para levar até 500 passageiros cada. Depois de uma vida relativamente curta e de muitos serviços, tiveram fins trágicos como a Empresa que sumiu nos desvios e descontroles públicos do país.

O navio Leopoldo Perez, ao navegar pelo estreito de Breves, foi abalroado por uma corveta da marinha, afundando imediatamente. Apesar de ser noite e estar com cerca de 400 passageiros a bordo, não houve vítimas. O Lobo D’Almada e o Lauro Sodré acabaram abandonados em um dos portos na margem da baía do Guajará, num cemitério de navios, em virtude de uma disputa judicial. O Augusto Montenegro acabou quase totalmente no fundo da baía de Guajará, próximo ao barranco de Miramar em Belém.

O último a ser apresentado, o Presidente Vargas, foi o mais luxuoso e o primeiro a deixar a Frota. O Presidente Vargas tinha três classes distintas e ar condicionado. Era domingo, 04/06/1972, às 21 horas no Porto de Soure, na ilha do Marajó. Havia desembarcado toda a sua lotação de passageiros. No misterioso naufrágio, em que não houve vítimas, rumores falavam em crime premeditado por obscuras razões, considerando que o navio tinha, recentemente, passado por reformas. O navio "fez água" calmamente, a ponto de passageiros e tripulação poderem sair ilesos do "Presidente Vargas". As circunstâncias do naufrágio - nunca esclarecidas - e as tentativas frustradas de retirá-lo do fundo do rio Paracauary apontam para um "naufrágio calculado", na opinião de um especialista da área. Um naufrágio que ficou conhecido como o do Titanic da Amazônia.

Era considerado a mais suntuosa embarcação de toda a bacia amazônica. Com poltronas de couro, cada uma com cinzeiro, o navio tinha cara de iate. Seus amplos compartimentos e largos corredores se assentaram no imaginário de quem viveu a época. Sucateada e mal administrada, a ENASA passou para o controle do Estado do Pará no final da década de 1990. Desapareceria de cena alguns anos depois.

Fontes: ignacioneto.blogspot.com.br / Salomão Laredo/ O Liberal. Belém Antiga é um Projeto Salomão Mendes Imóveis.

domingo, 26 de março de 2023

A OUTRA FACE DA ILHA: SERÁ UMA PONTE PARA O NADA?

NA ROTA DA HISTÓRIA: O TRAPICHE DA VILA


De suma importância, quando a ilha era ligada a Belém exclusivamente por via fluvial, o Trapiche da Vila do Mosqueiro data do século XIX, antes mesmo de o “Gaivota”, primeiro barco a vapor da linha regular, fazer o transporte de passageiros. Sabe-se, por exemplo, que, em 1891, acontecia uma demorada reforma do velho trapiche, conforme notícia publicada em edição do jornal da época “O Democrata”.
Aliás, quando europeus e americanos, no final daquele século, descobriram a ilha como balneário aprazível, recanto e encanto para o repouso de fim-de-semana, as viagens eram feitas em pequenos barcos. Belenenses bem aquinhoados e comerciantes portugueses, libaneses e hebraicos aprovaram a ideia e acabaram construindo imponentes casarões na orla praiana, onde surgiriam trapiches particulares, marcando alguns um lugar na história, como o da família de Arthur Pires Teixeira (Porto Arthur, hoje nome da praia) e o da família de José Franco (Porto Franco, que passou a designar a vivenda localizada na praia do Chapéu Virado).
Certo é que, no dia 06 de setembro de 1908, inaugurava-se um novo trapiche em armação de ferro e pista de madeira, tendo na extremidade uma coberta em estilo arquitetônico francês. Posteriormente, outras reformas ocorreram, mas o projeto de um ancoradouro em cimento armado não saiu do papel, restando algumas pilastras tubulares abandonadas à ação implacável do tempo.
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O Trapiche da Vila em 1908 (Fonte: A. Meira Filho

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O Trapiche da Vila no início do século XX (Fonte: Família Mathias)

Por décadas, nesse primeiro portal da ilha-paraíso, atracaram navios muitas vezes apinhados de gente ávida por gozar as delícias de uma terra ainda selvagem e misteriosa. Assim, além do “Gaivota”, aportaram “Mosqueiro” e “Soure” (navios de uma empresa de alemães, em 1915), o “Valparaíso”(da firma do Sr. Alberto Engelhard), o “Almirante Alexandrino” (navio da empresa Port of Pará, o qual foi pilotado pelo Comandante Ernesto Dias, famoso por suas manobras precisas e seguras) e o saudoso “Presidente Vargas” (navio fabricado na Holanda, especialmente para a linha Belém-Mosqueiro, sempre pilotado pelo Comandante Hosana Pacheco; viajou de 1958 a 1972, quando inexplicavelmente afundou em frente à cidade de Soure, no Marajó).
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O famoso vapor “Almirante Alexandrino” (Fonte: A. Meira Filho)

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O saudoso navio “Presidente Vargas”, o cisne branco do rio Pará (Fonte: A. Meira Filho)

Naquele tempo, era moda esperar a chegada do navio, o que geralmente acontecia às seis da tarde, e receber os passageiros ruidosamente, com palmas, assovios, gritaria e vaias estrondosas. O interessante é que muitos vaiavam sem saber exatamente o porquê. O importante era seguir quem começou. Ai do primeiro passageiro que, ao subir a rampa, pisasse no marco de forma redonda, ali localizado e encoberto, hoje, pelo asfalto! Xingamentos não faltavam para o desavisado. Não sei o significado do tal marco, mas, segundo dizem, representa o ponto da maior maré que já atingiu a ilha. E a rampa do trapiche era, na época, o ponto obrigatório para a moçada e, enquanto aguardavam o navio, alguns paqueravam e outros jogavam futebol nas areias da praia (o “beach soccer” não foi novidade por aqui).
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“Chatinha” dos SNAPP que fez várias viagens para a ilha (Fonte: A. Meira Filho).

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Navio “Lobo d’Almada”, navio substituto do “Presidente Vargas” (Fonte: A. M. Filho)

Após o navio atracar, tudo era animação e muito colorido, no vai-e-vem dos carregadores de bagagens e seus carrinhos-de-mão identificados com chapas numeradas; no corre-corre dos passageiros buscando os melhores lugares nos autolotações; na disputa do inigualável tacacá da Dona Raimundona, senhora gorda e muito simpática; na movimentação das bonitas garotas e senhoras ostentando roupas da moda, chapéus de palha, tamancos (que, na Vila, eram produzidos pelo Seu Cesário e pelo Espanha) e varetas bordadas; na música gostosa do Rauland-Mansour tocada no Praia-Bar, convidando à dança e ao bate-papo com os amigos, sempre regado à cerveja bem geladinha; e até mesmo na repressão da polícia aos jogadores de “beach soccer” que, sorrateiramente, se posicionavam sob o trapiche para espiar, através das frestas, as calcinhas (ou seriam calções?) das mulheres. Enfim, era um caos festivo e gostoso: recepção calorosa nos risos, sorrisos, apertos de mão e abraços efusivos; bagagens que se avolumavam aos montes causando tropeços; mães visivelmente preocupadas com os filhos menores, pássaros antes cativos e agora soltos no meio da multidão; pregões aos berros dos vendedores de jornais, paçoca de gergelim, pirulitos embandeirados e sorvetes de raspa-raspa. Mas a festa acabou.
Depois do “Presidente Vargas”, o cisne branco das águas do rio Pará, que desapareceu tragicamente como o seu patrono, e anos de paralisação, a linha fluvial ressurgiu no governo do prefeito Hélio Gueiros e foi novamente desativada no segundo mandato do prefeito Edimilson Rodrigues, com a alegação de prejuízo financeiro. O prefeito Duciomar Costa até que tentou resgatar essa tradição da ilha, reativando a linha e inaugurando o barco de classe turística “Antônio Lemos”, com capacidade para 400 passageiros. Hoje, entretanto, povo e turistas continuam “a ver navios” passando ao largo. É bom lembrar que, mesmo no tempo dos réis e dos tostões, a navegação para o Mosqueiro sempre foi subsidiada. 
Como se fosse pouco a falta do navio, Centenário Trapiche da Vila, que, no decorrer dos anos, diminuiu de tamanho e mudou de linha (já fazia curva), em verdade, não precisava de reforma e sim de restauração e conservação, por ser um patrimônio histórico da mais alta relevância. Como isso não aconteceu, desaparece irremediavelmente, sendo substituído por um moderno Terminal Hidroviário.

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O Trapiche Centenário. Ao fundo, Tatuoca e Cotijuba (Foto: Gerlei Agrassar)

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O primeiro portal da ilha-paraíso (Foto: C. S. Wanzeller)