terça-feira, 27 de março de 2012

NA ROTA DA HISTÓRIA: PADRE MANUEL ANTÔNIO RAIOL

Autor: Augusto Meira Filho

Colaborando na pesquisa de assuntos de interesse da Ilha do Mosqueiro, o professor Donato Mello Junior ofereceu-nos a contribuição que segue, relativa à presença do Padre Manuel Antônio Raiol na Ilha do Mosqueiro, sobre o qual nos ocupamos no texto deste trabalho. Eis a valiosa informação levantada pelo ilustre professor, na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro:

                       PADRE MANUEL ANTÔNIO RAIOL

           Centenário da morte do primeiro pároco do Mosqueiro

                                                                                       Donato Mello Junior

                                                              Prof. Da UFRJ – Membro da IHGB

                          Dedicado a Augusto Meira Filho

Na deliciosa ilha do Mosqueiro, uma rua perpetua alguém: Padre Raiol. Raiol é, aliás, o nome de uma família cujo tronco se enraizou no Grão Pará do século XVIII e se ramificou em numerosa descendência (1), com algumas personalidades como a do ilustre historiador Domingos Antônio Raiol.

Quem foi o Padre Raiol, hoje apenas lembrado nessa rua? Seu nome completo, diga-se a propósito, era praticamente desconhecido até há pouco.

Manuel Antônio Raiol foi o nome desse padre que, por dez anos, pastoreou suas ovelhas mosqueirenses até seu falecimento em princípios de julho de 1878, portanto, há cem anos.

Anotáramos, de passagem, seu nome entre múltiplos outros, há alguns anos, ao pesquisarmos no Arquivo Nacional fatos ligados ao bispo D. Antônio de Macedo Costa, no fundo pouco conhecido, mas riquíssimo para a história do clero no Brasil, que é a Coleção Eclesiástica, formada no século XIX (2). Como se sabe, na nossa organização imperial, a Igreja era diretamente ligada ao Estado, no regime do padroado, sistema que, às vezes, ocasionou sérios problemas administrativos e religiosos culminados na famosa Questão Religiosa.

No Império, o Bispo indicava ao Imperador nomes para a escolha de párocos e membros de Cabido, cabendo a este escolher, por decreto, um dos candidatos constantes da lista episcopal.

Na rotina de D. Macedo Costa, ele não só indicava como opinava sobre os opositores e apontava quem deveria merecer o decreto de apresentação..., o que chegou a ser objeto de restrição na Secretaria do Ministério do Império, que defendia o direito de livre escolha por parte do Imperador (3). Compreende-se, no entanto, o interesse episcopal no indicar ao Soberano seu candidato pelo fato de ele depois ficar sob suas ordens.

                Padre Manuel Antônio Raiol candidato a um

                            Benefício da Catedral de Belém

Na Coleção Eclesiástica – Diocese do Pará, da Seção do Poder Executivo do Arquivo Nacional, ano 1848, encontramos 17 documentos originais que se relacionam com o processo de apresentação do padre Raiol a um Benefício na Catedral de Belém e que nos permitiram a reconstituição histórica a seguir.

Em 7 de março de 1848, o bispo D. José de Morais Torres publicou um edital para preenchimento de um Benefício na Sé de Belém, em virtude da vaga deixada pelo acesso do Reverendo Antônio Feliciano de Sousa ao Canonicato (4). A esse Benefício candidatou-se o nosso focalizado Padre Manuel Antônio Raiol, nome que lemos no seu próprio requerimento autografado e dirigido ao Vigário-Geral da Diocese, nestes termos:

“O Pe. Manuel Antônio Raiol, vigário interino da Freguesia de Colares contestando-lhe que se acha vago na Catedral um Benefício, por acesso do seu último possuidor o Rdo. Antônio Feliciano de Sousa a um Canonicato, querendo fazer oposição ao mesmo roga a V.S. se digne aceitar a sua oposição mandando assinar termos na Câmara Eclesiástica e que se lhe passe por Certidão em seguimento desta o mesmo termo, de que E.R.M.” (5)

Lê-se a seguir, o despacho: “Como requer – Pará, 7 de março de 1848”. E, após, a certidão (6):

“Certifico que afixei o Edital retro no dia sete de março do corrente ano de mil oitocentos e quarenta e oito na porta da Igreja Catedral, onde esteve afixado os sessenta dias na forma do Alvará das Faculdades dentro dos quais se opôs o Rdo. Manuel Antônio Raiol e tirei no dia seis de maio por ter fixado o concurso no dia cinco. O referido é verdadeiro em fé do que me assino. Pará, 6 de maio de 1848. O Cônego Antônio José de Sousa Loureiro.”

No Livro 1º. De termos de oposição ou dignidades, canonicatos, Benefícios da Catedral e igrejas do Bispo, a fls. 50 v. foi lançado o “Termo de oposição que assina o Reverendo Manuel Antônio Raiol, vigário interino da igreja paroquial de Colares de um Benefício na Catedral” (7).

Logo depois, o Padre M. A. Raiol, em outro requerimento dirigido a D. José Torres... “oferece seus documentos inclusos a consideração de V. Excia. Revma. E em virtude dos quais roga a V. Exa. Se digne propô-lo a S. M. afim de alcançar do mesmo Senhor sua carta de apresentação de que E.R.M.” (8)

Nesses documentos exigidos pelo processo, colhemos vários dados para a sua biografia. Entre os papéis apresentados consta:

a) – uma certidão do Vigário-Geral declarando que o suplicante fora nomeado Vigário interino da “igreja paroquial de Nossa Senhora do Rosário de Colares por provisão do Bispo D. Romualdo de Sousa Coelho de 20 de dezembro de 1843 e que... nela tem exercido as funções paroquiais com aptidão, zelo e satisfação dos seus paroquianos até o presente” (Pará, 13 de abril de 1848 (9);

b) – certidões do Juízo Cível e do Eclesiástico, de 28 de abril de 1848, nada constando contra o requerente (10) e recibos da Recebedoria das Rendas Internas;

c) – certidão do Cabido, do tempo que serviu de segundo sacristã da Catedral de Belém, na qual se lê que no Livro 8º. Das Distribuições dos Reverendos Ministros e mais empregados desta Catedral, consta que o suplicante... “serviu de segundo sacrista desde 12 de outubro de 1839 até 26 de junho de 1840” (11);

d) – habilitação de Genere de 19 de agosto de 1843 para ser promovido ao estado eclesiástico em que consta que:

“Manuel Antônio da Silva Raiol natural e batizado na Freguesia de Santana da Campina desta cidade, filho legítimo de Joaquim Antônio Raiol e de Rosa Lina da Incarnação, naturais desta cidade, neto pela parte paterna de Maria Juliana, natural desta cidade, avô incógnito, e pela parte materna de Teodoro Vieira, natural de Lisboa e de Isabel Maria Incarnação natural desta cidade...” (12);

e) – certidão de batismo tirada do Livro 10º. do Registro de Batismo da Freguesia de Santana da Campina, folha 808, em que se lê ter sido batizado em 28 de setembro de 1817, tendo como padrinho Jerônimo Antônio Costa e madrinha Nossa Senhora (... “e tocou com a coroa de Nossa Senhora José dos Passos Silva”, segundo os termos);

f) – certidão de 3 de dezembro de 1847 de sua Carta de Ordens lançada no Livro 21 do Registro de Provisões, folha 26 v. , no Maranhão, em 2 de outubro de 1844 (14);

g) – atestado do Bispo D. José Afonso Torres com sua filiação, o qual diz que M. A. Raiol... “tem prestado serviços à Igreja” e que... “sua conduta é sem nota”, documento esse datado de 28 de julho de 1848 (15).

Baseado na documentação, D. José dirigiu-se ao Ministro dos Negócios da Justiça, Antônio Manuel de Campos Melo, em ofício assim redigido (16):

“Tenho a honra de levar à Augusta Presença de S.M.I. o Sr. D. Pedro 2º. por intermédio de V.Excia. a proposta para o Benefício desta Sé e Catedral do Pará na conformidade do Alvará das Faculdades de 14 de abril de 1781, e leis posteriores. Vagou aquele lugar por acesso do seu último possuidor o Padre Antônio Feliciano de Sousa a um Canonicato, e logo depois se afixarem os editais por sessenta dias nas portas da Catedral e Câmara Eclesiástica desta cidade segundo a lei e costume convidando a todos os aspirantes para o concurso nas formas legais. Aberto o concurso compareceu e se habilitou o padre Manuel Antônio Raiol. Proponho pois o mesmo padre para o referido Benefício único que a ele se opôs. Este padre é natural desta cidade, e batizado na Freguesia de Santana do bairro da Campina aos 28 de setembro de 1817. Foi canonicamente ordenado de presbítero em 1º. de outubro de 1843. Entrou para o serviço da Catedral como 2º. Sacrista em 12 de outubro de 1839, serviu este emprego até 26 de junho de 1840, e em 20 de dezembro de 1843 passou a paroquiar a igreja de Colares, onde ora assiste, exercendo as funções paroquiais com aptidão, honra e zelo. Mostra estar isento de crimes em ambos os juízos. Dos documentos juntos consta mais circunstancialmente o que venho de expor. Por este motivo me parece que este padre se fez digno do lugar que aspira. S.M.I., porém, resolverá o que for justo.

Deus guarde a V.Excia. Palácio episcopal do Pará, 28 de julho de 1848.”

O Ministro foi informado ainda nesse ofício de que a documentação estava em termos, apesar de o mesmo ter sido endereçado ao Ministro e não em forma de Consulta ao Imperador, o que nãom impediu que o processo prosseguisse.

D. Pedro II, pouco depois, assinou o decreto de apresentação, neste teor (17):

“Conformando-se com a proposta do Reverendo Bispo do Pará, Hei por bem apresentar o Padre Manuel Antônio Raiol no Benefício vago na respectiva Catedral. Antônio Manuel de Campos Melo, do meu Conselho, Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Justiça o tenha entendido e faça executar. Palácio do Rio de Janeiro, em vinte e dois de setembro de mil oitocentos e quarenta e oito, vigésimo sétimo da Independência e do Império.”

              MANUEL ANTÔNIO RAIOL desiste do Benefício

Apesar de ter sido apresentado, o padre Raiol resolveu, logo a seguir, desistir do Benefício da Catedral. No mesmo fundo do Arquivo Nacional, achamos o seu requerimento autógrafo dirigido ao bispo D. José, nestes termos (18):

“O Padre Manuel Antônio Raiol, vigário interino da Freguesia de Colares, tendo feito oposição de um Benefício da Catedral, e sendo apresentado no mesmo por S.M. pretende renunciá-lo em consequência das vantagens que tem como vigário.

Digne-se V. Rma. aceitar sua renúncia e mandar lavrar o termo na Câmara Eclesiástica de que E.R.M.”

A ele, seguem-se mais três documentos.

O Bispo despachou em 5 de janeiro de 1849 mandando assinar o termo. No próprio requerimento consta o termo de desistência assinado pelo padre Raiol, no mesmo dia, lavrado que foi pelo escrivão Antônio José de Sousa Loureiro.

Sendo necessária a confirmação imperial, o padre Raiol, por seu procurador o Cônego Bernardino Henrique Diniz, requereu ao Bispo no sentido de que desse conhecimento ao Imperador (19) da:

... “desistência que o suplicante fez do mencionado Benefício, pois ele é simples, puro e absoluto, sem reserva alguma,” esclarecendo, logo após, que era... “em consequência das vantagens que tem como vigário”. Assinou-a no mesmo dia 5.

Que vantagens “que tem como vigário” seriam essas numa povoação pobre como Colares? Difícil supô-las, e não temos uma explicação para essas “vantagens”.

D. José Torres já a 13 de janeiro de 1849 encaminhava a renúncia ao Imperador (20), que houve por bem assinar o decreto de 2 de março confirmando a desistência, que foi referendada pelo Ministro Eusébio de Queirós Matoso Câmara (21).

Sonhou o Padre Raiol com o Benefício em 7 de março de 1848 e menos de um ano depois confirmou-se a sua desistência levado por razões outras que não as escritas.

Não eram incomuns as desistências no Cabido de Belém. No ano de 1849, houve duas: as dos padres Antônio Leonardo Pereira Vulcão e João Estevão da Cunha e Oliveira, a primeira confirmada em 22 de maio e a segunda em 28 de julho (22).

No mesmo ano, houve quatro novas apresentações pelo Imperador: padres José Veríssimo Alves, João Antônio de Faria, Ertulano Alexandrino Gonçalves Baião e Francisco de Paula Castilho, os dois primeiros a 28 de julho, o terceiro em 27 de novembro e o último a 15 de dezembro (23). Essas confirmações de renúncias e as apresentações envolveram não poucos documentos, hoje custodiados na mesma Coleção Eclesiástica do Arquivo Nacional, fonte primária para conhecimento da história eclesiástica paraense.

                     Padre Raiol, vigário do Mosqueiro

Quando vice-presidente da Província do Pará, o Cônego Manuel José de Siqueira Mendes sancionou uma lei da Assembleia Legislativa Provincial que recebeu o nº. 563, de 10 de outubro de 1868, cuja ementa reza: “Cria a freguesia do Mosqueiro e extingue a de Joanes” (24). Em seu artigo 1º. Lemos: “Fica criada na povoação do Mosqueiro uma freguesia sob a invocação de Nossa Senhora do Ó” e no 2º., que... “seus limites civil e eclesiástico serão: pelo lado Sul o furo do Pinheiro em direção do igarapé Fundão, abaixo do igarapé Paricatuba, até a baía do Sol, e pelo Norte a margem esquerda do rio Jauá”. A ela ficaram pertencentes as ilhas Cotijuba, Paquetá, Jutuba e Tatuoca.

Havia na povoação a igreja da irmandade de Nossa Senhora do Ó que foi indicada para matriz provisória e mandada avaliar para devida indenização à irmandade, promovendo-se a sua conclusão pelo governo da província. Igualmente foi mandada avaliar a obra do cemitério da mesma irmandade, posteriormente indenizada.

D. Macedo Costa era então o bispo do Pará e nessa qualidade escolheu para vigário da nova freguesia o padre Manuel Antônio Raiol, que aceitou e nela se radicou. Tinha o padre, então, seus cinquenta e um anos.

Foi, assim, o Padre Raiol o primeiro vigário do Mosqueiro.

                       Padre Raiol cobra suas côngruas

Nem o Presidente da Província, nem o Bispo comunicaram à Secretaria do Ministério do Império a criação da nova Freguesia, nem o seu novo vigário.

Ocasionou isso a não-existência na Tesouraria da Fazenda Provincial de verba para o pagamento da nova côngrua.

O Padre Raiol fora designado vigário por D. Macedo Costa em portaria de 2 de abril de 1869 tomando posse a 23.

Nosso pobre padre Raiol nada recebendo recorreu ao Imperador a 1º. de setembro de 1869 pleiteando... “a graça de determinar pelo Ministério competente seja autorizada a despesa necessária para pagamento do suplicante...”

Apresentou, depois, uma petição ao Bispo, em data de 6 de setembro, para que atestasse... “ter residido e cumprido com os deveres de seu ministério desde o dia vinte e três de abril em que tomou posse daquela Freguesia até o fim do mês de julho deste ano”... D. Macedo despachou: “Atestamos. Paço episcopal, 14 de setembro de 1869.”

No requerimento ao Imperador lê-se uma informação da Secretaria do Governo Provincial na qual se declara seu direito às côngruas... “as quais tem deixado de receber por não haver crédito para esse pagamento nos respectivos orçamentos”... e a seguir opina... “parece está nos casos de poder merecer a graça que pede”. Isso em 7 de outubro de 1869.

Na Secretaria do Ministério do Império, o requerimento teve uma informação de José Vicente Jorge, datada de 21 de outubro, que assim escreveu: “ O aviso nº. 35 de 24 de janeiro de 1865 expedido pelo Ministério do Império determina”... “que para o pagamento das côngruas das freguesias novas é necessário que a despesa esteja compreendida no orçamento ou seja competentemente autorizada.” “A de que se trata não está contemplada nos orçamentos 1868/69 e 1869/70. Noto no presente caso ser estranho que o vigário de uma freguesia novamente criada requeira o pagamento de suas côngruas, quando ao Governo Imperial não se deu conta, por comunicação do Bispo Diocesano ou do Presidente da Província, da criação e instituição canônica de semelhante freguesia”...

Numa outra informação também de 21 de outubro lê-se: “Importa a côngrua no período decorrido de 23 de abril a 30 de junho de 1869, na razão de 400$000 anuais, em 75$554; pertencendo esta despesa ao exercício de 1868/69, no de 1869/70 em 400$000. 5ª. Seção, 21/10/69 – Midosi”.

O despacho ministerial foi o seguinte:

“Autorizo o pagamento. Recomende-se ao Presidente que em caso semelhante faça o Governo a devida participação e dizer à Tesouraria que não se demore em solicitar o crédito preciso. Faço ver ao Bispo que deve dar parte ao Governo da instituição canônica das novas paróquias para serem os respectivos párocos contemplados com a côngrua.”

Contornando o problema, foram feitos pelo Ministro avisos à Fazenda, à Província e ao Bispo em 28 de outubro de 1869.

A burocracia imperial resolveu, pois, o “caso” e a sua documentação encontramos no Arquivo Nacional (25).

Um Benefício do qual desistiu logo e o não cumprimento de uma comunicação oficial devida deram origem a uma papelada hoje de grande utilidade e valor histórico. Caso, aliás, comum.

                    Padre Raiol na Questão Religiosa

Fora dessa papelada desconhecida acumulada pela burocracia ministerial, encontramos o nome de Manuel Antônio Raiol em dois documentos belenenses publicados por D. Lustosa ao biografar D. Macedo Costa (26).

Após a prisão de D. Macedo Costa, o Governo Imperial tentou arrancar do seu substituto no governo diocesano, cônego Sebastião Borges de Castilho, o interdito das irmandades suspensas, ao qual ele se opôs apoiado pelo clero paraense.

Reunira-se em Assembleia Geral o clero do Pará. Em dois documentos dessa reunião, temos o nome do Padre Raiol: numa mensagem ao Papa Pio IX, em 3 de novembro de 1874, seu nome aparece em 18º. Lugar e, no dia seguinte, num “protesto”, em 16º. É desse documento que transcrevemos o trecho seguinte:

“O clero paraense protesta contra esse ato de violência prepotente e audaz usurpação da autonomia e independência da Igreja e declara alto e bom som que não se manchará com o crime de apostasia desrespeitando os interditos e suspensões canonicamente impostos pelo digno ilustrado Bispo desta diocese.”

                           Falecimento do padre Raiol

Pesquisando a questão nazarena de 1878, um dos resquícios da Questão Religiosa em Belém do Pará, encontramos, por acaso, em “A Boa Nova”, a notícia do falecimento do Padre Raiol, publicada em sua edição de 17 de julho desse ano, p. 2, nestes termos:

“Falecimento.

Faleceu o Rvmo. Padre Raiol, vigário do Mosqueiro, depois de longa enfermidade. Recebeu todos os sacramentos dando o último alento nos mais edificantes sentimentos de piedade. Foi mais um claro aberto nas fileiras do ilustrado clero paraense. Deus terá dado a bem-aventurança ao Padre Raiol, todavia não cessaremos de sufragar sua alma.”

Alguns meses antes seu nome aparecera como notícia no mesmo jornal, mas, infelizmente, perdemos os apontamentos.

Consultando o jornal “A Constituição”, de 13 de julho, lemos este necrológio:

“Belém, 12/7/1878.

Acabamos de receber a infaustíssima notícia do passamento do Rvmo. Padre Raiol. Severo observador das disciplinas da Igreja, sua vida foi toda dedicada ao seu engrandecimento, suportando com heroica coragem os contratempos e oferecendo peito aos ataques da impiedade mascarada com suntuoso título da filosofia moderna. Foram edificantes os exemplos que deu de bom pastor às almas confiadas à sua guarda... Como homem político, militava sob a bandeira do generoso Partido Conservador, ao qual servia com desinteresse e sobeja lealdade e como sincero apóstolo do progresso da Pátria e da entendida liberdade de seus concidadãos.”

Em sessão extraordinária do Conselho de Cultura do Pará, realizada em 28 de fevereiro do corrente ano (1978), tivemos a oportunidade, a convite de sua digna presidente Dona Maria Anunciada Ramos Chaves, fazer entre várias comunicações, uma relativa às notícias do falecimento do Padre Raiol, tendo constado de sua ata a transcrição da nota de “A Constituição”, antes citada.

Faleceu o Padre Raiol aos sessenta e um anos de idade, após dedicar-se de corpo e alma ao pastoreio de duas modestas freguesias.

Nesta comunicação, em homenagem ao centenário de sua morte, procuramos focar nossa modesta luz sobre o modesto pároco paraense, recordado hoje também pela placa simples de uma rua mosqueirense.

FONTE: MEIRA FILHO, Augusto. “Mosqueiro Ilhas e Vilas”- ED. GRAFISA, 1978- pp. 549, 550, 551, 552, 553, 554, 555, 556, 557 e 558.

quarta-feira, 21 de março de 2012

JANELAS DO TEMPO: PEDREIRA ESPORTE CLUBE

Autor: Claudionor Wanzeller

Consta em registro cartográfico de 1680 a referência mais antiga à Ilha: a Ponta da Musqueira, localizada a sudoeste, aos pés da baía de Santo Antônio. Tal denominação teria sido atribuída à presença do pirata espanhol Ruy de Moschera naquela região, em 1520. O certo é que, após a ocupação dos portugueses, com a construção dos alicerces da Cidade Velha de Belém, no século XVIII, esse lugar ficou conhecido como Ponta da Pedreira, exatamente por ser uma das pedreiras do Reino, de onde muitas pedras foram retiradas para as referidas obras. Em 1924, com a instalação da Uzina Santo Antônio da Pedreira pela firma Bitar & Irmãos, para o beneficiamento da borracha e a extração de óleos, essa ponta da Ilha recebeu o nome de Ponta do Bitar.

Os primeiros funcionários da Fábrica Bitar, após suas atividades diárias, costumavam jogar futebol na praia do Areião, iniciando, assim, o beach soccer mosqueirense.

Um ano depois, no dia 7 de Setembro de 1925, fundaram um clube social com o nome de Pedreira Esporte Clube, cujo primeiro Presidente foi o Sr. Santiago Moura Palha, estando a sede localizada na Rua da Pedreira.

Em 1928, houve uma cisão na Diretoria do Pedreira e os sócios dissidentes fundaram o Botafogo F.C.. Outra associação, já na década de 1940, teria sua origem na Fábrica Bitar: trata-se do FABRIL, em cuja sede na 2ª. Rua, esquina com a Siqueira Mendes, aconteceram bailes carnavalescos animadíssimos, promovidos pelos padres da Igreja Matriz.

Ao Sr. Moura Palha sucederam os seguintes Presidentes: Comandante Ernesto Dias, Francisco Simões, Arlindo Machado, Possidônio Cruz, Carlos Miranda, José da Silva Figueiredo, Raimundo Bastos (Mundiquinho), Álvaro Adamor Mello, Oscar Bastos, Aurélio Reis, Armínio (Ari) Gonçalves, Davi Teixeira, Wolckemer Tabosa dos Reis, Carlos Roberto Simões Mathias, Orlandino Sodré Bastos, Walter Amaral, Fernando Robalo, Raimundo Nonato de Araújo, Sinomar Dias Naves, Raimundo Brito e Carlos Roberto Simões Mathias (que dirigiu o clube até 2010).

Na gestão do Sr. Francisco Simões, a sede da associação foi transferida para a residência do citado presidente, na 2ª. Rua da Vila. Depois, com a prática do futebol estabelecida no Largo de São Sebastião (terreno de propriedade da Igreja), na confluência da 4ª. Rua com a Av. Getúlio Vargas, o clube alvi-azul ficou sediado em frente ao campo, na 4ª. Rua, atual 15 de Novembro.

A Paróquia de Nossa Senhora do Ó fez a doação perpétua desse terreno ao Pedreira E.C., fato reconhecido pela Prefeitura Municipal de Belém em 1946, na gestão do Sr. José da Silva Figueiredo, quando o campo de jogo passou a chamar-se Praça de Esportes Magalhães Barata. Tempos depois, o nome foi mudado para Estádio São Sebastião, justo reconhecimento de sua origem.

O clube ainda funcionaria durante alguns anos em casa alugada, na Trav. Comandante Ernesto Dias, até que, na gestão do Sr. Oscar Bastos, a sede própria seria adquirida, na Trav. Pratiquara, 331 e, com o passar do tempo, reconstruída, na administração do Sr. Wolckemer Tabosa, que também edificou a primeira arquibancada do estádio.

Nos velhos tempos, o Pedreira E.C. sempre teve uma vida social bastante intensa, com a realização de bailes memoráveis em datas comemorativas, especialmente na quadra carnavalesca. Esses bailes eram frequentados pela elite da Ilha e, com certeza, deixaram gratas recordações. Na época do confete e da serpentina, concursos de rainhas do carnaval, a formação de blocos de salão e a participação da criançada em bailes infantis eram sucesso garantido. Na década de 1940, um bloco de salão que ganhou as ruas foi o “Alvi-Azul”, empolgando os torcedores pedreirenses com a sua marchinha, que se tornou quase um hino:

“No céu azul,                                             O Alvi-Azul do Mosqueiro

Uma estrela brilhou.                                   Nesta Vila é oprimeiro:

Todo mundo está cantando                        Não é por ser do Pedreira

E os clarins anunciando:                            Nem por ser do Papão,

O Alvi-Azul chegou!                                   Mas é sempre Campeão!”

O Botafogo F.C., adversário sempre ferrenho desde as origens, criou o bloco “Enfeza”, para rivalizar nas ruas, como o fazia nos campos de futebol e nas festas carnavalescas. Em 1950, a turma pedreirense tinha os Marujos do Amor” e os botafoguenses, os “Foliões da Vila”. Assim era a rivalidade entre os clubes que tiveram uma origem comum.

E como não sentir saudades daquela bandinha de música, antes comandada pelo Seu Paizinho e, depois, pelo Coré, acompanhado de Sandoval, Preguiça e Maurício, animando os jovens e a velha guarda, com marchinhas e frevos da época. E o que dizer do “Bloco da Saudade” que, às seis da manhã da quarta-feira de Cinzas, arrastava os foliões da festa para a tradicional despedida do Carnaval, no coreto da Praça da Matriz?

Mas as batalhas de confete e os bailes de Carnaval tiveram a sua época de ouro nas décadas de 1970 e 1980, com as administrações de Wolckemer Tabosa dos Reis, Carlos Roberto Simões Mathias e Orlandino Sodré Bastos. Tabosa atraiu os foliões belenenses; Carlos Mathias popularizou os bailes além de dar-lhes nomes (Baile do Azul e Branco, Baile do Vermelho e Preto, Baile do Havaí, Baile Até o Sol Raiar), atingindo o auge; e Orlandino Sodré continuou o sucesso das festas, além de priorizar a eleição da Srtª. Joana Lucinal Dias, candidata do clube, como Rainha das Rainhas do Carnaval Mosqueirense de 1982. O Pedreira faria outra Rainha das Rainhas em 1987: Srtª. Maria Lúcia Favacho Cezar.

clip_image002

Equipe prepara sede para o Carnaval, na década de 70 (FOTO: Arquivo)

clip_image004

Decoração criada por Dílson Nery de Araújo (sentado) FOTO: Arquivo

clip_image006

Claudionor Wanzeller (Secretário) e Raimundo Paixão (Tesoureiro)

clip_image008

FOTO: Arquivo

Embora, desde o início, o futebol amador tenha sido o carro-chefe das atividades do clube, o Pedreira formou, na década de 1960, a sua equipe de voleibol, para disputar partidas memoráveis com o Bom Jardim (sem dúvida, o melhor time da Ilha na época), Parazinho e Grêmio Recreativo, entre outros.

Filiado à Federação Paraense de Desportos (FPD), desde 1945, o Pedreira conquistou, naquele ano, o I Campeonato Oficial de Futebol do Mosqueiro, vencendo, na partida final, a equipe do Independência E. C. pelo placar de 1x0.

clip_image010

Time de futebol do Pedreira, na década de 70 (FONTE: Jornal Nativo de Mosqueiro)

Filiou-se, depois, à Federação Paraense de Futebol e, em sua trajetória, conquistou diversos títulos no Campeonato Distrital de Futebol do Mosqueiro, o que lhe valeu o cognome de Gigante da Ilha.

Em 1994, participou do Campeonato Paraense de Futebol da Segunda Divisão, sagrando-se Campeão Invicto e conquistando o acesso ao Futebol Profissional da Primeira Divisão. Disputando durante alguns anos, a partir de 1995, na elite do Futebol Paraense, sua melhor participação resultou na 5ª. Colocação, embora tenha conseguido vitórias expressivas contra Paysandu, Remo e Tuna. Atualmente, integra o grupo da 2ª. Divisão do Futebol Profissional.

clip_image012

Sinomar Naves, Alonso Guimarães e Coronel Nunes (FONTE: Nativo de Mosqueiro)

Nos seus 86 anos de existência, o Pedreira E.C. viu passarem, em suas equipes, grandes atletas, entre os quais muitos se destacaram no cenário maior do Futebol Paraense: Sidoca, China, Fernando Pau Preto, Taioba, Airton, Edmar Ferreira, Almeida Cambalhota, Zé Augusto (o Zé da Galera do Paysandu), Nuno, Luís Carlos Trindade, Paquinha, Marcelo Moraes, Fábio, entre outros.

Nos anos 70 e 80, tivemos a oportunidade de secretariar quase todos os presidentes do clube e testemunhar um excelente trabalho em prol da coletividade, que não deve ser esquecido pelos mosqueirenses. Era fácil a percepção do gostar do clube em inúmeras personagens, entre as quais citamos Hermano Pinheiro, Carlos Alberto Mathias, João Soares, Paulo Cruz, também testemunhas do passado glorioso da instituição.

Embora de Utilidade Pública Municipal e Estadual, a Associação Pedreira Esporte Clube vive hoje um ostracismo social incompreensível, não condizente com sua trajetória fulgurante. Talvez careça do apoio de órgãos públicos, mas, com certeza, necessita da vontade e da força de um trabalho jovem, capaz de despertar o Gigante Adormecido.

“NA SAGA DA BORRACHA, MOSQUEIRO É PIONEIRO.”

FONTES: Arquivo do clube, pesquisa de campo, Jornal Nativo de Mosqueiro.

http://www.youtube.com/watch?v=mc1Kyc0SzAI&feature=player_embedded

terça-feira, 20 de março de 2012

A ILHA CONTA SEUS CAUSOS: PEQUENOS FATOS QUE VÊM ACONTECENDO NA COMUNIDADE DO CARUARU

 

(Texto construído a partir de narrativas dos moradores da Comunidade de Caruaru e transcrito pela Profª. Leila do Socorro A. Cunha)

No caminho que a gente vai até a escola, existe uma ladeira, onde tem um tronco de bacuri. Toda vez que as pessoas passam à noite lá, quando elas passam sozinhas, aparece um caixão enorme todo cheio de velas acesas, mas ninguém chega perto porque sentem medo de apanhar sem saber de quem.

Ao lado da escola Maria Clemildes, existem uns igarapés onde aparece um homem preto que corre atrás de quem passar à noite sozinho. Lá, esse homem vira um pássaro grande e senta na trave do campo e fica se balançando a noite inteira.

No caminho que vai até as roças, existem umas plantações que nós chamamos de tapera. Lá tem lugares de sepulturas que os antigos diziam que eram cemitérios, e à noite ficam acesas aquelas cruzes com umas pedras de diamante.

 

(Lima Gama, Rosangela C. e Santos Andrade, Simei. “Mosqueiro Conta em Prosa e Verso o Imaginário Amazônico”. PMB, 2004, p. 115)

segunda-feira, 19 de março de 2012

JANELAS DO TEMPO: AS ORIGENS DA FAMÍLIA RAIOL.

Autor: Cândido Marinho Rocha

A maior família é composta de gente com o sobrenome Raiol. Importante na história do Pará, lembra Domingos Antonio Raiol, Barão de Guajará, e teve origem com José Raiol, da companhia da Ordenança do Rei de Portugal, cujo descendente, Pedro Antonio, vereador da cidade de Vigia, foi morto cruelmente no tempo da Cabanagem, quando defendia a legalidade.

Deste nasceu Domingos Antonio Raiol, que Pedro II agraciou com o título de Barão de Guajará. Órfão aos cinco anos de idade, foi educado pelo primo e amigo Bernardo de Souza Franco. Tornou-se historiador, parlamentar, escritor, polemista, presidente de Províncias (1). O vigiense, nascido a 4 de março de 1830 e falecido a 29 de outubro de 1912, tornou-se o “historiador necessário” (2) da Cabanagem. Devido a influência da família nordestina nos hábitos das famílias paraenses, algumas crianças absorviam o nome do padrinho de batismo. Talvez os que se chamam Raiol (ou melhor, Rayol) no Mosqueiro tenham essa origem, pois a Ilha não fica distante da cidade da Vigia, para onde convergiu o primeiro que aparece com o sobrenome. Pode ser também que sejam legítimos ramos da árvore da qual provém o Barão porque são operosos, inteligentes e honrados. Aparecem no século XX como Mestres de Obras, pescadores, lavradores e comerciantes. Os Raiol doutores, residentes nas capitais, desconhecem, todavia, esses pseudo-primos.

Há, todavia, outra versão, muito verossímil, aliás. Um padre Raiol, José Raiol, oriundo da Vigia, foi grande amigo do Mosqueiro. Como diretor espiritual da paróquia, trabalhou ativamente. É fama que lhe cabe a iniciativa de retirar o cemitério da praça principal, instalando-o em local adequado, onde ainda hoje se encontra. Teria, então, dado os primeiros passos no sentido de, onde estava o cemitério, construir, como na verdade aconteceu mais tarde, a modesta, porém arquitetonicamente equilibrada igreja de N. Srª do Ó, padroeira da Ilha.”

“O sacerdote, liberto de pensamentos e ações, não muito aprisionado preconceitos nem escravo de votos que investem contra os preceitos divinos e da natureza, tornou-se patriarca. Numerosos afilhados e descendentes seus espalharam-se pela Ilha. Um deles, de nome Didaco Raiol, destacou-se na história do desenvolvimento étnico dos insulanos. Citado, recordado sempre respeitosamente, o padre José Raiol ainda hoje é venerado pelo vivo esforço em prol dos seus paroquianos.

O bondoso sacerdote, homem da época e para a época, não merece quaisquer restrições dos seus rebanhos. Antigamente, sabia ele muito bem, cabia aos párocos não só deveres espirituais como sociais, na qualidade de autênticos pais, padrinhos, protetores e mestres. Noções de civilização, higiene, moral e cívica eram ministradas pelos prestigiosos ministros.

Mosqueiro muito deve a esse notável homem, cuja compreensão, autêntica cravação em joia valiosa, ainda hoje cintila nos planos executados.”

(1) Pará, Alagoas, Ceará e São Paulo.

(2) Segundo palavras de Arthur Reis.

(FONTE: MARINHO ROCHA, Cândido. “Ilha Capital Vila”- GRÁFICA FALANGOLA EDITORA. Belém-Pa, 1973- pp. 28 e 29)

MOSQUEIRANDO: O padre José Raiol citado por Cândido Marinho Rocha seria o mesmo padre Manuel Antonio Raiol, cuja biografia foi estudada pelo Prof. Donato Mello Junior e apresentada na obra de Meira Filho? Acreditamos que o assunto mereça uma pesquisa mais profunda. O certo é que a família Raiol é uma das mais tradicionais do Mosqueiro e suas residências ficam localizadas na 5ª. Rua da Vila, cujo nome homenageia o padre Manuel Antonio Raiol, o primeiro Pároco da Ilha. Entretanto, nos primeiros tempos da Vila, os Raiol moravam na 1ª Rua. Depois, durante a gestão do Intendente Municipal Abelardo Leão Conduru, suas terras foram requisitadas pela Prefeitura para um projeto que nunca se concretizou e, em troca, lhes foram concedidos os lotes de terra com a atual localização.

sexta-feira, 16 de março de 2012

CANTANDO A ILHA: MURIRAMBA



Autor: Prof. Alcir Rodrigues
clip_image001
Vista parcial da enseada do Muriramba



Acolá, como pequenos tsunamis,
vêm vaticinando, lépidos,
os rugidos do mar-baía,
em forma de ligeiros tigres
―com garras e dentes espumantes ―
que atacam e dilaceram
a carne da indefesa falésia
da charmosa enseada do Muriramba...
clip_image002 
Outra vista parcial da enseada do Muriramba



Sangrando, a tabatinga vermelha
se desmancha, manchando
o pardo plasma do mar,
lavando e tingindo areias e rochas,
deslocando devagar as pedras da camboa,
remota lembrança ali deixada
por nossos ancestrais, pedaços
da história viva em pedras,
mixados ao fantasma dos peixes,
siris e camarões, afugentados todos
pela predatória captura industrial...

clip_image003
Mais uma vista parcial da enseada do Muriramba


As garras e dentes espumantes
na verdade sorriem e gargalham,
com sarcasmo
lembrando da afamada máxima:

                “Água mole,
                                 em pedra dura,
            tanto bate,
                                             até que fura”...

Mas os rugidos espumantes, ali,
não só dilaceram e arrancam nacos,
também lambem e acariciam,
transmudando-se em canções,
barcarolas de ninar, alimentando os devaneios
de quem vê e ouve, além de tudo o mais,
a fantasia e a beleza
de uma perenidade
de
          vaivém e enche-vaza, ondas
       de seres e sombras,
úmidos sons e ecos líquidos
                                  da dança da infinitude do devir...

clip_image005
Camboas no Ariramba, com vista da barraca Boêmios, próximas da Embratel. São resquícios do tempo passado, vestígios ancestrais que se recusam – ainda bem! — a desaparecer, apesar dos apelos massivos e cruéis do “progresso”
*          *          *



“Aproveitando a temática evocada pelo poema, vale a pena conversar sobre duas palavras: ‘Muriramba’ e ‘camboa’. A primeira é tratada hoje como um ‘amálgama’ lexical; ou seja, uma fusão de partes de vocábulos (dois ou mais), originando um híbrido vocabular. Por isso, alguns estudiosos do idioma materno (o português, na expressão brasileira da língua de origem lusa), também usam a terminologia ‘palavra-valise’, por conter dentro de uma palavra outras delas; ou ‘palavra-centauro’, neste caso, acentuando-se, mais ainda, o hibridismo vocabular. Fiquemos com o primeiro. ‘Muriramba’, na Ilha (do Mosqueiro), dá nome à enseada singela que intersecciona as enseadas das praias do Murubira (onde habitaram os indígenas da tribo dos ‘Morobiras’; daí sua denominação) e do Ariramba (espécie pequena de pássaro mariscador, conhecido também pelo nome de martim-pescador, com ocorrência comum naquela área, de onde vem a denominação da praia).
Já a palavra ‘camboa’, de origem tupi, consultando o Vocabulário terminológico cultural da Amazônia paraense (OLIVEIRA, Maria Odaissa Espinheiro de. Belém, EDUFPA, 2005. v. 2, p 70), tem a seguinte entrada no verbete:
Camboa: s.f. Lago artificial à beira-mar, no qual durante a maré alta o peixe miúdo entra. Esteiro que enche com o fluxo do mar e fica seco com o refluxo.
[Vejamos este exemplo dado no livro citado]
“[…] O Coló simplesmente desapareceu da popa da canoa na camboa, no pesqueiro, e até hoje ninguém sabe que fim levou o Coló …] (C.C.Onde está Coló? Histórias de Cobra Grande. f. 273. Informante – Agripino Almeida da Conceição. Pesquisadora –Ana Cristina Lopes Borges ).”
Em dicionário eletrônico Aurélio, encontrei o seguinte:
Camboa (ô): [Do tupi] S. f.
1. Cercado armado em pequena depressão, junto ao mar, onde, na maré baixa, fica retido o peixe miúdo que ali penetra na preamar.
2. Bras.  NE  Esteiro que enche com o fluxo do mar e fica em seco com o refluxo. [Var., nesta acepção: gamboa]
3. Bras. MA Processo de pesca em que diversos pescadores, armados com a tarrafa, cercam com as suas canoas o cardume de peixes. `
Para nós, válidas são as duas primeiras acepções.
Aproveitando o ensejo em que nos referimos à praia do Ariramba, reproduzimos abaixo uma grande passagem, muito bem-humorada,  da Apresentação do livro Ilha,capital Vila (ROCHA, Cândido Marinho. Ilha, capital Vila. Belém: Falangola, 1973, pp. 12-13):
“Recentemente, [naquela época, 1973] um cronista social de Belém passou a citar a Ilha com o adorável adjetivo de bucólica, no sentido de inocente, simples, graciosa e não, certamente, como pastoril ou campestre. Considerando injusta a generalização do título, porque a Ilha não é totalmente pastoril, inocente, simples, graciosa e campestre – resolvemos modificar a qualificação. assim, consideramos bucólica a área abrangida pelos bairros e praias do Chapéu Virado e do Farol por serem os mais prestigiosos pelo elevado nível financeiro dos seus frequentadores, constituída a nomeação assim como uma espécie de sofisticação daqueles bairros. À Vila, em cujo mercado municipal é vendida uma indefinível sopa, demos o título de cólica. Ao bairro Morubira [SIC!], cujas praias apresentavam-se crivadas de pedregulhos, com raras casas de valor e de reduzido movimento social, coube a designação de melancólica. A bela praia do S. Francisco, assim titulada em homenagem a insigne santo da igreja e onde começam a surgir os primeiros prédios custosos, passou a ser católica. Ariramba é bem desenhada e graciosa enseada, de larga praia e limpas areias. Há lá o frequentadíssimo bar e botequim “Ponto Certo”, propriedade de um obsequioso Oliveira. A praia torna-se ainda mais simpática porque é orlada por alcantiladas ribanceiras, sobre as quais imponentes árvores se erguem, em vistoso balisamento [SIC!]. Em cima, na pista, jardins públicos e quadra iluminada de vôlei [SIC!], frequentados pelos veranistas, em desfile de beleza e saúde. Uma cabana chamada “Matapy” –em forma de guarda-sol coberto de palhas – é curiosa “boite” [boate, em português] e sede de tertúlias e serenatas, drincagens elegantes. Merece tudo isso justificado capítulo. Os arirambenses fundaram a “Sociedade dos Amigos de Ariramba”, que promove o bairro em tempo de férias e das festas da igreja local´. É Ariramba – nome de pássaro que é o mesmo “Martin-Pescador” – pela atração do “Ponto Certo”, onde se bebe, recita e canta, e por sua frequência de gente sem preconceitos, gente natural e fraterna, muito procurada pelos banhistas de todos os outros bairros. À porta e ao balcão do despretensioso bar, aglomeram-se crianças, jovens, senhoras, cavalheiro, em qualquer traje, sem inibição alguma, para amplo relax, em variados tipos de bebidas. Por tudo isso, Ariramba é conhecida como a alcoólica.
Areião, velha e abandonada praia, possuiu grandeza n’outros tempos. Seu prestígio foi exageradamente aumentado pelos episódios decorrentes do rapto de Mainha pelo nosso personagem Zozó. Às vezes desce de prestígio, também exageradamente, pelo acúmulo dos detritos da maré que nela encostam. Consequência: é a hiperbólica.
Em suma, é assim a Ilha. Nem muito autêntica, nem muito irreal.
Tal como no livro.
                             Belém, dezembro de 1972.
(Palavras do próprio Cândido Marinho Rocha, no fundo, um admirador de Mosqueiro, mas também um grande gozador)”
                                         *          *          *
Retomemos as palavras de Marinho Rocha: Ariramba é bem desenhada e graciosa enseada, de larga praia e limpas areias. Há lá o frequentadíssimo bar e botequim “Ponto certo”, propriedade de um obsequioso Oliveira. A praia torna-se ainda mais simpática porque é orlada por alcantiladas ribanceiras, sobre as quais imponentes árvores se erguem, em vistoso balisamento [SIC!]. Em cima, na pista, jardins públicos e quadra iluminada de vôlei [SIC!], frequentados pelos veranistas, em desfile de beleza e saúde.
Vejamos essa beleza, nas fotos a seguir, mesmo numa manhã chuvosa:
clip_image006
clip_image007
Foros batidas em 21/01/2012

quarta-feira, 14 de março de 2012

JANELAS DO TEMPO: OS PIONEIROS DO VOLLEYBALL NA ILHA

 

Na ilha do Mosqueiro, o volleyball (volibol, voleibol ou vôlei no bom português) tem suas raízes nas quadras de areia, embora as disputas fossem realizadas na forma tradicional, conforme as regras da época. Veranistas, ávidos por diversão nas tardes de sábado ou manhãs de domingo, introduziram o esporte na Ilha, improvisando, nos fundos dos quintais, quadras bastante concorridas.

clip_image002

clip_image004

clip_image006

Esses pioneiros formavam times em cima da hora, uma vez que o objetivo dos jogos era tão-somente o entretenimento. No entanto, em 1966, o Sr. Wolckemer Tabosa dos Reis decidiu fundar um time mais estruturado, aliás, um clube, que foi denominado Bom Jardim, o mesmo nome da casa do seu criador. Naqueles tempos, era comum o batismo das casas da Ilha. Assim, no quintal da Vivenda Bom Jardim, localizada na Av. Getúlio Vargas, às proximidades da praia do Bispo, o time treinava com entusiasmo, incentivado sempre pela Srª. Edméa Reis, a madrinha da equipe.

clip_image008

Destacaram-se entre outros, jogando pelo Bom Jardim: Wolckemer Tabosa, Cheiro, Espanha, Paixão, Pessoa, Pedrinho, Dodó, Guri, Vadico, Maracujá, Olivar, Mateus, Baía, Rufino, João, José Ângelo (Ex-Secretário de Esportes) e Beto Tabosa, que durante oito anos foi campeão paraense pela Tuna; dez anos, campeão amazonense pelo Rio Negro; atuou pela seleção paraense e treinou na seleção brasileira.

clip_image010

O Bom Jardim esteve em atividade até 1972, pois, na sequência, o Sr. Wolckemer Tabosa assumiria a Presidência do Pedreira Esporte Clube.

Nesses anos de existência, o melhor time de vôlei da Ilha participou de inúmeros torneios, jogando contra equipes expressivas como Pedreira, Parazinho, Grêmio Recreativo, Fuzuê do João Addário e Paysandu. Esses jogos, a princípio, eram realizados em quadra de areia, nas imediações da Praça da Matriz. Depois, por iniciativa do Sr. Wolckemer Tabosa, a Prefeitura Municipal de Belém construiu, na praia do Bispo, a Quadra de Esportes Dr. Irawaldir Rocha, cuja iluminação foi instalada e inaugurada, em 1967, pelo então Agente Distrital Dr. Olívio Chaves.

clip_image012

clip_image014

clip_image016

Vale registrar que, na década de 1970, o vôlei já era disputado nas escolas da Ilha, prática iniciada pela Escola Municipal Alfredo Chaves e pelo Colégio Nossa Senhora do Ó, ressaltando-se o trabalho meritório dos professores de Educação Física Firmino Melo e Carmem Dolores de Freitas Jorge.

clip_image018

clip_image020clip_image022

Veio a década de 1980 e com ela despontaram novos times: Conceição, Vasquinho, Ravelli, Pirelli, Cruzeiro, Albatroz, Guarani, Lanchonete Cristina (hegemonia até 1986), Mikasa e Agagel (criaram nova rivalidade e passaram a disputar os títulos) e, também, as equipes femininas do Folclore e do Cruzeiro.

A década de1990 foi marcada pelos grandes eventos como o 1º. Campeonato Mosqueirense de Vôlei promovido pela Agência Distrital, o Campeonato Joaquim Magalhães, o Campeonato Interbairros, o Torneio Maria da Paz e a participação da Seleção Mosqueirense de Vôlei no Campeonato Paraense.

Na primeira década do século XXI, destacaram-se no vôlei masculino a Equipe Mágica, Setor C, América, Stress e Agagel e, no vôlei feminino, Chapéu Virado, K-Tem Pirelli, Gold Stars, Poderosas e Baía do Sol.

No dia 10 de fevereiro de 2007, foi fundada a Associação Mosqueirense de Voleibol, assumindo a seguinte Diretoria: Sandro Arlan Magalhães da Silva (Presidente), José Luís Lobo de Brito (Vice), e mais Marília Oliveira, Lairson Barbosa, Eldiney Ferreira, Cássio Nascimento, Carlos Eduardo Raiol, Alexandre Luz Santos, Fábio Monteiro da Silva, Lergilson Aragão Cardoso, Wania Maura Silva de Souza, Ana Rosa Oliveira da Silva e Ademir Azevedo Nascimento.

Apesar de passados quarenta e seis anos após os bons e velhos tempos do Bom Jardim, continua sendo muito difícil manter, incentivar e desenvolver o voleibol em nossa Ilha. É óbvio que promotores e aficcionados de qualquer esporte amador carecem, sobretudo, do apoio técnico e financeiro de instituições governamentais criadas para esse fim.

 

FONTE: Pesquisa de campo, fotos e recortes de jornais da década de 1960.

terça-feira, 13 de março de 2012

NA ROTA DA HISTÓRIA: CÍRIO DA CONCEIÇÃO NO PARAÍSO

Autor: José Carlos Oliveira

clip_image002

A Imaculada Nossa Senhora da Conceição

A chegada ao Sítio Conceição tem um percurso aproximado de 2 km.É formado por extensa vegetação e localizado na atual Praia da Conceição nas terras da Baia do Sol.

Essas terras foram requeridas por Leocádio José da Silva, que graças a sua grande devoção à Virgem Imaculada Conceição passou a chamar-se, posteriormente Sítio Conceição, anteriormente chamado Paraguai.

Um local isolado e cercado por extenso arvoredo, próximo à praia da Baia do Sol, mantido pelos herdeiros de Leocádio, há mais de 125 anos.

Uma festa religiosa em honra à Imaculada Conceição, que reúne a comunidade da Baía do Sol, visitantes e convidados.

Leocádio Silva foi casado com Maria do Carmo Silva e tiveram sete filhos, os quais mantiveram a propriedade na família: Leocádio da Silva Júnior, Izabel da Silva, Florêncio José da Silva, Mariana Augusta da Silva, Rita do Espírito Santo Silva, Antônia Paes e Silva e Gabriel Arcanjo da Silva.

Após o percurso de ida e volta pelos caminhos arborizados do sítio, ocorre a bênção da Imagem e a distribuição de brinquedos às crianças e enxovais às gestantes com mais de três meses.

clip_image004

Chegada dos romeiros e devotos da Santa ao Sítio Conceição, em frente à ilha das Pombas, na Baía do Sol.

Ao chegar ao Sítio, encontramos uma extensa plantação de açaizeiros.

clip_image006

Ao término da plantação de açaizeiros, encontramos uma gruta contendo em seu interior uma pequena Imagem da Imaculada Conceição.

clip_image008

A Casa Grande erguida em 1.864 tem anexa a ela a Capela da Santa.

clip_image010

Num cômodo da casa próximo a uma área avarandada foi erguida a Capela da Santa. No seu interior, encontramos um altar com diversas imagens e o nicho da Santa, que é retirada somente no dia da Festividade, para as homenagens e retorno após a peregrinação.

clip_image012

A licença foi concedida pelo Bispado de Belém e a bênção foi dada pelo Padre Castilho, Vigário do Mosqueiro, no dia 10 de janeiro de 1.855. A Missa do Centenário foi celebrada por D. Alberto Ramos em 12.01.1955, em gratidão ao fundador e sua família, conforme placa afixada na parede do templo.

clip_image014

A Imagem da Imaculada Conceição em seu andor:

clip_image016
 

Devotos cansados, exaustos com a longa caminhada aguardam o padre para a realização da missa campal.

clip_image018

clip_image020

A celebração da Santa Missa:

clip_image022

 clip_image023clip_image024

FOTOS: José Carlos Oliveira

FONTE: http://ciriosdemosqueiro.blogspot.com/2010/12/cirio-da-conceicao-no-paraiso.html

MOSQUEIRANDO: A Festividade da Imaculada Conceição realizada no Sítio cujo nome homenageia a Virgem é uma das mais tradicionais na ilha do Mosqueiro. Iniciada no século XIX pelo Sr. Leocádio Silva, um dos mais famosos chefes políticos no passado da Baía do Sol, a festa é realizada todos os anos no dia 8 de dezembro. Há muito a fé na Imaculada Conceição transcendeu os limites do Sítio e instalou-se nas terras do Carananduba, quando a Santa ganhou a sua Capela inaugurada no dia 10 de janeiro de 1.914, a qual foi transformada em Igreja Matriz da Paróquia de Nossa Senhora da Conceição, no ano de 2008.

 

PESQUISE NESTE BLOG:

A Festividade de São Pedro

São Pedro do Areião

Dona Maroca e o Santo

A Festividade de Santa Rosa de Lima

A Festividade de São Sebastião da Praia Grande

As Capelas da Baía do Sol

O Círio de Nossa Senhora do Ó

O Jardim da Discórdia

A ILHA CONTA SEUS CAUSOS: O MENINO DA CRUZ

 

(Estória contada pelo comunitário e Prof. Mauro Braga e transcrito pela aluna Alessandra Cardoso – Turma 441 – EJA)

“No Carananduba, na antiga Lalor Mota, houve um caso assustador. Durante muitos anos, acontecia uma coisa pavorosa nesta rua: era uma rua de poucas moradias, sombria; todos que ali moravam temiam passar por lá tarde da noite.

Dizem que, de cinco em cinco anos, ouviam-se barulhos aterrorizantes, que ninguém sabia o que era. Quando acontecia, as pessoas ficavam imóveis e não conseguiam se mexer de tanto medo. Sempre acontecia na mesma data, a cada cinco anos. Uma senhora bem velhinha que ali morava dizia que só iria parar o barulho quando alguém ficasse na rua para ver o que era que fazia todo esse terror.

Na data da assombração, ela chamou um rapaz para que ficasse na rua e visse o que era que fazia todo aquele barulho. Quando chegou a noite, o rapaz foi até o final da rua e ficou esperando. De repente, os barulhos começaram: ruídos de corrente arrastando no chão, gemidos e um barulho como se algo muito pesado caísse no chão. Quando aquilo se aproximou, ele viu que era uma criança que carregava uma cruz enorme e cheia de correntes, mas como o peso era demais, às vezes a deixava cair e fazia todo aquele barulho que as pessoas temiam tanto.

O rapaz só falou isso e nada mais; só se sabe que desde que o rapaz viu o que fazia tanto barulho nunca mais ouviram nem corrente, nem gemidos nem a cruz caindo. Nada mais se ouve.”

(Lima Gama, Rosangela C. e Santos Andrade, Simei. “Mosqueiro Conta em Prosa e Verso o Imaginário Amazônico”. PMB, 2004, p. 117)

PESQUISE NESTE BLOG:
A Ilha conta seus causos
Mosqueiro: Lendas e Mistérios

sexta-feira, 9 de março de 2012

JANELAS DO TEMPO: MÁRIO MARACUJÁ

Autor: Cândido Marinho Rocha

“Mário Maracujá jovem montara barzinho de uma porta, mesmo no prédio do Mercado Municipal, abrindo pra frente da Praça Matriz. Batidas, limão, maracujá, jenipapo, murici, múltiplas são. Nas famas.

Papistas de papo pausado pousam ali ampliados educados propícios. Moço branco bondoso finuras em que era cortês o dono do bar, a todos brinda fraterno animoso, em falas. Violão suspiroso traz Estrela consigo. Param, saudações úmidas havendo, recíprocas. Caricatas cantigas em notas de dó surgem, malícias amigas. Choradinhos cavilosos bazófias relatam. Alegres racionais animais, batidas a mais, no sempre.

Temas livres surgem gozados batidos na caixa de fósforos: Tuta – Tito – Tota, os irmãos, no banjo, no pandeiro e na “pura”. Irmãos que cantam, tocam, brigam, capoeiras, quedas de braço, tutano na musculatura, e jogam bom futebol, amados, reprodutores das beiradas da Ilha: os felizardos.

Bebem batidas do Mário, bebem sol pelos poros, luar pelos olhos, chuva pelo corpo inteiro, bebem e se embriagam na vida gostosa da Ilha.

Chega bambo banzeirando meio leve meio pesado, alto, troncudo, escuro nas pernas montado, cambão. É a Lei, o invicto Macaca Prenha, amigo de amigo, inimigo de inimigo. Entra na desordem para manter a ordem.

Começa imediato relatando façanhas, prisões raladas, cercando sozinho fantasmas e gente facinorosa. Conquista assim o primeiro copinho. Arma-se-lhe a alma em risos desdentados. Não senta nas rodas com os outros. De pé, em círculos, cambaio e carrancudo, mantendo a Lei. Também se embriaga com a autoridade que ostenta e com as suas mil mulatas amadas, que relata, aos gritos.

Mário Maracujá não teme a Lei. Seletos são seus fregueses, amizades. Pescadores, peixeiros, carregadores, funcionários, médicos, dentistas, advogados, contabilistas, comerciários, industriais, jornalistas, comerciantes, estudantes, políticos, vagabundos, e mais deputados, vereadores, cabos eleitorais, fornicadores em geral. Nem não se via ali vestígios de vícios e crimes. Eram livres, valentes, cultos, analfabetos, cantores, musicistas, ficcionistas, parasitas, fornicadores em geral. Dizia-se que ali era o “Paraíso de Um Tudo”.

Difícil seria reunir mais suculento bosque de raízes humanas tão diferentes e tão convergentes. Era o poder mágico da liberdade nas reciprocidades niveladoras. Ali era uma República. Ali ninguém era “doutor”. Todos eram, sim, professores, exceto Macaca Prenha, que era a Lei. Deus era outro capítulo, que os frequentadores admitiam, mas não discutiam. Todos podiam ser Mestres, também. Mas alguém não é Mestre n’alguma coisa – boa ou má – na Vida, na vida, na ilha do Mosqueiro?”

(FONTE: MARINHO ROCHA, Cândido. “Ilha Capital Vila”- GRÁFICA FALANGOLA EDITORA. Belém-Pa, 1973- pp. 142 e 143)

MOSQUEIRANDO: Conhecemos o Mário Maracujá, cognome que herdou da fruta, cuja batida o tornou famoso. É bem verdade que as batidas de frutas com aguardente da boa vinda de Abaeté eram uma atração no entorno da Praça da Matriz. O que dizer da batida de limão do Quebra-Mar, do Raimundo Monteiro? Ou das batidas do boteco do Seu Laurito? Ou do barzinho do Seu Cristóvão? Mais tarde, sem dúvida, tal bebida passou a ser a especialidade do Seu Albertino Pereira, o Rei da Batida. Mas o bar do Mário Maracujá, que se chamava Mário Pontes de Carvalho, tinha um quê de irresistível, talvez por ser um tradicional ponto de encontro de amigos sedentos de álcool e de novidades. Nos anos 60, embora ostentasse as marcas do tempo, Mário Maracujá continuava atencioso com seus fregueses. E foi ali, no seu bar, naquele mesmo bar do romance, num fim de tarde de um sábado qualquer, depois da chegada do navio Presidente Vargas, que tivemos a felicidade de encontrar, pela única vez, o grande poeta Rodrigues Pinagé, bragantino de coração. E foi o próprio Maracujá que nos apresentou tão insigne figura. O poeta sentou-se à mesa conosco e brindou-nos com uma de suas poesias. Foi emocionante estar ali com o Príncipe dos Poetas Paraenses, nos seus setenta e poucos anos, e foi inesquecível ouvir aqueles versos declamados por uma voz forte, com a vibração característica daqueles que compreendem e sentem o poder mágico das palavras. De repente, parecia ter viajado no tempo e estar ouvindo Castro Alves empolgando multidões.

·

RODRIGUES PINAGÉ:

“Rodrigues Pinagé (1895 – 1973): poeta, jornalista e funcionário público. Pinagé nasceu em Natal (RN), vindo criança para Belém, onde foi eleito “Príncipe dos Poetas Paraenses”. Embora tenha vindo no tempo do Modernismo, o poeta não se apegou ao estilo de 22 e continuou fazendo versos à moda antiga. Como lírico era extraordinário. Como poeta satírico, deixou muito sorriso nos lábios de seus leitores.”

FONTE: http://www.culturapara.com.br/belemdamemoria/escritores.htm

segunda-feira, 5 de março de 2012

CANTANDO A ILHA: CARUARU É MEU DESTINO (Dizem por aí…)



Autor: Prof. Alcir Rodrigues


clip_image001



Cumpro, todas as noites,
Este carma, esta ‘mardição’...
Sobrevoo ruas, casas, prédios...
O cemitério passa lá embaixo,
A igreja já ficou para trás,
Junto com a praça,
O cinema, o mercado,
O trapiche e a praia...

Sei que o Caruaru é o meu destino...
Avanço rumo aos igarapés...

Tudo é soturnidade!...
Por quê? Por que desta sina?
Que fiz eu? Que mal cometi?
Contra quem? Quem sou eu?
Que metamorfose é esta?!...
Chegam as matas, o frio vem,
Trazido do manguezal e das águas...

Do meu propósito me aproximo...

O mundo é triste, lá embaixo.
Aqui, a coisa não é melhor...
Nem vivalma vejo, só névoa:
Ninguém para assustar ou surrar.
Passa o Tamanduaquara, passa;
Passa o rio Murubira, passa;
Sigo o Pratiquara adentro...
Lá no Caruaru pousarei:
Quero ver a filmagem.
Dizem, dizem por aí: o tal filme,
Este que está sendo feito agora,

Dizem, é sobre mim...

clip_image003
FONTE: http://moskowilha.blogspot.com/2011/11/caruaru-e-meu-destino-dizem-por-ai.html