sábado, 25 de maio de 2013

A FiCÇÃO E A ILHA: SERENATAS NO TRAPICHE

Autor: Cândido Marinho Rocha

Carlindo gostava de falar a Estrela sobre episódios da vida de Paulo Ney, Emílio de Menezes, José do Patrocínio, Castro Alves e outros. Reconhecia no amigo interessado ouvinte. Paulito vinha também, de mansinho, bagana de cigarro pendurada aos beiços. Encostava-se. Ouvia, silencioso, confirmativo. Uma que outra vez lembrava detalhes, que Carlindo aceitava como corretos. Paulito sabia ler, isto é, leituras, na mocidade. Readquiria-se com a palavra do cronista.

A cabeceira da velha ponte de madeira definia-se como sítio adequado porque era afastado do movimento da Praça Matriz. Poucos casais ficavam ali, nas bolinagens e, portanto, indiferentes ao grupo de amigos. Sempre com o violão a tiracolo, Estrela vibrava com as anedotas dos famosos boêmios.

Se a lua descia para os lados da Ilha de Tatuoca, do outro lado da baía, esta, larga e profunda e deserta, parecia enorme plateia de um teatro vazio. Terminadas as piadas, Paulito exibia-se, interpretava os boêmios que, na sua opinião, eram apenas inteligentes vagabundos sociais.

As reuniões não se alteravam, todavia, porque logo moças e rapazes, descobrindo o violonista, rodeavam-no, em alegrias, pedindo canções. E valsas, modinhas antigas. Catulo, Canhoto, Bem-Bem, Aluízio, nos lamentos do instrumento, se reproduziam. A baía dava original acústica e o som de violão viajava sobre as águas como mãos de artista em harpa invisível.

As luzes da Usina do Tio Jorge piscavam para, em seguida, se apagarem. Na total escuridão, o luar espelhava a baía, a serenata crescia, melhorava a acústica e já era então partitura da natureza.

A olorosa madrugada era recebida com a canção do Santa Cruz também conhecido por Zé Nome Feio.

Assim:

             Ai ai ai

             Ai ai ai

             A madrugada que já passou

             não volta mais.

Animavam-se. Palmas assustavam as pirararas marisqueiras e cardumes de pratiqueiras fugiam para longe do barulho. Um que outro peixinho descuidado ficaria ali embaixo esperando migalhas de pão, pedaços de bolachas, restos de roscas.

Quem sabe o Boto estaria também mundiado pela música, ele que, príncipe e amoroso, embora encantado, sabia cantar as cunhãs para o exercício do amor à beira d’água.

De certo a Iara descera dos rios, onde reside, para incorporar-se aos ouvintes do mágico violão daquele que tinha uma estrela na testa.

Quem sabe a Cobra Grande estaria, mais uma vez, calculando a quem daria sonhos de amor, levando para os leitos mulheres belas e novas, proporcionando ilusões?

Quem sabe o Baiacu astucioso, a míope Pirapema, o Tralhoto de quatro olhos, a gorda Piramutaba, a Tainha-mãe, as Corvinas dentuças, o belo Filhote, a multicolorida Dourada, o Capitão Bagre e o Dr. Xaréu estariam, em sociedade, deslumbrados, silenciosos, ouvindo Estrela?

FONTE: MARINHO ROCHA, Cândido. “Ilha Capital Vila”- GRÁFICA FALÂNGOLA EDITORA. Belém-Pa. 1973- pp. 144 e 145).

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