terça-feira, 31 de maio de 2011

A ILHA CONTA SEUS CAUSOS: AS ÓRFÃS

(Texto construído a partir de narrativas dos moradores da Comunidade de Caruaru e transcrito pela Profª Leila do Socorro A. Cunha)

“Eram duas moças órfãs, sempre visitadas por dois rapazes bonitos e vestidos de branco.

Parece que não gostavam delas, queriam só usar as moças, porque só vinham à noite, de dia nunca eram vistos em parte nenhuma.

Depois de algum tempo, elas desconfiaram que os namorados fossem botos e prepararam uma emboscada. Dois homens se armaram de arpões de inajá e se esconderam esperando a noite. Na noite seguinte só veio um rapaz misterioso. Atiraram três arpões sobre o moço que saiu correndo, conseguiu alcançar o rio e pilou na água. No outro dia apareceu boiando, morto, um grande boto tucuxi, com três arpões de inajá fincados nas costas. E as órfãs ficaram para sempre sem nenhuma companhia.”

(Lima Gama, Rosangela C. e Santos Andrade, Simei. “Mosqueiro Conta em Prosa e Verso o Imaginário Amazônico”. PMB, 2004, p. 65)

sexta-feira, 27 de maio de 2011

EVENTO CULTURAL: Revistas Faz são lançadas com grande prestígio.

Por Jacqueline Lima

“As Faculdades Integradas Ipiranga deram mais um passo rumo ao Centro Universitário, com o lançamento das Revistas FAZ Ciência e Tecnologia e FAZ Humanidades, nessa segunda-feira, 23, no Teatro Ipiranga.

As Revistas são publicações da antiga Faculdade de Tecnologia da Amazônia (FAZ), que possuem ISSN (International Standard Serial Number), um número identificador internacionalmente aceito para individualizar o título de uma publicação seriada, tornando-o único e definitivo. Cada Revista possui um Conselho Editorial que seleciona e aprova os artigos para publicação, a cada lançamento de edital.

A Revista FAZ Ciência e Tecnologia possui Qualis B, volume 05, nos. 8 e 9, correspondendo ao período de janeiro a dezembro de 2010. Já a Revista Faz Humanidades está no volume 04, nos. 6 e 7, e corresponde ao mesmo período. Ambas as publicações trazem novidades: a partir desse momento, serão publicadas pelas Faculdades Integradas Ipiranga e veiculadas eletronicamente.
De acordo com a Assessora da Direção de Ensino do Grupo Ipiranga, Márcia Bittencourt, a produção dos artigos está aberta para o público em geral, e funciona como um incentivo para que os professores alcancem conceito em transmitir conhecimentos. Os acadêmicos de graduação, para publicar, necessitam do acompanhamento de seus professores. Porém, os alunos de pós-graduação podem publicar individualmente, já que a publicação de um artigo em uma revista conceituada conta como TCC na Instituição, além de acrescentar a experiência no Currículo Lattes e contribuir para o universo acadêmico e a sociedade.

Segundo o revisor das revistas FAZ, Prof. Paulo Maués, os trabalhos são recebidos pelo Conselho Editorial, que seleciona os melhores artigos. A segunda etapa é a remessa desses textos para o revisor e Comissão Editorial. Em seguida, o material é enviado à editoração e impressão. Para ele, “a qualidade dos artigos foi bem melhor. Neste ano, o pessoal foi mais cuidadoso na seleção e os trabalhos vieram mais consistentes. Eu gostei mais deste número do que o anterior, sem desmerecer as pessoas que participaram da edição anterior, pois tiveram sua consistência, porém a seleção foi mais rigorosa, o que interferiu na qualidade na publicação dos trabalhos”. 
Durante o lançamento, a Dra. Lúcia Beckmann fez uma apresentação sobre a “Importância da Produção Científica no Ensino Superior”.  Logo após, o Prof. José Augusto Fernandes comentou sua participação na criação das revistas, relembrando a importância da concepção para o desenvolvimento da Instituição, ressaltando a relevância do professor como pesquisador e da participação do aluno nesse processo.

Esteve presente a Diretora Geral das Faculdades Integradas Ipiranga, Suely Menezes, falando da alegria e da importância que as revistas possuem para a Instituição, já que o Grupo Ipiranga almeja funcionar, em breve, como Centro Universitário. “

FONTE: http://www.faculdadeipiranga.com.br/?pg=txtquentes&id=468

MOSQUEIRANDO: Conhecer é divino. Produzir conhecimento é superar limites. Difundi-lo é iluminar caminhos e traçar destinos. Isso foi a principal motivação que nos levou a colaborar com a graduanda em Turismo das Faculdades Ipiranga Gerlei Agrassar de Menezes, na feitura do seu artigo “Análise do Turismo na Ilha de Mosqueiro Mediante a Elaboração de Mapas Ambientais”. Esse trabalho acadêmico, além de buscar embasamento teórico em bibliografia de alta confiabilidade, foi enriquecido pela orientação técnica da Profª Wanja Janayna de Miranda Lameira, Msc. em Geografia pela USP.

Sem dúvida, foi gratificante ver o referido artigo divulgado na Revista FAZ CIÊNCIA E TECNOLOGIA, pela importância desta publicação científica. Participamos do lançamento da revista, para o qual fomos gentilmente convidados, e desejamos aos seus empreendedores pleno êxito na continuidade e no aprimoramento desse projeto cultural tão significativo para o meio acadêmico local.

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segunda-feira, 23 de maio de 2011

NA ROTA DA HISTÓRIA: A FÁBRICA BITAR

Autor: Augusto Meira Filho

“Em 23 de junho de 1924, a firma Bitar Irmãos, que desde 1897 já se dedicava ao comércio, fundada em Belém por Simão e José Miguel Bitar, resolveu adquirir uma extensa área de terra em Mosqueiro, onde existia uma velha construção de madeira, situada na praia do “Areião”, em uma ponta avançada para a baía de Santo Antônio, denominada de Pedreira.

Foi nessa antiga edificação, totalmente reconstruída, que a firma instalou uma nova indústria, certamente, a primeira iniciativa particular desse gênero fixada no Mosqueiro. Em 1925, a empresa adquire na Alemanha equipamento mecânico para a extração e refinamento de óleos vegetais, aplicando nessa indústria, sementes de ucuuba, murumuru, andiroba, pracaxi, babaçu, patauá e algodão.

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Fábrica Bitar na Ponta da Pedreira (FOTO: Cássio Nascimento, 2009)

Nesse tempo, lançava um óleo de mesa sob o nome de “Princeza” e que foi premiado na Exposição de Farroupilha, em 1932. Logo após, compra nos Estados Unidos e na Alemanha maquinaria especializada para lavar e crepar borracha, exportando esse produto para a Europa, sobretudo, para a Alemanha e a Inglaterra.

Com o desenvolvimento da atividade fabril em São Paulo, a Fábrica Bitar passou a exportar, também, seu produto para aquele Estado, que recebia toda a borracha crepada industrializada em Belém. Mais tarde, instalou-se em Mosqueiro a nova indústria com aplicação de máquinas francesas e americanas, para a produção de artefatos de borracha em geral, especialmente pneus e câmaras-de-ar, com enorme aceitação no sul do país, e exportação para a Argentina e Uruguai.

Em 1936, por medida acauteladora, a empresa transferiu esse equipamento para compor a Usina Progresso, instalada na Cidade Velha, na capital. Vem desse tempo a transformação da firma “Bitar Irmãos” em Sociedade Anônima, passando a denominar-se “S. A. Bitar Irmãos”.

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Uzina Santo Antonio da Pedreira na Ponta do Bitar (Foto: Cássio Nascimento)

No Mosqueiro, prosseguiram as mesmas instalações de unidades industriais em funcionamento, possuindo uma completa oficina mecânica para a sua manutenção. Em 1967, a conhecida Uzina Santo Antonio da Pedreira, pioneira da vida industrial da Ilha do Mosqueiro, foi totalmente eletrificada com a instalação de uma usina diesel-elétrica com capacidade de 500 KWH. A área industrial coberta é da ordem de 10.200 metros quadrados e possui uma estocagem de óleo diesel de 70.000 litros e uma armazenagem de água para resfriamento dos motores diesel de cem mil litros.”

“Sua situação naquela ponta da ilha, à margem da famosa baía de Santo Antônio, à época do acesso fluvial ao Mosqueiro, sua presença próxima à tradicional embarcação era o testemunho de que o trapiche histórico estava prestes a ser usado pelo navio da linha, levando sempre gente simples, visitantes, mosqueirenses, comerciantes, políticos, crianças e adultos, com destino às praias tão requestadas pela população de Belém. Guardamos, de memória, aquela mancha pardacenta cravada entre o branco-velho das paredes e o vermelho-escuro e desgastado dos telhados, em meio à vegetação luxuriante que moldura a ilha em todo o seu perfil e em toda a sua paisagem. Mapas modernos assinalam: ponta-do-Bitar, naquele mesmo lugar antigamente designado: ponta-do-Mosqueiro. Apenas um nome que se transpôs das distâncias geográficas do Líbano para uma pequena área que se estende rio adentro, na graciosa ilha do Mosqueiro, do Pará. Mas uma indústria que nos dignifica e que nos honra pela alta qualidade de seus produtos e a sua tradição no meio comercial do Estado e do país.”

(FONTE: MEIRA FILHO, Augusto. “Mosqueiro Ilhas e Vilas”- ED. GRAFISA, 1978- pp. 91, 92 e 93)

sexta-feira, 20 de maio de 2011

CANTANDO A ILHA: PRAIA GRANDE

Autor: Prof. Alcir Rodrigues

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I

Independentemente das furiosas

surras das marés altas,

que com suas ondas fustigantes

― línguas líquidas de marinhos

Dragões ―

bombardeiam e carcomem as falésias,

ainda assim é

Grande,

bastante grande,

não tão grande como o rio-mar,

lá adiante, que é demasiado maior.

II

Aqui em frente a mim, a praia, clara faixa arenosa de longa longa

margem,

em minha memória de um ontem bem recuado lá para atrás...

Pois no agora, tanta tanta tanta pedra onde só havia fina areia...

Meu coração, que tem muito de pedra,

no entanto, se confrange

quando olho o hoje

e só vejo o ontem

no interior de cujo âmbito habitam

o bate-papo e o bate-bola, além da bola-ao-copo

entre velhos amigos...

Na pele, ainda agora a impregnar-me

a brisa cálida e o por do sol dentro destes olhos,

a me contagiar com a alegria das cores do verão,

nos chamativos trajes de banho (o)usados,

trajes que passeiam no corpo de veranistas

em evocações intensas

na nostalgia desta paisagem plúmbea

do inverno amazônico

a povoar tudo aqui...

III

Tudo tudo passa em branco e preto e em cores

frente aos olhos,

enquanto a caneta banha de tinta a página esculpindo nesta praia de

papel

estas letras incertas, evocando,

rememorando ocasiões

que se inscreverão na História

como imagens baças, máscaras de fatos,

e mascarados de Carnaval,

como o cara chamado Pelado,

entre outros quase anônimos, tais como ele,

figuras sempre repetidas ali pelo bar O Harém,

cuja antiga dona apelidou a todos os pinguços

(nós, brincantes do Bloco Tá Feio)

de Caras-de-espanta-freguesia!...

IV

Pingam as chuvas frias no corpo

e a pinga nos lábios...

As piadas riem de nós,

as pescarias

e avoados de peixe

e siris assados na brasa também

não se esquecem de nós,

coisa mais que fácil de fazer

para aquelas belas banhistas hipnotizando

os que mendigavam por apenas

uma inverossímil recíproca troca de olhar.

Desenha-se com contornos nevoentos

Um panorama em que ainda subsistem

as faveiras, a solitária árvore da beira

próxima à linha d’água de nossos frequentes banhos,

afastada razoavelmente da ilha de pedras.

Os ônibus de piquenique e as brigas

frequentes, naquela época, eram um tosco atrativo já meio

tradicional, até

V

As ondas agora, em suave e incessante falecimento,

na praia e, por isso mesmo, neste papel,

não as posso ver só como fenômenos,

mas como ecos,

como vozes saudosas

de épocas mais promissoras, que se fazem assim nostálgicas,

soluçando lamentos por um grande bem perdido, recôndito,

que estas pardacentas águas,

de propósito,

vão diluindo, liquefazendo,

como mensagens de letras em transparências

quase imperceptíveis,

que emanam das linhas e retornam para

a vaguitude de meus pensamentos,

perdidas em sinapses estéreis,

ondas mortas,

vazias,

           vagas ondas,

que vêm e que vão,

     trazendo e levando

             momentos já perdidos,

contudo, em parte recuperados por esta grande praia/página

                        chamada memória.

Não só a minha, mas inclusive a tua, a nossa...

A memória de todos que estiveram lá... e aqui também

FONTE: http://moskowilha.blogspot.com/2011/05/praia-grande.html#links

quinta-feira, 19 de maio de 2011

NA ROTA DA HISTÓRIA: A ABERTURA DA PA-17

Autor: Augusto Meira Filho

Romariz dá partida na abertura da estrada. Uma jornada temerosa que dava seu impulso inicial em 1951, sob o comando do político-industrial mas, antes de tudo, fervoroso amigo e admirador das belezas mosqueirenses.

Marcha o grupo de mateiros, trabalhadores, homens de campo, onde não faltavam alguns dos “missionários” que, antes, percorreram a região com o topógrafo José Delbim. Tudo caminhava bem.

Esses serviços foram executados na base da coragem e do devotamento. Corajosamente, Romariz dirigia os trabalhos e estes marchavam, dificultosamente, feitos a braço e terçado, enxadas e carrinhos de mão, abrindo o caminho da civilização para uma região que ainda permanecia, praticamente, virgem. Vez por outra, aparecíamos no local da luta, constatando o seu andamento e a sua penetração continental. Os terrenos, como dissera Delbim, quase nenhuma dificuldade apresentavam aos executores da obra. Claro que a abertura se fazia, ainda, empírica, sem maquinaria, sem os mínimos apetrechos rodoviários, mais tarde ali aplicados para o acabamento da obra. Um pouco mais do que uma picada, mas que, em princípio, permitia a entrada de um jeep ou mesmo de uma rural. Acompanhamos todo esse começo de esforços que a Prefeitura financiava com despesas acima de suas possibilidades. O serviço era novo. Não previsto nos orçamentos do Município, e o dinheiro ali despejado certamente pesava na balança financeira do erário público municipal. O Prefeito, de sua parte, prestigiava a execução do trabalho e não faltava sua presença, quando necessária à frente da campanha loucamente promovida pela PMB sob a orientação de Romariz. Realmente, uma aventura, cercada de todos os percalços naturais de uma empreitada dessa natureza.

A obra avançava continente adentro e pequenas elevações surgiam da mata dominada e aberta para a fixação do leito primitivo em terra frouxa, areia e alguma piçarra, decorrente dos lombos de futuros cortes compensadores de baixadas e alagados.

Muitas vezes percorreríamos parte do roteiro indicado, inicialmente, ao desbravador que, dia a dia, seguia o rumo para o ocidente. Um desenho dos levantamentos de Delbim já forneceria uma direção e melhor disposição para o empreendimento, até então, feito no peito e na raça. Tudo, nessa obra, desde os nossos primeiros momentos em 1946, se faria assim: na coragem e no ardor de uma batalha que nos parecia, cada vez mais, presa àquele enigma comentado por Guilhon em uma de suas cartas do Rio, em 1950. Há um ano, aproximadamente, o colega falara naquele mito, daquele “fantasma” que parecia dominar os ânimos de toda gente que se dedicava com empenho e amor à realidade histórica da obra.

As dificuldades técnicas começavam a aparecer na execução da estrada e, sem dúvida, o labor incessante de Romariz não seria o suficiente para atender certas circunstâncias do serviço, cujo apoio técnico se tornara imprescindível. Nossa contribuição estava implícita. Nosso desejo era patente, de ver confirmada a segurança com que havíamos defendido, pela imprensa, a exeqüibilidade da rodovia. Estava em jogo toda a nossa experiência profissional, nosso dever e nossa satisfação para com os que nos acreditaram.

Foi na altura desses fatos que o SMER começou a participar mais intensamente da obra. Antes, como simples observador, o Serviço tinha se mantido em posição discreta sobre aquele empreendimento, uma vez que ele possuía uma chefia e uma orientação que vinha de esferas mais altas.

Mas a tarefa puramente de “abertura” ou “desmatamento” ia longe, e o terreno se mostrava hostil àquele tipo de trabalho, sem que uma orientação técnica e rodoviária por excelência tomasse a frente dos serviços de melhoria do caminhamento, de cálculo de movimento de terras, de previsão dos cortes e aterros, fixação de taludes e, enfim, da determinação do grade, para posterior correção, se fosse o caso. A rodovia em embrião já reclamava a palavra e o toque do rodoviário, para poder se fixar perante seus próprios construtores, em termos de uma estrada de rodagem. Romariz havia vencido pequenos cursos d’água, igarapés e córregos, quase todos oriundos de nascentes, assinalados na linha de Delbim. Poderíamos afirmar, então, que a abertura da estrada alcançava as proximidades do Igarapé Paricatuba, a única corrente de maior volume, nessa região, e que se situava, mais ou menos, à meia distância entre Benevides e o Canal das Marinhas. A estrada tomava forma, com a assistência do SMER, repartição nova, decorrente do Plano Rodoviário Nacional e do Fundo estabelecido pela Lei Joppert, como estudamos. O engº Alírio Cezar de Oliveira era o seu primeiro profissional especializado, ali colocado à época de sua fundação, na gestão do Prefeito Rodolfo Chermont. A atenção do organismo especial, certamente, seria a maior aquisição nesse tempo, para que a futurosa rodovia tomasse forma e efeito rodoviários, para a qual estava sendo construída.

A turma de campo prosseguia no rumo indicado. Melhoria nas laterais, ampliação das faixas de domínio, alguns cortes pequenos e aterros já proporcionavam ao público visitante e curioso, uma impressão positiva da obra.

A participação do órgão oficial nos serviços, como seria de esperar, viria a causar embaraços na execução da estrada. Os técnicos exigiam, como era de direito, o respeito às normas rodoviárias ou, pelo menos, o mínimo de tecnicidade ao empreendimento. A obra era municipal. Havia uma entidade especializada na área do município para esse fim. Não seria admissível a implantação de uma construção de rodovia, sem obediência aos preceitos e rigores estabelecidos pela repartição. Assim acontecia no setor estadual; assim, também se prescrevia na área federal.

Houve quem, malevolamente, desejasse ou tentasse nos jogar contra os colegas do SMER de então, nesse “leva-e-traz” bem característico de nossa gente. Felizmente o mal não cresceu, e o chefe Alírio Cezar cortou, logo, o mal pela raiz. A realidade é que de nós partira o aplauso pela participação do organismo rodoviário junto às obras que, corajosamente, leigos interessados e bravos tocavam para frente. O propósito destes era o de abrir a estrada até o fim do continente e encontrar a barreira natural do Furo das Marinhas. Assim havíamos anunciado e a curiosidade era geral. Todos trabalhavam com prazer desusado e, na esperança de seu término breve, caminhava o desmatamento com ótimo rendimento.

Não tardou muito chegassem ao Paricatuba, igarapé importante e que até dava seu nome ao lugar de “Paricatuba”, onde o velho Alberto Engelhard possuía uma bela e imensa propriedade. Esse igarapé vinha de nascentes mais distantes, mas estava sujeito ao movimento das marés. Nas vazantes, suas águas são límpidas e agradáveis. Nas enchentes, misturam-se com as do rio e amarelecem, turvando-se. Sua correnteza é apreciável e, no inverno, toma proporções enormes. Disso veremos um exemplo mais adiante.

Finalmente chegam os mateiros às bordas desse famoso e histórico igarapé, já comentado na primeira parte deste trabalho, à época das visitas pastorais de D. Antonio de Almeida Lustosa.

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Primeira impressão da rodovia PA-17 às proximidades do Canal das Marinhas (MEIRA FILHO, 1965)

Vencida, portanto, a primeira fase da rodovia, em termos de penetração. Nossos veículos já poderiam ir ao banho frio e delicioso nas águas correntes do Paricatuba, sem maiores dificuldades. Sem empiçarramento, contudo, o leito de areia firme permitia um tráfego razoável, entre Benevides e o Igarapé. Pelo menos, até ali, comprovada estava a natureza do terreno e a viabilidade da obra. Caminhávamos para o Mosqueiro e não haveria melhor caminho do que prosseguir na mesma direção.

Vem de então o desejo da Prefeitura melhorar as condições técnicas da estrada sob o domínio do município e, portanto, do SMER. Cresciam aos olhos do público as grandes possibilidades do empreendimento que defendíamos desde 1946. Para nós a garantia de sucesso estava assegurada. Tanto que logo iniciamos uma possível observação topo-hidrográfica do Canal, a fim de que dispuséssemos de bases para a futura aplicação, ali, de ferry-boats, na travessia do continente para a ilha, cujo vão julgávamos superior a um quilômetro. Também urgia um reconhecimento prévio das condições topo-geográficas no interior da ilha do Mosqueiro. Sabíamos pelas plantas de Palma Muniz, em que pesasse sua autenticidade, que, transversalmente, a Ilha não teria mais do que uns quinze quilômetros, aproximadamente. Já no sentido longitudinal, seria quatro ou cinco vezes maior que a sua largura.”

(FONTE: MEIRA FILHO, Augusto. “Mosqueiro Ilhas e Vilas”- ED. GRAFISA, 1978- pp. 167, 168, 171, 172 e 173)

sexta-feira, 13 de maio de 2011

A ILHA CONTA SEUS CAUSOS: A MOÇA ENCANTADA

(Transcrição da narrativa de Thiago Augusto Souza Morais – Turma 821 – CB IV 2º ano)

“Há muitos anos atrás, na ilha do Mosqueiro, existia uma fábrica de borracha chamada Bitar.

A sobrinha de um funcionário da fábrica ia todo dia levar o almoço de seu tio. Até que um dia, no caminho da fábrica, ela parou para molhar o rosto e viu a imagem de um lindo rapaz e acabou sendo sugada para dentro do lago, deixando o borracheiro preocupado com o atraso.

Atrasada há quase duas horas, o borracheiro foi até sua casa atrás da sobrinha. Chegando lá perguntou à sua esposa pela menina e ela respondeu:

-- Ela foi levar o seu almoço.

O borracheiro começou a ficar nervoso e foi até a casa das colegas de sua sobrinha, mas todas responderam:

-- Não, ela não está aqui.

Até que um dos funcionários começou a se queixar, dizendo que a fábrica estava tremendo, balançando.

A menina foi transformada em uma cobra, e a fumaça estaria incomodando tanto até que as cobras não suportaram e balançaram tanto que a metade da fábrica desabou.

E foi assim que surgiu a lenda da Cobra Grande.”

(Lima Gama, Rosangela C. e Santos Andrade, Simei. “Mosqueiro Conta em Prosa e Verso o Imaginário Amazônico”. PMB, 2004, p. 91)

terça-feira, 10 de maio de 2011

CANTANDO A ILHA: MOSQUEIRO

Autora: Sílvia A. Mattos

Mosqueiro de praias belas

De vento puro

Que sopra amor...

Mosqueiro que o sol levanta

Que espalha encanto

Com todo ardor...

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Mosqueiro manhã ardente

Me arde o corpo

Esse teu calor...

Mosqueiro

De brisa leve

Que guarda o tempo

Que em mim marcou...

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Mosqueiro quanta riqueza

Quanta beleza

Quanto valor...

Mosqueiro suave presença

De coisas feitas

Pelo Senhor...

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Mosqueiro que coisa bela

Essa tua esfera

Essa ilha nossa

Em forma de flor...

Mosqueiro de mil encantos

Essa tua pureza

Me enfeitiçou...

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Mosqueiro de noites lindas

Sem ti a lua

Não tem valor...

Mosqueiro terna lembrança

De sonhos meus

Que você abrigou...

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Mosqueiro andas comigo

Te levo em mente

Por onde vou...

Mosqueiro suave presença

De coisas feitas

Com as mãos tocadas

Pelo Senhor...

FONTE: Jornal do Mosqueiro – ANO I – nº 2 – julho de 1985.                       FOTOS: Wanzeller - 2010.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

A OUTRA FACE DA ILHA: ESGOTO POLUI MOSQUEIRO

ESGOTO POLUI MOSQUEIRO

Através de ação civil pública, o Ministério Público Federal no Pará está exigindo que a prefeitura, via Serviço Autônomo de Água e Esgoto de Belém, realize reparos urgentes na rede de esgoto da ilha de Mosqueiro.

A partir de denúncia feita por engenheiros ambientais e florestais, foi realizada perícia na Praia Grande e constatado que a prefeitura de Belém e a SAAEB não cumprem o básico previsto na Constituição, que diz que é de responsabilidade da União, Estados e municípios proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas.

Resíduos sólidos, água usada e oriunda de fossas estão sendo depositados, sem tratamento, diretamente na Praia Grande. Há cisternas abertas, vazamentos em tubulações e equipamentos danificados. De acordo com o procurador da República Felício Pontes Jr., o total abandono e a falta de manutenção no sistema de esgoto do distrito provocam grave poluição ambiental, prejudicando moradores e frequentadores das praias locais.

O MPF solicitou informações à SAAEB e encaminhou recomendação ao diretor da autarquia, Raul Meireles do Vale, sugerindo medidas imediatas para reduzir a poluição na ilha e evitar a proliferação de doenças. A resposta alegou que o problema ocorre por falta de recursos e pela inadimplência dos usuários.

A ação civil pública pede à Justiça que obrigue a prefeitura de Belém/SAAEB a adotar medidas urgentes a fim de solucionar os problemas constatados. O MPF quer a recuperação dos leitos de filtragem no sistema de tratamento de esgoto; reforço das estruturas do sistema onde há vazamento causado pela erosão; impermeabilização do fundo das lagoas de estabilização, para evitar a infiltração do material no solo; recuperação dos abrigos dos equipamentos eletromecânicos e a vigilância nas dependências, a fim de evitar furtos e roubos. Além de campanhas educativas orientando a população a evitar a poluição da área.

Acompanhe aqui o processo nº 14686-83.2011.4.01.3900, que tramita na 9ª Vara Federal em Belém, cujo titular é o juiz Hugo Sinvaldo Silva da Gama Filho.

*Com informações do MPF/PA

FONTE: http://ptdemosqueiro.blogspot.com/

MOSQUEIRANDO: Verdadeiramente, todo paraíso tem suas maçãs e suas serpentes. Aqui não poderia ser de outro modo. Acontece que esse projeto de Esgotamento Sanitário, ao sair do papel, começou tecnicamente errado, continuou errado e parou: abandonado, esquecido, enterrado. Tomara que um dia o MEIO AMBIENTE não seja apenas lembrado em títulos de Secretarias!

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Lagoas de estabilização do Sistema de Esgotos na Vila (FONTE: Google Earth, 2011)

quinta-feira, 5 de maio de 2011

NA ROTA DA HISTÓRIA: POLÍTICA À PARTE, UMA ALIANÇA PELO SONHO: PA-17

Autor: Augusto Meira Filho

“No nosso escritório particular de engenharia, no 2º andar – conj. 223-225 no Edifício Importadora, no expediente da tarde, procurou-nos Romariz:

-- Acabo de falar ao Octávio sobre essa estrada Belém-Mosqueiro que ele como interventor mandou apurar, depois que você levou seus planos ao governo fixando novos rumos para sua abertura ou qualquer coisa parecida. Disse-me o velho companheiro de Constituinte que esse assunto era com você, já que insistia na exeqüibilidade da obra aqui por Benevides. Desci de seu escritório aqui no 3º andar e estou desejoso de saber o que há sobre a matéria. É que o Governador Assunção deseja tocar esse serviço e autorizou o Prefeito a iniciar, quanto antes, a obra em projeto. Não é isso? Preciso dessas informações com autenticidade para levá-las a ambos os governantes. Então?

Recebemos, alegres, o antigo deputado liberal, nosso conhecido das lutas liberais de 1935.

-- Não há nenhum segredo, amigo Romariz. O que fizemos foi amplamente divulgado nos jornais de Belém. Estudamos o problema sob novas modalidades, completamente opostas e diferentes de tudo quanto se tem cogitado nesse sentido.

Nosso plano prevê a estrada Belém-Mosqueiro pelo continente, partindo de Benevides. Os primeiros estudos estão feitos e confirmam sua viabilidade por esse caminho, muito menos oneroso que qualquer outro. Desde 1946, amigo Romariz, lutamos para que o governo comece a abertura da rodovia, para comprovar sua posição, no plano rodoviário do Estado; você poderá, até, solicitar ao recém-fundado organismo rodoviário confirmação ou não do que insistimos em dizer: a rodovia entre Belém e a ilha do Mosqueiro deverá ser executada pelo interior do continente e, nunca, pelo litoral. Temos esses trabalhos executados por técnico abalizado e empenhamos nossa fé de ofício profissional no sucesso dessa obra se tomar o rumo que desejamos.

Romariz ouviu essas expressões convictas e seguras, indagando, surpreso:

-- Você poderia colaborar com o novo governo, nos indicando e orientando o início desses trabalhos? Afinal eles serão um benefício para toda a cidade...

Respondemos, sinceramente, com estas palavras:

-- Nada há negar, meu caro Romariz, apesar de agora se considerar um baratista como um indesejável. Nós continuamos a mesma coisa.Mas nunca a nossa convicção política trairia um interesse coletivo desta terra. Estou pronto a cooperar com a administração Assunção-Lopo e mostrar a você, quando quiser, o caminho a seguir. Ainda forneceremos dados técnicos necessários para que essa abertura logo se concretize. É de interesse público e nós não misturamos a ordem política com a administrativa, e você sabe disso. No auge da vitória coligada, entregamos nossa repartição com balanço financeiro em mãos, um grande plano em execução, com discursos, refrigerantes e palmas. Quem não deve, não teme. Você sabe, não é isso mesmo? Vimos desde 1935...

Romariz, satisfeito de sua missão, agradeceu muito a acolhida e a disposição de ajudarmos, independentemente da posição partidária de cada um, aquela obra pioneira de abertura da estrada Belém-Mosqueiro. Marcamos encontro e em dia e hora aprazada, o fato ocorreu.

Partimos pela manhã no veículo de propriedade dele, nós, o irmão Rui e o velho Meira, convidados para o passeio. Conversamos muito na viagem e, na Vila de Benevides, paramos o carro. Saltamos na estrada, em frente à matriz do lugar. Nessa altura, mostramos a Romariz o que fazer:

-- Você manda que o chefe dos serviços parta deste ponto, sempre dando as costas para o nascente. Seguir a turma de desmatamento esse rumo, como se fossem todos para o poente. Não há nada a errar. Procure aqui, em Benevides, a rapaziada que constitui a Família Salomão, muito conhecida e de prestígio, desde aqueles nossos velhos tempos do Partido Liberal. Vários dessa gente amiga estiveram participando do trabalho de reconhecimento da futura estrada que vai ligar a Vila ao Canal das Marinhas. Todos, sem exceção, estão interessados nessa obra. Ela, certamente, virá beneficiar o Município de Ananindeua, do qual faz parte. Se você quiser, poderemos orientar os encarregados do serviço assim sejam determinados. Saiba, amigo Romariz, que deste lugar vai-se direto à margem do continente, em frente ao Mosqueiro, separados apenas pelo Canal ou Furo denominado “das Marinhas”. Não há problema. Vamos tocar o serviço e você ficará merecendo todo o nosso apreço por essa inestimável compreensão.

O terreno a percorrer já foi todo levantado topograficamente e não é mais segredo para nós. Possuímos a planta e demais informações sobre a natureza do solo, as condições climáticas, a natureza da floresta, os pântanos, os rios e igarapés e tudo mais quanto existe nessa travessia que não vai além de 20 quilômetros. O serviço está fácil, necessitando, é certo, de um bom capataz e de mateiros experimentados. Quanto ao pagamento, é evidente que você já tomou suas providências. Aí está o segredo. É seu, e do governo. Não há mais nada.

Voltamos ao veículo e fomos, ainda, visitar uma bela plantação de pimenta-do-reino que, nessa época, começava a se difundir no meio rural paraense.

Passado algum tempo, novamente nos apareceria Romariz com a auspiciosa notícia de que tanto o Governador do Estado como o Prefeito de Belém haviam recebido com satisfação as nossas idéias e os nossos planos. A estrada do Mosqueiro partiria, mesmo, de Benevides, e do local por nós indicado. Os serviços deveriam começar imediatamente. Recebemos, certamente, essa confirmação, pensando muito no destino das coisas, “não ser quimera”, como disse o poeta, ao vermos os adversários políticos de ontem tomar a frente da execução de um nosso plano, tão mal ouvido pelos próprios companheiros militantes do mesmo partido. Sim, senhores. Da Coligação, ou pelo menos, de seus líderes a primeira grande iniciativa para que o Mosqueiro ganhasse a sua rodovia. Essa é a verdade dos fatos. Projetada, concebida por um baratista tradicional e seus amigos, a obra da Belém-Mosqueiro haveria de ter seu principal suporte pela gente da Coligação que tanto lutara para derrubar Barata e a seus seguidores.”

F0ONTE: MEIRA FILHO, Augusto. “Mosqueiro Ilhas e Vilas”- ED. GRAFISA, 1978- pp. 165, 166 e 167)

quarta-feira, 4 de maio de 2011

A ILHA CONTA SEUS CAUSOS: A COBRA GRANDE NA ILHA DO AMOR – PRAIA DO FAROL

 

“Contam os antigos moradores de Mosqueiro que embaixo da Ilha do Amor moravam duas cobras encantadas, João e Maria, que eram irmãs. Maria era muito brava e assustava a todos que a viam. João era calmo e só saía para passear à noite.

Um dia João conversou com um homem muito corajoso e pediu que furasse ele e sua irmã na cabeça até sair sangue e jogasse leite virgem no furo.

Na noite seguinte, o homem foi à ilha e viu uma grande cobra em cima das pedras, furou sua cabeça e jogou leite como havia prometido; em segundos a cobra transformou-se em uma linda moça. A moça e o homem se apaixonaram e foram embora esquecendo João. João não foi desencantado e vive até hoje na “Ilha do Amor”.”

(Caldeira, Gianny. Cartilha “Mosqueiro Ilha das Lendas”, 2009 – p. 15. CRAS – FUNPAPA, 2009, p.7)

terça-feira, 3 de maio de 2011

NA ROTA DO TURISMO: ANTIGO REGISTRO DE UMA CIRCUNAVEGAÇÃO NA ILHA

Autor: Augusto Meira Filho

“O litoral da Ilha do Mosqueiro, como vimos, que fronteia a Baía do Marajó é todo constituído de praias de areias claras, finas, leves, intercaladas, geralmente, de formações rochosas. Pedras negras, carcomidas pelas marés, avançam para o leito do rio, quase matematicamente, limitando os lugares, moldurando a paisagem característica do perfil litorâneo da ilha.

Assim, partindo da “Ponta do Bitar”, primitiva “Ponta do Mosqueiro ou da Musqueira”, temos a praia do Areião, a do Bispo, a Prainha, a Praia Grande, a Prainha do Farol, a Praia do Farol, a do Chapéu Virado, a Ponta Alegre (atual Porto Arthur), a Praia do Murubira, a do Ariramba, a de São Francisco, até o igarapé do Cajueiro. A partir daí vêm a Praia do Carananduba, do Iguaçu, do Maraú, do Paraíso, do Caruara. Na direção da Baía do Sol, teremos a “Praia Grande da Baía do Sol”, que nela incorpora as praias da Conceição, do Paissandu e do Anselmo. Em frente à Colares, na povoação da Baía-do-Sol, a praia ou bairro do Bacuri e o da Fazenda cujo litoral é ornamentado por uma série de belos coqueiros, próprios do lugar. Segue-se para o Barreiro, já no Furo das Marinhas, onde as margens do Mosqueiro fronteiras ao continente são totalmente de argila.

Dessa bela região norte da ilha, deixou-nos precioso relato nosso Arcebispo D. Antônio de Almeida Lustosa, na década 30-40, em sua “Visita Pastoral”:

“Carananduba é uma povoação a pequena distância do Chapéu-Virado. A enseada que lhe deu o nome é um belo semi-círculo entre as duas pontas do São Francisco e Maraú. Na preamar oferece bom abrigo as embarcações; na baixa-mar fica com pouquíssima água. Nessa enseada desembocam os igarapés Cajueiro e Carananduba. O vocábulo carananduba significa muita caranan. Caranan ou Caranã designa uma palmeira elegante (Copernida cerífera) semelhante ao assaiseiro, de cujos frutos se prepara uma bebida como se faz com o assai. A população de Carananduba é humilde, mas educada e de ótimos sentimentos.”

Ainda do eminente prelado referências sobre as Costas Mosqueirenses. Após citar as ilhas das Guaribas, a do Maracujá e a das Pombas, acima do “Paraíso” e da foz do igarapé do Sucurijuquara, D. Lustosa comenta:

“A idéia de Paraíso e a da sua serpente se associam facilmente. Esse Paraíso teve, mais ou menos, a sorte do Éden. Era outrora florescente, teve sua bem cuidada capela: hoje não é bem o Paraíso Perdido de Milton, mas tão pouco é o ameníssimo Jardim que nossos primeiros paes gozaram, nem mesmo o que os antigos proprietários conheceram. Chegamos ao Sítio Conceição onde há uma capelinha dedicada à Virgem Imaculada. Bela a situação da vivenda junto à qual se abriu o pequenino Santuário da Virgem. Que belas ondas se vêm quebrar naquela praia de areia e penhascos!”

“Na frente da casa coqueiros sinuosos e inclinados erguem suas copas e seus cachos. Original é a inclinação desses coqueiros com relação às outras árvores. Por via de regra a árvore se inclina para a qual sopram com mais constância os ventos.”

Nosso quarto arcebispo nos relata sua viagem à povoação de “Santa Bárbara”, exatamente, fixando a costa norte da Ilha do Mosqueiro quando se penetra pela Baía do Sol em direção ao Furo das Marinhas. Assim se expressa:

“A porção da Bahia que fica ao norte de Mosqueiro é desprovida de ilhas; ao invés, a parte oriental é povoada de muitas ilhas graciosas. No ponto em que estas ilhas formam o Furo da Marinhas ou pouco antes a Ilha do Sol perde o seu nome. Além desse Furo da Marinhas, outros poem em comunicação a Bahia do Sol com a de Santo Antonio que fica entre a ilha do Mosqueiro e a do Pinheiro.” (Há um pequeno equívoco de D. Antonio: em vez de Pinheiro trata-se da ilha de Caratateua.)

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Ilha do Mosqueiro – Furo das Marinhas (FONTE: GOOGLE EARTH 2011)

De acordo com a Visita Pastoral de D. Antonio de Almeida Lustosa (recordemos) na década 30-40, somente pelo rio, baías ou furos era possível chegar-se à Santa Bárbara. Em suas palavras, fixa essa entrada:

“Da Bahia do Sol passamos ao furo “Tracuateua” e deste ao “Candeua”. Em cada desses furos há uma serraria e entre as duas, a povoação. Como estamos em região de serrarias tudo se faz de madeira. A capelinha dedicada a São Sebastião é de madeira, todas as casas são de madeira, a terraplenagem dos terrenos baixos é de toros, serradura (vulgarmente moinha) e cinza: tudo de madeira. As numerosas ilhas que retalham a Bahia do Sol do lado oriental formam grande numero de furos. Deixando o de Paricatuba à esquerda, seguimos em direção ao de “São Pedro” chamado antigamente “da Vigia”. Passamos entre as ilhas “do Periquito”, de “Santa Maria”, de “Sant’ Ana” e chegamos à “Ilha do Gaia”, onde há um engenho de assucar ao lado do qual se ergue a capelinha de S. Pedro. A viagem prosseguirá pelo “Furo das Marinhas”, que nos conduzirá à Bahia de Santo Antonio.”

Esse é o retrato perfeito de uma circunavegação em torno da Ilha do Mosqueiro, observando aspectos geográficos, sociais e religiosos na região nordeste – sudeste da Ilha do Mosqueiro. Interessante, também, por ser o local de maior população tupinambá, nos idos do século XVII.”

FONTE: (Meira Filho, Augusto. “Mosqueiro Ilhas e Vilas”- ED. GRAFISA, 1978, pp 64, 67 e 68)

domingo, 1 de maio de 2011

JANELAS DO TEMPO: O COMANDANTE DA VITÓRIA

Autor: Claudionor Wanzeller

Era o ano de 1957. Aquele princípio de noite da terça-feira gorda já estava envolto em sombras espessas, quando ouvi o som de tambores de couro de jiboia marcando a batida africanizada do samba. Movido pela minha curiosidade infantil, saí pela porta dos fundos da cozinha de chão batido, onde jantava, e corri no saguão perfumado pelas rosas de todo-o-ano, sem lembrar-me do medo da escuridão, que povoava de fantasmas as minhas noites. Abri, rapidamente, o portão de madeira do cercado da frente e, saindo à rua arenosa mal iluminada pela fraca luz da velha Usina, pude ver o Bloco da Vitória, na despedida daquele carnaval. Os foliões, muito animados, carregavam bonitas e coloridas alegorias luminosas, espécies de lanternas japonesas em forma de estrela, meia lua, bola e antigo lampião. Aos meus olhos de criança, o efeito era realmente espetacular, pois essas luminárias produziam incessantes reflexos multicoloridos nas fantasias alvi-azuis, conferindo-lhes um aspecto de luxuosidade. Logo adiante, bem perto da minha casa, o bloco parou. Os brincantes, numa derradeira exibição ao público da redondeza, estavam em frente à Padaria Vitória, origem dessa manifestação carnavalesca.

Antigos moradores da ilha e muitos veranistas daquela época sabem que essa panificadora, pela qualidade inigualável de seus pãezinhos, conquistara imensa freguesia capaz de formar filas enormes só para comprar o saboroso produto. A disputa era grande pelo pão de cada dia. Minha avó, inclusive, não morreu antes de saborear o pão torrado da Vitória comprado na hora, o qual molhava como de costume, em café fresco e fumegante. Alguns dias de quase jejum e o desejo, naquele momento crucial, de comer o pão da Padaria do Mundiquinho. Fora seu último pedido feito à minha mãe e de pronto atendido. Depois de comer, fez recomendações, abençoou todo mundo e, rezando, deixou a vida com a dignidade de quem soube viver os seus oitenta e quatro anos. Isso aconteceu em dezembro de 55.

Não pretendo, porém, continuar falando agora da minha avó, Dona Adelina Correa de Miranda Matta, a Dona Sinhá – tratamento que trazia dos tempos do Império. Também haverá outra ocasião para contar a história dessa famosa padaria, que outrora se chamava Alice. Minha intenção, sobretudo, é focalizar a interessantíssima figura do comandante da Vitória nos seus áureos tempos: o Mundiquinho Bastos. Para melhor retratar a vida desse mosqueirense, achei por bem recorrer a uma entrevista que ele mesmo concedeu a Laury Garcia, a qual foi publicada no Jornal do Mosqueiro, em julho de 1985:

“Seu nome é Raimundo de Oliveira Bastos.”

“Mundiquinho, como é mais conhecido, nasceu na Ilha do Mosqueiro, no dia 25 de novembro de 1915, às 20 horas, dia consagrado à Santa Catarina.”

“Filho de José de Oliveira Bastos, português, e de D. Joselina de Vilhena Bastos, brasileira, de cujo casamento nasceram 10 filhos, Mundiquinho tinha um tio, irmão de seu pai, chamado Joaquim, que era dono da Padaria Carioca, localizada atrás do mercado da Ilha, e da Padaria Central...”

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MUNDIQUINHO BASTOS (FOTO: LAURY GARCIA, 1985)

Aos 10 anos de idade, Mundiquinho começou a trabalhar na Padaria Carioca. O emprego destruiu os sonhos da infância de menino pobre, que tinha que acordar diariamente às 4 horas da manhã, para iniciar o dia de serviço, de lá para o grupo escolar e depois para casa. O jogo de bola, a peteca e o papagaio não fizeram parte da sua infância e a palavra que escutava diariamente dos tios era: Vai trabalhando que um dia terás alguma coisa na vida. Mas o menino triste queria viver o presente, como faziam os meninos da sua idade.

Aos 18 anos perdeu o pai, passando totalmente à custódia dos tios. Aos 19 anos, cansado da rotina da vida, casou com D. Inocência dos Santos Bastos, com quem teve um filho: Hiolando dos Santos Bastos, funcionário da Aeronáutica em Belém. O casamento durou alguns anos, vindo a separação.

Mundiquinho veio para Belém conseguindo um emprego de Taifeiro da Amazon River depois transformada em Snapp e hoje Enasa, onde passou quase um ano viajando para o Acre, Rio Madeira e Porto Velho. O mar não era o seu ideal, a ausência das delícias da terra lhe deixavam saudoso. Mundiquinho voltou para o Mosqueiro, continuou a trabalhar com seu tio, que sempre prometia lhe deixar alguma coisa quando ele morresse.

Em 1941, Mundiquinho tentou novamente outra profissão, veio para Belém, para ser condutor de bonde da Paraelétrica. Após 9 meses, seu tio Joaquim mandou lhe buscar para que ele voltasse à Padaria, e as promessas tornaram a se repetir: O dia que eu morrer deixo alguma coisa para ti. Mundiquinho voltou ao ninho antigo.

No ano seguinte, seu tio Joaquim falecia. Um ano depois, o filho legítimo do Sr. Joaquim pediu a padaria onde Mundiquinho trabalhava. O tio não lhe deixou nada em cartório e o filho de seu Joaquim era o único herdeiro de tudo. Estavam desfeitas as esperanças e os sonhos do menino pobre, que trocou a infância pelo trabalho.

Estava na hora de começar tudo de novo, e talvez com muita facilidade, pois Mundiquinho era um homem acostumado ao trabalho, embora marcado pela ingratidão. Foi aí que ele alugou a Padaria Alice, na Rua Comandante Ernesto, onde ficou até 1964, quando se aposentou e entregou os negócios a um de seus filhos.

Mundiquinho... conheceu a população da Ilha composta em sua maioria de pescadores, conheceu os primeiros imigrantes que eram japoneses, espanhóis, peruanos e portugueses. Viu nascer a Fábrica Bitar, que segundo ele trouxe grande desenvolvimento para o Mosqueiro. Viu serem fundados clubes sociais e esportivos como Pedreira, Fabril (que era da Fábrica Bitar), Botafogo, Progresso, Mosqueiro e Independência.

Embora não tenha tido infância, Mundiquinho viveu intensamente a mocidade; mesmo sem dançar, sem beber e sem orgia, ele foi um homem de muitas mulheres. Andava quilômetros a pé, atravessava de montaria, enfim, não havia distância que impedisse de conquistar a mulher desejada. Aos 23 anos de idade, sua conquista amorosa já contava com um número expressivo de 300 mulheres, entre elas várias estrangeiras.

E foi nas suas andanças atrás de mulheres que Mundiquinho deparou inúmeras vezes com Matinta Pereira, Lobisomem (porco que vira gente) e muitas coisas que até hoje não sabe explicar.

Um dia de chuva e relâmpago, caminhava pela Rua Siqueira Mendes com a 5ª Rua, quando encontrou uma trouxa grande, que rolava pelo chão. Ele se desviou e, ao dobrar a esquina, Matinta Pereira apitou no seu ouvido.

Um dia, na Praça 3 de Maio, ele se defrontou com um Padre sem cabeça. Na esquina da 3ª Rua com a Rua Pratiquara encontrou uma galinha com muitos pintos que não lhe deixou passar.

Uma quarta-feira, Mundiquinho foi à festa da Maroca Soares na 4ª Rua, para encontrar com uma namorada; quando estava parado na porta da festa, passou a seu lado uma mulher branca, cabelos compridos e descalça que lhe chamou a atenção. Ele seguiu a dita mulher, que passou pela Igreja Matriz, entrando na rua que vai para a Praia do Areião. Mundiquinho entrou rápido na padaria onde trabalhava, e mandou o empregado limpar o forno que voltava logo, e saiu em direção à mulher que já ia mais distante. Ele apressou os passos; ela desceu à praia e sumiu em direção ao mar, quando bem próximo um forte assovio lhe ensurdeceu.

No dia seguinte, ao contar a estória aos pescadores, eles já tinham conhecimento; outras pessoas já tinham visto e afirmavam ser uma Bota que saía da Praia Grande e descia na Praia do Areião.

Mundiquinho conta que na Rua Siqueira Mendes pela madrugada se ouvia muita gente rezando, como se fosse uma procissão.

Um dia ele ia de montaria por um igarapé quando deparou com uma cobra, com mais de 6 metros de comprimento por 2 de largura. De outra vez ele apanhou uma montaria para voltar para casa; eram aproximadamente 3 horas da madrugada. Como de costume colocou a perna para fora para o primeiro impulso. Ele sentiu que sumiu (como se fosse um desmaio); quando já estava distante, ouviu uma voz longe, que lhe alertava que não estava voltando para a Vila, e sim indo para as cabeceiras do rio.

Mas todas as assombrações que viveu não foram suficientes para impedir, que ele se amedrontasse e se restringisse dos braços femininos. Todo dia era dia em busca de uma nova conquista amorosa, o que lhe vale hoje uma prole de 23 filhos. Na sua juventude bem vivida, Mundiquinho não era chegado a companhias, geralmente andava só. Mas lembra muito de um amigo que lhe acompanhava em suas andanças e testemunhou muitos fatos aqui contados: Joaquim Agrassar (pai do Joanilson, proprietário da Voz do Mosqueiro).

Mundiquinho não se queixa da vida. Acha que valeu a pena o trabalho árduo que enfrentou, as mulheres que conquistou e a maneira como viveu. Viajou bastante, teve oportunidade de conhecer Rio de Janeiro e Portugal, onde passou dois meses.

Financeiramente está bem, desfrutando de conforto, dos carinhos dos filhos e de D. Raimunda Couto Figueiredo, sua atual mulher.

Das ingratidões, apenas a do tio Joaquim lhe marcou.

Com a saúde abalada por uma diabetes, já perdeu duas falanges do pé direito, o que lhe obriga a se amparar em uma muleta. Mas não perde a fé em Deus, e nem deixa de ser o ardoroso torcedor do Paysandu que sempre foi, motivo pelo qual, até hoje, a Padaria Vitória permanece pintada com listras azuis e brancas.

A infância sem brincadeiras, o trabalho, as mulheres e as assombrações hoje recordadas lhe fazem voltar ao passado, e nós do JORNAL DO MOSQUEIRO, satisfeitos. Porque essa é a sua vida.” (Laury Garcia)

Mundiquinho Bastos faleceu ainda na década de 80. A padaria não existe mais nem o Bloco da Vitória, mas o nome do seu comandante permanecerá, pois está intimamente ligado ao folclore e aos velhos tempos da Ilha.

FONTE: Jornal do Mosqueiro. Ano I – nº 2 – 1985.