terça-feira, 15 de março de 2016

NA ROTA DA HISTÓRIA: O SÍTIO CONCEIÇÃO

Autor: Prof. Eduardo Brandão

Dedico essa publicação para João Cláudio Cordeiro da Silva, cuja dedicação permitiu a preservação do Sítio Conceição, tão importante  para a memória de Mosqueiro.


Quando éramos pequenos e meus pais já haviam construído a casa deles na Rua Luís Clementino, algumas vezes fomos visitar uma família amiga que possuía uma casa muito diferente daquelas que estávamos acostumados a ver em Mosqueiro. Todos dentro do carro nos dirigíamos pela estrada que dava acesso à Vila da Baía do Sol, no meio do percurso havia uma pequena cancela do lado esquerdo, meu pai parava o carro, abria a cancela e entrávamos em um caminho estreito no meio da floresta que ali existia. A partir desse ponto, eu tinha a sensação que estava seguindo por dentro do Paraíso, ao nosso lado se multiplicavam grandes árvores intercaladas por arbustos menores, quando olhávamos para cima, as copas quase não deixavam avistar o céu. Passados alguns minutos, que nos pareciam eternos tais as belezas que podíamos apreciar, começávamos a perceber que estávamos sobre um barranco e que lá embaixo estava a praia. De repente uma clareira se abria e podíamos avistar um casarão pintado de branco com alguns detalhes em azul, era a Casa Grande do Sítio Conceição, toda circundada por um belo jardim e uma pequena praia bem na sua frente.

Casa Grande do Sítio Conceição (Foto: Eduardo Brandão).

Minha família guardava antigas e saudosas relações com os Silva, proprietários do Sítio. Quando jovem, minha bisavó Sinhazinha, mãe do meu avô Lauro Brandão, costumava ir de barco passar férias naquela localidade, pois ela era amiga das filhas do casal José Leocádio da Silva e Maria do Carmo da Silva, construtores do Sítio. Meu bisavô, Francisco Cardoso, morador de Mosqueiro, esteve por lá algumas vezes no exercício das suas funções de parteiro e Juiz de Paz, seus filhos Cláudio e Euvaldo foram alunos da professora Antonica, filha de Leocádio e Maria do Carmo. Minha mãe, Maria de Lourdes, iniciou seus estudos no Externato São Geraldo que ficava na Rua Joaquim Távora, na Cidade Velha, de propriedade da professora Antonica, tendo sido aluna dela e da sua irmã Ritinha. Este estabelecimento de ensino foi fechado por ordem do Governador Magalhães Barata ao saber que os Silva eram adversários dele na política.

Acesso à prainha da Conceição (Foto: Eduardo Brandão).

Como o leitor do Blog Mosqueiro Pará Brasil pode ver, eram por essas e por outras razões que sempre íamos visitar os descendentes dos Silva no Sítio Conceição. Nesta publicação pretendo oferecer um pouco sobre a história desta propriedade, algumas curiosidades e os detalhes arquitetônicos da mesma.

Um pouco de História.

O terreno onde se localiza o Sítio Conceição é resultado do desmembramento das terras ocupadas por Simão Nunes e doadas, em 06 de dezembro de 1746, para o seu filho, Padre Antônio Nunes da Silva, através de Carta e Data de Sesmarias. Integrante da terceira geração dos Silva, Tomaz da Silva com sua esposa Izabel tiveram quatro filhos: Fernando, Jorge, Leocádio e Tomaz Filho. Para cada filho ficou uma determinada porção de terra. Desse modo, essa propriedade foi assim dividida: ao Fernando, coube o sítio Paraíso; ao Jorge, o Sítio Paissandu; ao Leocádio, o sítio Conceição; e ao Tomaz Filho, as áreas de terra da Fazendinha. Maiores detalhes sobre essa história, já foram relatados no Blog Mosqueiro Pará Brasil através do artigo A família Silva e as terras da Baía do Sol em Mosqueiro.

Imagem da Virgem da Conceição, devoção de Leocádio e sua família (Foto: Eduardo Brandão).

Assim sendo, o Sítio Conceição foi construído pelo capitão da Guarda Nacional, Leocádio José da Silva, com auxílio de seus escravos em uma localidade inicialmente denominada “Paraguai”. O velho Leocádio era profundamente religioso e devoto da Virgem da Conceição, razão do nome de sua nova propriedade. Casado com Maria do Carmo Silva, Leocádio teve sete filhos, Leocádio da Silva Júnior, Isabel da Silva, Mariana Augusta da Silva (Perdigão), Rita do Espírito Santo da Silva (Alvares), Antônia Paes e Silva, Gabriel Arcanjo da Silva e Florêncio José da Silva, este último genitor de Bento José da Silva, conceituado contador. Durante muito tempo, coube ao filho de Bento, João Cláudio Cordeiro da Silva, funcionário do Banco do Brasil, a tarefa de cuidar e preservar com muito carinho e dedicação essa preciosa herança, tão importante para a história e para a cultura de Mosqueiro. Com o falecimento do João Cláudio, seu filho, conhecido como Claudinho, passou a ser o responsável pela propriedade.

Perspectiva da Casa Grande do Sítio Conceição (Foto: Eduardo Brandão).

Curiosidades

·         A Capela do Sítio Conceição:

Em 1864, Leocádio construiu, anexa à Casa Grande, uma Capela para a devoção de Nossa Senhora da Conceição, possuindo uma entrada especial e uma sala contígua, conhecida como a “Sala do Padre”.

Varanda da Casa Grande do Sítio Conceição, à esquerda a entrada da Capela (Foto: Eduardo Brandão).

Em 16 de dezembro de 1884, seu proprietário enviou um requerimento ao Bispo solicitando permissão para “benzer o seu oratório na Casa de sua residência, e fazer nele a Celebração do Santo Sacrifício da Missa e ministrar os Sacramentos do Batismo, da Penitência, sem prejuízo dos direitos paroquiais”. A grande distância do Sítio até a Vila do Mosqueiro ou da Baía do Sol e a dificuldade de acesso, foram os seus argumentos para convencer o Bispo. Havia a necessidade daquela Capelinha ou Oratório para atender, pelo menos, aos moradores daquela parte da Ilha do Mosqueiro, quase esquecida pelos administradores desde aquela época.

Altar da Capela do Sítio Conceição (Foto: Eduardo Brandão).

A licença foi concedida e a Capela recebeu sua benção em 10 de janeiro de 1885, pelo Padre Castilho, então vigário de Benevides. Essa licença foi renovada em 17 de novembro de 1887, aprovada e despachada em 10 de dezembro de 1889, pelo monsenhor Arcediago Coelho.
D. Lustosa certa vez, quando de sua Visita Pastoral àquelas terras, disse que “sentia na Casa Grande da Conceição, com sua linda Capela, uma verdadeira Catedral em miniatura”. Ele sempre pernoitava na Conceição.

Altar e retábulo com pintura erudita na Capela do Sítio Conceição (Foto: Eduardo Brandão).

Foram as filhas de Leocádio, Rita e Antônia, as idealizadoras da procissão que ocorre todo no dia 8 de dezembro percorrendo as matas da propriedade e prestigiada por um grande número de moradores da Baía do Sol. Relembrando sua juventude na Conceição, Antônia relatou ao historiador Augusto Meira Filho que viu ali um oficial de marinha, doente e que só caminhava de muletas, retornar para Belém curado deixando na Capelinha as muletas como lembrança do milagre que havia conquistado nas águas e na praia de Mosqueiro, mais precisamente na praia que fica em frente ao Sítio Conceição. Esse relato corrobora com a tese que defende a importância de Mosqueiro para a saúde de muitos, o Mestre José Sidrim, meu bisavô Francisco Cardoso e o pai da escritora Raquel de Queiroz são alguns exemplos.

Celebração de Missa campal no Sítio Conceição (imagem da internet).

Procissão no Sítio Conceição (imagem da internet)

A querida professora também recordava das Pastorinhas do Natal, os banhos de cheiro no São João e as festas memoráveis em louvor à Conceição, celebradas anualmente pelo seu pai.

·         A Política em tempos idos:

A Professora Antonica, como era conhecida Antônia, filha de Leocádio, também relatou ao historiador Augusto Meira Filho que sua família sempre foi simpatizante do político paraense Lauro Sodré, adversário do Senador Antônio Lemos. Em tempos onde a rivalidade entre “lauristas” e “lemistas” era acirrada, o Sítio Conceição foi alvo de um atentado no mínimo curioso. Em pleno carnaval, um “lemista” entrou sorrateiramente na casa de Leocádio e jogou confeti nas panelas de comida, estragando o almoço, e escafedendo-se pela praia.

Governador Lauro Sodré       Senador Antônio Lemos


Formada na escola Normal, em 1903, a professora Antonica precisava trabalhar e desejava uma colocação no ensino na Capital. Seu pai jamais permitiu que ela solicitasse qualquer favor ao velho Antônio Lemos, líder político mais influente na época em que o Pará era governado por Augusto Montenegro. Com a morte de seu pai, Antonica procurou Lemos, mantendo com o Intendente de Belém o seguinte diálogo:

Lemos – “Por quê a senhora professora não me procurou há mais tempo, já que formou-se em 1903” (Era o ano de 1908)

Professora Antonica – “Porque, Senador, meu pai era 'laurista' apaixonado e não permitia e nem admitia que uma filha sua pedisse favores ao Sr. Senador Lemos. Fomos por ele proibidas de assim proceder, fosse o fosse...”

Lemos – “O Lauro é mais feliz do que eu com os seus amigos porque são leais! São sinceros...”

Em seguida, Lemos chamou o secretário e mandou nomeá-la professora estadual na Vila do Mosqueiro. Lecionou no Grupo Escolar “Mâncio Ribeiro”.

·         A Prainha da Conceição e a Praia do Padre:

Na frente da Casa Grande do Sítio Conceição existe uma pequena enseada onde encontramos a “Prainha da Conceição” que sempre foi frequentada por seus proprietários e visitantes. Após a formação rochosa existente no lado esquerdo da prainha, podemos avistar a baía do Sucurijuquara, a ilha do Maracujá e a praia do Paraíso. Bem à frente temos a ilha das Pombas formada por pedras escuras e alguma vegetação. No lado direito, depois de ultrapassar algumas pedras, chegamos à outra praia, é a “Praia do Padre”. Essa denominação se justifica pela necessidade de oferecer mais privacidade aos religiosos que para lá se deslocavam com o objetivo de celebrar missas, casamentos, batizados ou simplesmente visitar a família.

Prainha localizada na frente do Sítio Conceição (Foto: Eduardo Brandão).

Vista da Praia do Padre (Foto: Eduardo Brandão).


Vista da Ilha das pombas, localizada em frente à prainha da Conceição (Foto: Eduardo Brandão).


Vista da Baía do Sucurijuquara e a Praia do Paraíso ao fundo (Foto: Eduardo Brandão).

Nessas praias podemos avistar dois tipos de armadilha para capturar peixes. Os “Currais” ou “Cacuris”, de origem indígena e as “Camboas”, técnica trazida por escravos africanos que trabalharam no Sítio Conceição. Os “Currais” são confeccionados com talas de Paxiúba, enquanto as “Camboas” são formadas por pedras arrumadas de maneira a aprisionar o pescado com a descida da maré.


Cacuri ou Curral na Baía do Sucurijuquara, armadilha para capturar peixes de origem Tupinambá (Foto: Eduardo Brandão).


Aspectos Arquitetônicos.

Em sua obra Vivendas Rurais do Pará – Rocinhas e outras, o arquiteto e professor do curso de arquitetura da Universidade Federal do Pará, Roberto de La Rocque Soares, descreve que, durante a pesquisa sobre as Rocinhas, surgiu, em paralelo, referências diversas a outras vivendas rurais como: sítios, chácaras, fazendas, fazendolas, retiros, dentre outros. Por uma opção metodológica da pesquisa o trabalho ficou restrito aos vocábulos “Rocinha”, “Sítios” e “Chácaras”.

Fachada da Casa Grande do Sítio Conceição (Foto: Eduardo Brandão).

Vista da Varanda da Casa Grande do Sítio Conceição. No detalhe o sino (Foto: Eduardo Brandão).

Sem abusar de preciosismo desnecessário, o pesquisador aponta três aspectos para entender o que levavam os paraenses a distinguir sítios e rocinhas: acesso, partido geral e denominações. Enquanto o acesso às rocinhas era por terra, os sítios, em geral localizados às margens dos rios da região, tinham como seu primeiro e às vezes o único acesso, os caminhos de água. Quanto ao Partido Geral Arquitetônico dos prédios principais (as “casas grandes”) dos sítios, não havia a preocupação de proteger o setor íntimo da moradia dos transeuntes através de varandas no seu perímetro, somente a adaptação ao clima. Os sítios eram habitualmente conhecidos pelos nomes dados pelos seus proprietários. Já as rocinhas poucas tinham denominação.

Varanda da Casa Grande do Sítio Conceição (Foto: Eduardo Brandão).


O Sítio Conceição integra o conjunto de sete vivendas onde seus aspectos arquitetônicos foram levantados e devidamente registrados através de fotografias, tabelas discriminando os elementos construtivos, planta baixa e elevações.

Elementos construtivos do prédio principal do Sítio Conceição

Item
Discriminação
Local e acesso
Mosqueiro, Baía do Sol, Praia da “Conceição”, em frente a Ilha das Pombas.
Estado de Conservação
Razoável, exigindo reparos continuados. É utilizada para os fins de semana ou veraneio.
Pisos
Cimentado na grande varanda; ladrilho hidráulico regional na varanda anexa. Assoalho de tábuas largas nos dormitórios. Cimentado vermelho em apenas um dormitório utilizado como depósito. Lajotas cerâmicas atuais na Capela.
Altura do Assoalho
Variação de 0,50 a 1,60m em função do desnível do terreno em direção à praia.
Paredes Externas
Enxaimel as antigas, quase todas hoje substituídas por madeira.
Paredes Internas
Idem, idem.
Pé direito de 3,60 e 2,35, varia.
Varandas e Pátios
Varanda principal de acesso na fachada (N) com parapeito de fechamento sem janelas em cima.
Pequena varanda posterior (S).
Forros
Só existem na Capela, com tratamento em losangos salientes, substituindo a antiga talha, mais erudita.
Telhados
Telhas de barro tipo “canal” no prédio principal e de barro retangulares, no anexo.
Estrutura: madeiramento rústico roliço.
Beirais
Caibros brutos roliços com “cachorros” trabalhados com desenho simples, 0,70m.
Escadas
Todas em alvenaria de pedra e cimento, antigamente alisado.
Capela
Dedicada à “Nossa Senhora da Conceição”. Tem sacristia anexa. Altar e retábulo (com pintura erudita) conserva imagem e castiçais originais.
Ambiente, Paisagem e Cruzeiro
Segundo seus proprietários, a paisagem é mesma de 100 anos atrás. O prédio principal e o cruzeiro na frente dominam a visão próxima à praia. No cruzeiro eram enterrados os nat mortos da família. Há um antigo sino na fachada que está voltada para a praia.


Planta Baixa da Casa Grande do Sítio Conceição




Elevações da casa Grande do Sítio Conceição



Fotografias

Entrada Principal da Casa Grande do Sítio Conceição (Foto: Eduardo Brandão).
Varanda da Casa Grande do Sítio Conceição (Foto: Eduardo Brandão).

Detalhe do Telhado do Sítio Conceição (Foto: Eduardo Brandão).

Interior de um dos quartos do Sítio Conceição (Foto: Eduardo Brandão).

Detalhe da escápula para pendurar redes no Sítio Conceição (Foto: Eduardo Brandão).

Janelas em um dos quartos do Sítio Conceição (Foto: Eduardo Brandão).

Varanda onde a família faz suas refeições no Sítio Conceição (Foto: Eduardo Brandão).

Acesso à cozinha do Sítio Conceição (Foto: Eduardo Brandão).

Detalhe do telhado e da porta principal do Sítio Conceição. Segundo relato de seus proprietários, algumas das telhas ainda existentes foram moldadas na coxa dos escravos que trabalharam na propriedade (Foto: Eduardo Brandão).


Detalhe de janelas em um dos quartos do Sítio Conceição (Foto: Eduardo Brandão).
FONTE: http://mosqueirosustentavel.blogspot.com.br/2015/04/o-sitio-conceicao-na-baia-do-sol-em.html

domingo, 6 de março de 2016

JANELAS DO TEMPO: CHUPA-CHUPA, A HISTÓRIA QUE VEIO DO CÉU ...



POSTADO POR SAFO POETA

O documentário "A História que veio do céu"-2007, foi feito para celebrar os 30 anos do fenômeno "Chupa-Chupa" ocorrido na ilha de Colares que fica a 90 km de Belém do Pará. 
É bom relembrar que o Chupa-Chupa, o ovni-vampiro, também assombrou, em 1977, os moradores da Ilha do Mosqueiro, na Baía do Sol e no povoado de Itapeuapanema.