sexta-feira, 29 de abril de 2011

CANTANDO A ILHA: HOJE

 

HOJE

Autor: Ronaldo Franco

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Nesse meu cantinho

(Ilha do Mosqueiro)

Meu coração ficou mais longo

à sombra

de árvores de lembranças

que dão frutos

(tão frequentes e necessários)

para o poeta

mastigar o futuro

FONTE: http://ronaldofranco.blogspot.com/2011/04/hojepara-morder.html

 

quarta-feira, 27 de abril de 2011

A ILHA CONTA SEUS CAUSOS: O homem que foi malinado pela Matinta

(Texto transcrito da narrativa de Alex N. Raiol – Turma 721 – CB)

“Isso aconteceu de verdade, com a minha mãe, meu pai e meu tio. Nós morávamos lá no Carananduba; o meu pai estava conversando com a minha mãe e meu tio quando a mamãe se levantou e foi até o quintal, já era mais de meia-noite e estava uma lua muito bonita, pois era noite de lua cheia.

Quando a minha mãe olhou para cima viu que com a lua estava claro, mas a vista dela escureceu; ela viu algo que tinha asas compridas, cabelos brancos na cara, com altura mais ou menos de dois metros, uma calça encardida, a blusa velha e unhas grandes. A minha mãe a descreveu como um anjo, mas um anjo do mal que ia voando lentamente e passou por cima da minha casa.

Foi quando a minha mãe chamou o meu pai e o meu tio, que pegaram a bicicleta e foram atrás para verem onde ela ia parar. Chegando lá na esquina ela sumiu e na mesma noite um conhecido nosso que era pescador estava na beira do rio pescando e viu a mesma marmota quando passou por cima dele e saiu no rumo do Marajó. Ele ficou com dor de cabeça e febre e decidiu ir embora para a sua casa e chegando lá ficou quase doido de tanta dor de cabeça.

Os vizinhos ficaram comentando sobre o que tinha acontecido e todo mundo acha que foi a Matinta que apareceu nessa noite e malinou com ele.”

FONTE: (Lima Gama, Rosangela C. e Santos Andrade, Simei. “Mosqueiro Conta em Prosa e Verso o Imaginário Amazônico”. PMB, 2004, pp. 104 e 105)

terça-feira, 26 de abril de 2011

CANTANDO A ILHA: ESPLENDOR

 

Autor: Rogério Portela

Esplendor

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Do trapiche se ouvia triste melodia,

Uma saudade empanava uma lembrança fria,

Era pálida, o sol não reluzia:

A noite se fez no meio daquele dia.

O céu cinzento, a tarde não se erguia,

O mar adormecido, sua única esperança, assim, jazia,

Uma solidão profunda saltitava, ria

Daquela face desfigurada, sombria.

As árvores quietas, o vento mudo, tudo perecia;

O prazer já não mais se fazia;

Até o silêncio calou-se naquela tarde vazia.

Mas, distante, uma luz então refletia e tudo revivia...

Era doce, suave, misteriosa e bela; ressurgia

Espraiando-se nas trilhas do sonho que evadia.

 

 

FONTE: http://rogeriomportela.blogspot.com/search?updated-max=2010-05-27T06%3A23%3A00-07%3A00&max-results=7

sábado, 16 de abril de 2011

NA ROTA DA HISTÓRIA: O GENERAL ASSUNÇÃO E A BELÉM-MOSQUEIRO

Autor: Augusto Meira Filho

“Corre o ano de 1950 tumultuado pela política, quando duas facções adversárias se opunham tenazmente e não mediam suas forças, apenas, pelos coeficientes eleitorais de cada uma mas, sobretudo, pelas vinditas pessoais, pelo elevado rancor de parte a parte. De um lado o velho baratismo, agora pessedista, prestigiado pelo Chefe Barata, pelas hostes sulistas, pelo arrojo de sua gente; do outro, os inimigos figadais do Coronel, os seus opositores desde a Frente-Única, a coligação partidária que há muito procurava derrubar o líder de 30, de seu trono paraense. Foi uma temporada de indescritíveis ameaças, de desentendimentos mútuos, de luta fratricida absurda, não mais admissível num povo que se dizia civilizado e ordeiro. A verdade é que a guerra estava lançada entre os amigos e partidários de Barata e seus opositores tradicionais.

As campanhas durante 1950 foram tremendas. Dessa época, a presença de uma nova personalidade no problema Belém-Mosqueiro.

Comandava a Oitava Região Militar, sediada em Belém, o General de Divisão Alexandre Zacarias de Assunção. Criatura simpática, amável, cordial, cedo tornou-se conhecida e estimada da população de Belém. Sua posição, portanto, na cidade era prestigiosa e conhecida. Do outro lado, chefiando a política, estava o coronel, depois General Magalhães Barata que não admitia a intromissão de alienígenas na chefia política da região, há muito tempo, conquistada por ele desde os albores revolucionários de trinta. Interventor Federal duas vezes, agora, pretendia a Governança Constitucional, razão maior de sua atividade junto aos correligionários da capital e do interior. O executivo paraense permanecia sob o comando pessedista, da qual ala Barata era um dos chefes no setor federal. Dirigia o Estado o Coronel Moura Carvalho, e a nossa nova figura da política regional, o General Assunção, seria convocado para ser o candidato da Coligação ao Governo Estadual, na luta eleitoral contra Barata. Relutou, em princípio, mas acabou aceitando a guerra. Os divisores se abriram na paisagem paraense e não havia meio-termo. Quem não estava com o PSD se unia à Coligação. Duas colunas distintas deveriam enfrentar um pleito perigoso e de difícil solução amigável ou pacífica.

Já nesse 1950, em junho, inaugurávamos parte do nosso Serviço com a Firma Byington Cia., no Utinga e na cidade, com as novas elevatórias, o Canal do Utinga, o remanejamento da Estação de Tratamento e outros setores paralelos.

Também uma Usina Elétrica totalmente montada para atender, de São Braz, à toda força destinada às bombas de reclaque do Utinga e de São Braz. Mais tarde serviria, igualmente, às máquinas fixadas nos setores urbanos. Tudo novo substituindo as velhas bombas inglesas que nos vinham da antiga Companhia das Águas do Grão-Pará, no Império, recuperadas na administração Montenegro. Foi uma festa essa inauguração junto à nova Usina e que, de certa forma, influiria política e eleitoralmente à facção baratista. Mas o nosso empenho nessa obra nunca teve qualquer sentido partidário. Cumpríamos nosso dever e disso houve comprovação, posteriormente até por parte da oposição.

Mas nessa contribuição, o que interessa, realmente, é focalizar a presença do General Zacarias de Assunção, junto às pretendidas obras da PA-17, da qual só possuíamos seu levantamento precário e sua comprovação de exeqüibilidade, como vimos.

Nosso General costumava passar seus fins-de-semana fora de Belém. E um dos seus lugares preferenciais era a residência do seu amigo Eurico Romariz, industrial de importância e ex-deputado do Partido Liberal, em 30-35, até 37 quando o “golpe” de Getúlio fechou todos os parlamentos brasileiros.

Assunção, como todo belenense que ama esta terra, tornou-se um fiel admirador do Chapéu-Virado. Aos sábados e domingos era visto como hóspede de seu amigo Romariz, na “Vivenda Paraíso”, situada no extremo da praia oposto do Hotel do velho Zacharias Mártyres. Um lugar pitoresco, ventilado, agradável se confundia com a gentileza dos donos da casa. A beleza da ilha, a paz dominante e a paisagem que se perdia no horizonte em busca do Marajó faziam do “Paraíso” mosqueirense um novo éden para o visitante que tanto desejava conhecer outras plagas amazônicas como aquela. O temperamento do General se adaptava, se fundia, com perfeição, à perfeição do lugar.

Consta que em uma deliciosa manhã de verão o permanente convidado de Romariz, dirigindo-se ao anfitrião, assim comentou:

-- É inacreditável que vocês paraenses ainda não tenham pensado numa rodovia para o Mosqueiro. Uma estação balneária como esta não vai poder ficar toda a vida na dependência desse vapor. Sei que a viagem, mesmo por lancha, é agradável. Contudo, enfadonha, demorada. Uma estrada resolveria a todos os problemas do visitante e dos veranistas, além de beneficiar essa gente nativa e que, certamente, vive aqui com suas famílias.

-- Realmente, explicou Romariz, isso é muito importante. Mas já há alguma coisa a esse respeito. Desconheço os detalhes. Não será difícil colher informações, no caso de interessar ao General. Sou muito amigo de um desses propugnadores da feitura de uma estrada Belém-Mosqueiro. É um engenheiro que está tocando o assunto, quase sozinho. O problema é controverso. Há várias correntes sobre o caminho a seguir. Daí as dificuldades. Compreende, General?

O Comandante da Região confirmou com a cabeça e lamentou:

-- É deveras uma pena. Isto aqui é bom demais para depender de um transporte tão incipiente, antigo e vagaroso. Há esperança dessa estrada?

Romariz acomodou-se na poltrona e respondeu:

-- Fala-se antes na vinda de barcos novos fabricados na Holanda. Dizem que uma encomenda já está sendo estudada entre os SNAPP e as fábricas estrangeiras. Isso é tudo que sei. Pretendem colocar nesta linha um navio moderno, de grande velocidade e absoluto conforto. É o que se espera. Só não se sabe para quando... A estrada está em fase de cogitação, de ideia, defendida ardorosamente por um grupo. Mas há notícias de sua viabilidade... Assim, esperamos. Mas ainda não começaram nada, ao que eu saiba.

Esse diálogo ficou para a história da estrada Belém-Mosqueiro. E ele nos foi revelado pelo próprio Sr. Eurico Romariz, nesse tempo, um dos maiores baluartes na luta a favor da Ilha do Mosqueiro, haja vista a linda vivenda que lá edificou num dos mais belos lugares da Ilha: “O Paraíso”.

O resultado do pleito todos nós sabemos. Por uma diferença mínima de votos, venceu a oposição. Subiu à governança do Pará o General de Divisão Zacarias de Assunção. Em virtude dessa modificação, também nós deixaríamos a direção-geral do Departamento Estadual de Águas.

A partir desse tempo, passávamos a funcionar como engenheiro perito e analisador do Banco da Amazônia, onde permaneceríamos quase vinte anos.

Começa o Governo oposto ao baratismo em fevereiro de 1951, tendo sido nomeado Prefeito de Belém o Sr. Lopo Alvarez de Castro. Tinha este uma larga soma de serviços prestados à Coligação; merecendo, pois, ocupar a segunda função importante da política regional: a de governador da cidade de Belém!

Nos primórdios de sua administração, o General Zacarias de Assunção foi procurado em Palácio pelo seu amigo Eurico Romariz e, nessa visita histórica para a vida do Mosqueiro, Romariz cobrou do Governador empossado: aquela dívida: a construção da rodovia para o Mosqueiro.

Assunção confirmou seus desejos nesse sentido e prometeu, de viva voz, ao amigo que iria providenciar esse trabalho, pois muito apreciaria vê-lo concluído em seu governo.

Efetivamente, o governador, logo tratou de cumprir sua promessa. Determinou ao Prefeito Lopo Alvarez de Castro as providências necessárias para o início das obras da estrada. Assunção fez do próprio Sr. Romariz o intérprete de sua determinação direta ao chefe do Executivo Municipal. Este, por sua vez, logo deu os primeiros passos, solicitando ao intermediário que procurasse saber o que havia dessa estrada falada nos jornais e da qual nós éramos seus idealizadores ou divulgadores pela imprensa como coisa “viável”, o que tinha motivado o interesse do Governador Assunção.”

(FONTE: MEIRA FILHO, Augusto. “Mosqueiro Ilhas e Vilas”- ED. GRAFISA, 1978- pp. 159, 160, 161, 162 e 165)

 

quinta-feira, 14 de abril de 2011

CANTANDO A ILHA: A ILHA…

 

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A ILHA...

Autor: Rogério Portela

Oh! Que ilha amada e maravilhosa,
é um paraíso a tua formosura;
ilha d'água doce, clara e pura;
uma ilha límpida e esplendorosa.


Oh! Que ilha tão bela, de alma tão próspera,
de luar tão claro e vento tão brando,
de céu tão estrelado e ar purificado;
uma ilha venusta e tanta cultura.


Oh! Que ilha fértil, de um sol imponente;
ilha cristalina e tanta riqueza;
uma ilha ardente de tanta gente.

És a ilha dos sonhos, és mui querida!
Só não te goza quem não te conhece
e entre tantas és a preferida!

FONTE: http://rogeriomportela.blogspot.com/

terça-feira, 12 de abril de 2011

A ILHA CONTA SEUS CAUSOS: A MULHER ENCANTADA

(Texto transcrito da narrativa de Uítalo Klive B. da Silva – Turma 221- CB II 2º ano)

“Eu escutei esta estória do meu tio, contando que um certo dia ele foi cedo para o mato, umas seis horas da manhã, levando o meu passarinho. Chegando lá ele viu um vulto atrás e mais lá na frente tinha um riozinho, onde ele viu uma linda mulher cantando uma linda música. Ele se encantou e entrou no rio, que era fundo, vendo uma mulher linda mesmo, num barco encantado. Quando ele se espantou, estava dentro da água; assustado ele queria ir para a terra, mas parece que alguma coisa o puxava para trás. Ele subiu para a terra e viu de novo a mulher cantando e tirando a roupa na frente dele, mas logo ela pulou na água e não voltou mais. Quando ele se virou o barco tinha sumido e ele foi embora.”

FONTE: (Lima Gama, Rosangela C. e Santos Andrade, Simei. “Mosqueiro Conta em Prosa e Verso o Imaginário Amazônico”. PMB, 2004, p. 94))

 

domingo, 10 de abril de 2011

CURIOSIDADES: O CONTRABANDO NA PONTA DO FAROL

Autor: Augusto Meira Filho

Voltamos a referir à personalidade marcante do Doutor Zacharias Mártyres, diante da merecida homenagem que a Prefeitura Municipal de Belém vem de lhe prestar, fixando seu nome na nova ponte construída sobre o Igarapé do Cajueiro. Substituindo velha estrutura em ferro que conhecemos servindo a rodovia beira-mar de Ariramba para o Carananduba, agora em concreto armado, executada pelo DMER sob ordens do Prefeito Ajax Carvalho d’Oliveira, a “Ponte Zacharias Mártyres”, além de resolver definitivamente a interligação rodoviária pelo litoral, da Vila à Baía do Sol, vem se constituindo, também, um ponto de turismo que procura exaltar um dos grandes pioneiros e batalhadores do Mosqueiro, esse curioso bragantino que foi Zacharias Mártyres.

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PONTE DO CAJUEIRO ANTES DE 1976 (FONTE: MEIRA FILHO, 1978).

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PONTE ZACHARIAS MÁRTYRES, NO CAJUEIRO (FONTE: MEIRA FILHO, 1978)

Assistimos ele contar uma estória curiosa, a respeito de uma sua mania de chamar os seus trabalhadores de “comunistas” e repetir que o que era bom , ali naquela ponta do Farol, era a possibilidade tranquila de se explorar um contrabando... Evidentemente, no bom sentido da palavra.

Acontece que essa mania correu mundo e foi ter às oiças da Polícia e da Alfândega e de outros organismos federais ligados a esses problemas.

Zacharias contava isso, sorrindo, enquanto preparava um cigarro e desdobrava-se de jeitos na cadeira austríaca de sua preferência.

Pois bem – dizia satisfeito – o conhecido causídico do Foro de Belém. Um dia, pela tarde, chegam vários tipões, bem vestidos, com ares de policiais americanos, procurando-me por toda parte neste fim de mundo... O Isaac – empregado fiel e raro do Hotel – chamou-me, para alertar-me da presença daqueles galantes senhores à porta do Hotel. Aproximei-me e falei:

-- Pronto, eu sou o proprietário desta Casa de Hóspedes, familiar, doutor Zacharias Mártyres, o que desejam? Vamos sentar. Aqui no Salão dos Espelhos!

-- Estamos aqui, Dr. Zacharias, em comissão. Somos funcionários da Alfândega de Belém e o chefe nos mandou para apurar problemas de contrabando que o senhor diz existir aqui. Houve informação de que o Sr. dissera que a melhor coisa desta ponta de praia era o contrabando. Isso nos interessa. Por volta de Belém há dezenas de furos, de lugares ermos, de pontas-de-mato, onde se faz contrabando a céu aberto. Por isso chamam para os carros novos de “cotias”...

Vejam vocês, falava-nos Zacharias, quando a gente é simples e sem pecado, logo o mal se atribui a quem não o tem e nem o propaga. Mas eu falo muito e é do jeito que vocês conhecem. Tomei conhecimento da queixa e disse ao chefe:

-- Realmente, caro amigo, sempre comento aqui esse fato, dizendo, mesmo, que nestas paragens solitárias o contrabando é ideal... ideal mesmo! Quer saber o que se faz? Talvez seja de seu interesse. Venha aqui ao lado. É um segredo!

Nessa altura da visita, Zacharias aproxima-se da nossa roda e repete o que já conhecíamos:

-- Levei o Chefão para a beira do barranco, debaixo da mangueira, fiz ele ver a beleza da paisagem, respirar este ar fresco e saudável do Farol, observar o bucolismo deste lugar abençoado, e disse-lhe ao pé do ouvido: “O contrabando, amigo, é mulher. Mulher, sabe? Entendido? Você mesmo pode desfrutar dessa vantagem. Aqui não há nenhum perigo. E se tal houver serei o advogado de meu cliente. Disponha, companheiro, mas não explique isso a todo mundo. Contrabando de saia, com absoluto sigilo e respeito. Esta é a minha casa. Não admito coisas erradas nesta “Casa de Hóspedes”. Se quiser... poderá até vir de barco... Hein?

Meus camaradas, o tal moço da cidade, servidor federal da Alfândega, deu um leve sorriso de aprovação e, depois, riu-se a valer. Sim! Era pra isso!

Reuniram-se todos no salão. Tomaram refrigerantes e partiram satisfeitos. Longe observei que o maioral contava a estória do contrabando a seus colegas e ainda ouvi risadas enormes ao partir do jeep em que estavam. O Jeep oficial da Agência pois nesse caráter foram recebidos pelo Agente. Essa é apenas uma das muitas passagens gostosas da vida do Zacharias naquele canto do mundo onde se deliciava com a vida e com tais prazeres. Uma figura admirável!”

(MEIRA FILHO, Augusto. “Mosqueiro Ilhas e Vilas”, ED. GRAFISA, 1978, PP. 355, 356 e 357).

terça-feira, 5 de abril de 2011

JANELAS DO TEMPO: DONA ANTONICA

Autor: Augusto Meira Filho

“Trata-se, na realidade de Dona Antonia Paes da Silva, filha de Leocádio José da Silva e Maria do Carmo Silva. Seus pais nasceram no lugar de “Santana”, situado na Baía do Sol, depois denominado de “Fazenda”. No período do Império, Leocádio requereu aquela sorte de terras, região cujo nome era, então, “Paraguai”, mais tarde batizado de Conceição. O velho Leocádio era profundamente religioso e devoto da Virgem da Conceição, razão do nome da sua nova propriedade. Naquele lugar, viveu com a sua família, constituída de sete filhos: Leocádio da Silva Junior, Izabel da Silva, Florêncio José da Silva, Mariana Augusta da Silva (Perdigão), Rita do Espírito Santo da Silva (Álvares), Antonia Paes da Silva e Gabriel Arcanjo da Silva. O sítio era agrícola, em frente à praia que tomou seu nome, fronteiriço à ilha das Pombas.”

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SÍTIO CONCEIÇÃO (FONTE: MEIRA FILHO, 1978).

Dona Antonica... nasceu a 10 de janeiro de 1885 – durante uma Festa da Conceição, tendo tomado o nome de Paes de seu padrinho Antonio Paes.

Durante toda a sua vida, o velho Leocádio foi laurista e assim criou seus filhos contrários à política lemista. Em seu tempo, ninguém chefiava a vida partidária na Baía do Sol, sem sua aprovação. Era o legítimo representante do Sr. Lauro Sodré, naquela metade da Ilha do Mosqueiro.

Vindo para Belém, Dona Antonica diplomou-se pela Escola Normal, em 1903. Precisava trabalhar e desejava uma colocação no ensino da capital. Seu pai não permitia que se solicitasse qualquer favor ao velho Antônio Lemos, Chefe Político de maior influência, em seu tempo. Governava, Augusto Montenegro.

Com o falecimento de seu pai, arvorou-se Antonica a pleitear um lugar de professora, nos estabelecimentos oficiais do Estado. Resolveu, então, procurar o senador Lemos, mantendo, com o eminente Intendente de Belém, o seguinte diálogo, que é desconhecido de nossa História:

O Senador: “Por que a senhora professora não me procurou há mais tempo, já que formou-se em 1903?” (Estávamos em 1908).

A Mestra: “Porque, Senador, meu pai era laurista apaixonado e não permitia e nem admitia que uma filha sua pedisse favores ao Sr. Senador Lemos. Fomos proibidas por ele de assim proceder, fosse o que fosse..”

O Senador: “O Lauro é mais feliz do que eu com os seus amigos porque são leais! São sinceros...”

Em seguida, Lemos chamou seu secretário e mandou nomeá-la professora estadual na Vila do Mosqueiro. Lecionou no Grupo Escolar do Mosqueiro, depois denominado de “Monsenhor Mâncio Ribeiro”, que foi Vigário da Sé e era militante político simpatizante da ala laurista.

A querida professora Antonica contou-nos diversos episódios curiosos que se passaram na Casa Grande da Conceição, na Ilha do Mosqueiro.

Um dia, em plena efervescência partidária, à época do carnaval, um lemista entrou, sorrateiramente, na casa do velho Leocádio e, sem ser notado, jogou confete nas panelas da cozinha, inutilizando o almoço, escafedendo-se pela praia. A luta política era assim. Um grupo não perdoava o outro.”

“Na área da política regional, D. Antonica também nos revelou que a sua família sempre foi antibaratista. Intrigas e mais intrigas haviam-na inimizado com o Interventor Barata, sem que houvesse nenhum motivo de sua parte

Em razão desses fatos, Barata mandou fechar o “Externato São Geraldo” e demitiu-a de suas funções no ensino da capital. Tudo fruto da inveja e de fuxicos que levavam aos ouvidos do governante que, até certo ponto, ela estimava e reconhecia como um notável administrador. E para confirmar essa admiração, mesmo a despeito do que sofrera em suas diversas gestões, confidenciou-nos:

-- “Fui a Palácio quando ele morreu. E rezei, com minhas amigas, um terço ao lado do seu caixão, colocado no Palácio do Governo.”

E acrescentou:

-- “Fui ao velório somente para esse fim. Perdoei todo mal que me fez...”

Recordando a juventude ou a infância na Conceição, Dona Antonica nos revelou que, em criança, viu ali um oficial de Marinha que hospedou-se na sua Casa Grande da Conceição, doente, quase inválido e que só caminhava com muletas. Após alguns dias de repouso e de banhos na maré, voltou curado para Belém, deixando suas muletas na Capelinha, como lembrança do milagre que conquistara nas águas e na praia da Ilha do Mosqueiro. Isso vem corroborar a nossa tese de que a Ilha do Mosqueiro possui algo de extraordinário para a saúde da população belenense.”

“Igualmente, a estimada professora recorda as suas Pastorinhas no Natal, os banhos de cheiro no São João e as festas memoráveis em louvor da “Conceição”, anualmente celebradas por seu pai.

E nesse tempo, esclarecia-nos D. Antonica:

-- “Vínhamos de barco, de canoa, partindo do igarapé das Almas, em Belém. Do Reduto, saíamos sempre com a vazante logo alcançando o Mosqueiro e a Conceição. Viajávamos todos juntos, e era uma festa na canoa cheia de gente desejosa de ver logo a “Ilha das Pombas” que fronteava nossa Vivenda. A Conceição estava próxima. A alegria tomava conta de todos.”

(MEIRA FILHO, Augusto. “Mosqueiro Ilhas e Vilas”, ED. GRAFISA, 1978, PP. 388, 392, 393 e 394).

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SÍTIO CONCEIÇÃO (FONTE: GOOGLE EARTH)

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A ILHA DAS POMBAS EM FRENTE À CONCEIÇÃO FOTO (Wanzeller 2010).

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(FONTE: GOOGLE EARTH

Sitio Conceicao

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segunda-feira, 4 de abril de 2011

A ILHA CONTA SEUS CAUSOS: O CASAL MATINTA PERERA

 

Texto construído a partir de narrativas dos moradores da Comunidade de Caruaru e transcrito pela Profª. Leila do Socorro A. Cunha.

No Sítio Esperança morava um casal. A mulher era doméstica e o homem era sapateiro. O homem trabalhava o dia todo e chegava cansado em sua casa. Sua esposa dizia:

-- Querido, venha jantar, pois precisa dormir cedo que estás cansado.

Ele obedecia e depois iam deitar junto, mas ela deixava ele dormir e saía para virar Matinta Perera. Numa bela noite ele desconfiou dela e fingiu que estava dormindo e ficou observando a mulher.

Ela levantou e foi até o quintal atrás de uma árvore onde havia uma bacia cheia de bruxaria. Enquanto isso, seu marido estava observando. Ela tirou a roupa e passou o banho e virou uma Matinta Perera.

Ela falou:

-- Por cima de tudo quanto é pau!

E saiu voando.

Seu marido fez o mesmo e disse:

-- Por baixo de tudo quanto é pau!

E saiu se batendo todo.

Ele chegou numa festa onde só tinha Matinta Perera e a música da festa era só “fit, fit, Matinta Perera!”

Uma certa hora acabou o vinho, alguém teria que ir roubar no armazém. Justamente eles dois foram o casal escolhido e saíram no rumo do boteco mais perto.

Só que quem vira Matinta Perera não pode chamar o nome de Deus. O casal entrou no boteco e encheu os garrafões de vinho, mas a tampa do barril arrancou e começou a derramar. Seu marido “desaparecido” disse:

-- E agora, meu Deus?

Ela disse:

-- Chamaste ariú, ficaste nu.

Ela pegou o garrafão de vinho e voou até a festa, mas ele ficou nu dentro do boteco sem poder sair.

Quando amanheceu, o dono do boteco abriu as portas e viu aquele homem nu sair correndo. Ele correu atrás gritando:

-- Pega ladrão, pega ladrão!

O homem pediu:

-- Pelo amor de Deus, pára, pára!

Então o homem parou para escutar o que estava acontecendo. Ele contou sua estória e quando acabou de contar, o dono do boteco deu roupa e comida e o Matintão não sabia voltar para sua casa, pois ele tinha atravessado sete cidades.

Moral da estória:

A gente nunca deve seguir os passos das outras pessoas, mesmo porque podemos cair no desespero.”

FONTE: (Lima Gama, Rosangela C. e Santos Andrade, Simei. “Mosqueiro Conta em Prosa e Verso o Imaginário Amazônico”. PMB, 2004, pp. 97 e 98)

domingo, 3 de abril de 2011

CANTANDO A ILHA: Mosqueiro de inverno a verão

Autor: Joaquim Amóras Castro

O meu passeio é diferente no dia de hoje. Vou pegar o meu Passat e dar uma esticada até o Mosqueiro das velhas e seculares mangueiras que foram plantadas por mãos abençoadas na Praça da Matriz de Nossa Senhora do Ó, padroeira da Vila e dos mosqueirenses.

O carro cinza, que me custou os olhos da cara, corre macio, tranquilo, atingindo em poucos minutos o Tauarié, bem na cabeceira da ponte Sebastião de Oliveira, no Furo das Marinhas. Paro um pouco, revejo o velho Ângelo, pergunto pela gente simples das Barreiras, compro uns litros de camarão pegado na beirada com os matapis com as iscas de babaçu. Imprimo a velocidade de estrada no meu Passat para rever meus amigos na Ponte do Cajueiro, velho ponto de pescadores que se dedicam à pesca artesanal. Mas antes passo em Carananduba para ver a velha escola e algumas casinhas que ainda guardam a recordação de quando o Mosqueiro era apenas um vilarejo de difícil acesso, porque apenas os navios levavam os turistas de final de semana e onde a praia do Bispo e a Praia Grande eram as mais freqüentadas e visitadas.

Bate uma saudade no meu peito e uma lágrima de dor molha minha retina, porque não vejo mais o “Presidente Vargas” dar seu apito de chegada ou de saída para avisar os passageiros retardatários. Mas minha mulher, mosqueirense no duro, retruca reticente e com um ar de tristeza:

-- Isso já passou, foi uma época que não volta mais, o progresso castrou o sonho, onde o mar era poesia e o apito do navio, a lua e as ondas formavam a sinfonia que vinha dos deuses, cujo maestro, por certo, era Netuno.

Aqui ninguém tem interesse em mudar os nomes das ruas, que continuam a ser a 1ª, a 2ª, a 3ª e a 4ª ruas e podem até colocar nomes de doutores, de políticos, de benfeitores, que ninguém quer saber quem foi Siqueira Mendes ou outro qualquer, porque os nomes de primeira água permanecem para sempre, amém. Ainda bem que essa tradição não morreu e haverá de permanecer para sempre.

Visitar a velha Baía do Sol, de belas e afrodisíacas praias com nomes esquisitos, onde os amigos diziam que embaixo da igrejinha havia uma enorme serpente e que ali por perto tem reservas de enxofre e petróleo, coisa que a Petrobrás não confirmou depois de pesquisar por vários meses e em cujo rio ainda se encontram tracajás e camarões do tipo gigante da Malásia, que de vez em quando aparecem nos currais das beiradas das Bacabeiras e onde os caboclinhos ainda dizem:

-- Sá bença, nha tia, Sá bença, meu tio.

O Mosqueiro tem duas fases, antes e depois da ponte. Gostava mesmo bem antes da ponte, era mais prosaico e poético, embora agora esteja bem mais assanhado e bem mais vibrante, principalmente nos meses de férias, onde as gatinhas andam de motoca desfilando plásticas em “abundância” deixando de fora apenas os minúsculos biquínis. Sem confusão, heim! Orlando Henriques, sem confusão ou maledicências.

Hoje, como dizia o mestre Cândido Marinho da Rocha, que foi um mosqueirense inveterado, temos a alcoólica, a bucólica, a católica e tantas praias que uma velha beata já quis transformar em rosário, com contas bem graúdas: São Francisco, Ariramba, Murubira, Farol, Chapéu Virado, Porto Arthur e tantas outras, onde os velames se confundem com as lanchas velozes, com as pranchas de surfs, com as cadeiras de alumínio que as madames trazem para pegar sol nas ancas gordas e carnudas. A música pop, os rocks, o samba e os bregas fazem o fundo musical desse teatro ao ar livre, cujos artistas principais são o sol, o mar, a brisa e o corpo bronzeado.

Os bons hotéis e as boas casas de pasto nada perdem para os grandes centros, com diversificação da cozinha agradando todos os paladares e todos os gostos. Isso é Mosqueiro, das belas casas modernas, dos velhos casarões da praça, do velho mercado, do alto-falante que teima em anunciar as músicas para os namorados. O Mosqueiro é de inverno e de verão, da hora que quiser, porque aqui é o Paraíso, é as Bahamas paraenses, que entre uma Cerpinha e uma caipirinha, sempre tem uma estória gostosa para ouvir daqueles que andaram pelos velhos e tortuosos caminhos do Carananduba até a Vila, somente para assistir ao Círio da padroeira ou para votar no prefeito de Belém. Pode?...

Ah! Velha Mosqueiro...

Mosqueiro do dia inteiro...

Mosqueiro das moreninhas...

Mosqueiro das barraquinhas...

Mosqueiro do peixe fresco...

Mosqueiro das velhas praias...

Mosqueiro do bem-querer...

Mosqueiro que quero ter..

Mosqueiro que é quase eterno...

Do verão ou do inverno!

 

(FONTE: O. CHAGAS, Marco Antônio. “Informativo do Mosqueiro” - ed. nº 2 – 1993, p. 22)

MOSQUEIRANDO: O texto foi escrito, em 1993, por Joaquim Amóras Castro, jornalista, escritor e poeta. Pode parecer saudosismo, mas acima de tudo é História.

sexta-feira, 1 de abril de 2011

NA ROTA DA HISTÓRIA: ESTRADA BELÉM-MOSQUEIRO: O PRIMEIRO PASSO DE UM SONHO

Autor: Augusto Meira Filho

“Jurandir Alves da Cunha, chefe da firma, contratou, em São Paulo, um jovem topógrafo, José Delbim que, em Belém, executaria esses serviços topográficos no Utinga e que permitissem, a posteriori, um cálculo exato da penetração dos lagos em terras de terceiros.

Sempre em nossa companhia no D.E.A. e nas matas do Água Preta, Delbim ouviria nossas aspirações em torno dos planos para a abertura de uma estrada entre Belém e o Mosqueiro. Tão interessado mostrou-se que, cedo, visitou a ilha e procurou conhecer melhor o ambiente que tanto defendíamos. Seu entusiasmo coincidiu ao nosso e logo, de motu proprio, ele, na qualidade de mateiro e topógrafo, propunha-se, gratuitamente, em seus dias de folga, a nos apresentar um reconhecimento topográfico de toda a região compreendida entre Benevides e o Mosqueiro. Isso era tudo quanto desejávamos, ardorosamente.

No correr do ano de 1946, adiantados os levantamentos do Utinga, nosso estimado colaborador chamou a si aquela responsabilidade de nos apresentar, sem despesas, um caminhamento inicial desde a Vila de Benevides à Ilha do Mosqueiro. E assim foi feito, sem ônus para ninguém.

Em sábado apropriado, sem qualquer compromisso com o poder público, apenas desejoso de nos servir e já interessado na Ilha do Mosqueiro que visitara por via fluvial, José Delbim organiza uma turma-de-mato, gente habilitada em serviços de campo e parte, manhã cedo, de Benevides, seguindo a direção que havíamos indicado, para que seguisse a própria orientação solar, de leste para oeste, praticamente em linha reta que iria, fatalmente, dar em frente ao Mosqueiro, ou melhor, ao furo das Marinhas, que separava a Ilha do continente.

Nessa viagem pioneira de reconhecimento da região, Delbim levou alguns ajudantes moradores de Benevides, gente de confiança ligada à família Salomão que, nessa época, desfrutava de largo prestígio político no município. Ainda lá existem muitos dos que participaram dessa empreitada, em busca da solução rodoviária entre a capital e a Ilha do Mosqueiro.

Ao retorno, o topógrafo nos cientificava do ocorrido. Na primeira tentativa, chegou a turma até o igarapé do Paricatuba, onde ele por si só se alarga, dando a impressão de um lago. Essa circunstância nos havia sido anunciada pelo mestre Sidrim. Para a próxima investida, realizada uma semana após, sugerimos que reconhecesse o terreno um pouco mais para baixo e, assim, comprovaria que o Paricatuba, em certo trecho, não teria mais de vinte ou trinta metros.

Isso mesmo foi observado, in loco, pelo nosso colaborador. Cada semana, uma novidade a mais ficava patente na caderneta de campo e ele prosseguia em seu trabalho pioneiro de penetração dessa parte do continente que deveria frontear-se com a ínsula. Na penúltima entrada, Delbim encontraria casebres fixados à beira dos pequenos rios, gente simples, vivendo da pesca e da caça e muita criação. Recordamos uma sua observação: na dormida do sábado para o domingo, dificilmente encontrava mosquitos ou umidade capaz de incomodá-los. Cedo despertavam, iniciando a caminhada seguindo os mesmos rumos do oriente para o ocidente, ou melhor, de nordeste para o sudoeste, em demanda da Ilha. As notícias seguiam o mesmo ritmo, estando toda a turma em ótimas condições físicas, para o retorno ao trabalho, na semana seguinte.

Nosso entusiasmo crescia em cada chegada de Delbim trazendo as melhores referências do lugar, principalmente para efeito de uma construção rodoviária que sonhávamos anunciar aos quatro ventos da cidade e do Estado.

Na última avançada, sempre partindo do mesmo local, sentimos que dessa feita o grupo chegaria ao Canal das Marinhas ou “Furo” anunciado na planta de Palma Muniz.

Convidamos o eng.º Jurandir Cunha – chefe dos serviços da Byington – para um possível encontro com os rapazes do campo, em qualquer lugar provável aonde deveriam chegar, ao fim da picada que pretendiam efetuar complementando o serviço já realizado. Era o que supúnhamos como ser, em vista da planta citada e que serviria de base a todas as nossas conclusões.

Jurandir Cunha aceitou o convite. Conseguimos a gentileza de uma bela lancha de propriedade do SESP, segura e confortável, e, com pequeno lanche a bordo, tomamos a embarcação no trapiche do Pinheiro.

Recomendamos ao comandante seguir à ilharga do Pinheiro, entrando pelo furo do Maguary. Passaríamos o matadouro e algumas instalações madeireiras então plantadas à margem do rio, sempre à nossa direita. Deveríamos avançar nesse rumo, sem perder de vista a ilha à esquerda de Caratateua. A lancha, veloz, cumpria esse programa, até quando sentimos que à nossa destra continuavam os barrancos continentais enquanto do outro lado desaparecia a ilha de Caratateua surgindo, em seguida, a costa do Mosqueiro. Assim, havíamos vencido toda a ilharga da primeira ilha fronteira ao Pinheiro e, agora, a segunda (Mosqueiro) começava a se aproximar da embarcação.

Ordenamos que continuasse na mesma marcha a lancha, em boa hora cedida pelo SESP, sempre beirando o continente. Tanto mais avançávamos no rumo leste, a ilha do Mosqueiro mais parecia aproximar-se do continente.

Em pouco tempo, a partir desse ponto de nossa inspeção, achamos interessante parar um pouco, em uma mercearia com grande trapiche que, além de nos proporcionar alguma notícia da turma-de-campo que deveria desembocar por aquelas bandas, poderíamos, também reforçar nosso lanche que estava a acabar.

O comandante obedeceu nossas instruções. Atracou na base do trapiche e onde estava uma enorme escada de acesso ao topo dessa improvisada ponte de desembarque. Recordamos ter comentado com Jurandir:

-- Como é bom estar longe do rebuliço da cidade, em lugar que somos inteiramente desconhecidos. Não há dinheiro que pague esta libertação e esta paz, nesta casa comercial que pela primeira vez visitamos. Um conforto, isso!

Nem bem falávamos elogiando a tranquilidade reinante, vem em nossa direção um cidadão alto, magro, novo, com ares de lusitano e sem cerimônia fala:

-- Com que então o senhor doutor cá por estas bandas, deve ser alguma coisa boa a nos acontecer. Então, o que mandam? Boa viagem? Que procuram?

Mal tivemos a oportunidade de apresentar o colega e confirmar que desejávamos informações sobre uma turma de topógrafos que ali deveria chegar a qualquer momento. E indagamos curiosos:

-- E o Sr. sabe quem somos? Nunca aqui estivemos, antes. É a primeira vez que conhecemos este lugar. O que sabe? Quem é o senhor? Explique-se...

O cidadão nos fez entrar, ofereceu-nos refrigerantes e informou:

-- Ora, Sr. doutor, o seu irmão Dr. Octávio é meu advogado. O Sr. não é um dos Meira? Que faz por cá? Posso ser-lhe útil? Esta é a minha propriedade. Estou aqui há mais de vinte anos. Fundei uma olaria e denominei tudo de “Olaria Tauarié”, tomando esse nome de um igarapé que passa ao lado. Tenho esta mercearia, negocio com telhas e tijolos, às vezes madeiras e luto nesta distância da capital, para sustentar a família. Todo meu comércio se faz pelo rio. Tenho barcos e gente que conhece todos esses furos, até Belém. Nossa esperança é possuir, um dia, uma estrada que nos facilite a vida daqui até a estrada grande de Bragança. Aqui perto está a fazenda do Sr. Salame. Para dentro, a Serraria Santa Rosa e o lugar chamado “Santa Bárbara”. Todo mundo transporta seus produtos pelo rio, utilizando embarcações que vão para toda parte.

O português falava, queixava-se do isolamento de Belém e comentava o desejo coletivo de toda aquela região em contar com uma rodovia interna que lhes permitisse facilidade de locomoção e de negócio. Depois, sentou-se ao nosso lado e abriu-se:

-- Chamo-me Aníbal Brito. Sou português do distrito de Coimbra. Vim para o Brasil como todos os meus patrícios. Localizei-me aqui e habituei-me. Não gostaria de deixar este pedaço de terra que já requeri e é minha propriedade. Meus empregados residem quase todos ao pé da olaria. Isto aqui é o meu mundo. E para ser completo e melhor, nos bastaria um caminho dentro dessa mata, até a vila de Benevides.

Quando o homem falou em Benevides, entramos na conversa: -- O Sr. Aníbal não viu ninguém chegar por aqui, vindo de dentro da mata? Uma turma de mateiros e um topógrafo? Ficaram de soltar foguetes ou tiros de espingarda, anunciando sua chegada. Ouviu alguma coisa hoje? Ninguém viu nada, de sua gente?

O lusitano, coçando o cabelo ralo, pensou, e nos confirmou nada saber.

Nem a propósito, mal sorvíamos o refrigerante oferecido, após esse primeiro contacto, com certo estrépito apareceram moradores da olaria, dizendo que vinham “dando tiros de dentro da mata”. Estavam todos assustados. Aníbal levantou-se e convidou-nos a ir até o fim da casa de onde se olhava a capoeira e o mato espesso, intercalados, de um terreno frouxo, alagadiço e repleto de verdejante capinzal. Os caboclos, ordenados pelo patrão, foram avançar pela região molhada de onde partiram os tiros, anunciados.

Havia uma expectativa em todos os semblantes.

Nós, emocionados, quase não poderíamos acreditar na coincidência daquele desembarque na Olaria do Tauarié do Sr. Aníbal Brito. Sabíamos, de antemão, de uma provável chegada de Delbim naquelas paragens ermas do Furo das Marinhas, mas, evidentemente, no local exato da penetração que partira de Benevides, isso nos parecia um milagre! Sim! Um milagre!

E para surpresa de todos, de trabalhadores, de familiares do proprietário, do próprio Sr. Aníbal e de nós mesmos, vimos destacar-se, no fim do terreno, vitoriosos, nossos companheiros, tendo Delbim à frente. Sim, um bravo jovem paulista, como seus ancestrais bandeirantes, culminava sua obra, abraçando-nos comovidamente. Sua missão estava cumprida, como dissemos, só para nos servir. Essa obra sempre teria esses abnegados, como iremos ver no correr dessa contribuição.

Não precisamos assinalar a alegria que nos invadiu. Jurandir satisfeito com a coragem e a dedicação do conterrâneo e nós com a alma leve de um santo que visse confirmado seu poder e sua profecia. E nos vinha à memória a figura do mestre Sidrim e o que não iria exultar com esse sucesso. O topógrafo e os demais, chefes e mateiros se confraternizavam. Aníbal mal dava conta de sua satisfação, pois, a seu ver, aquele seria o primeiro passo para a esperada construção de uma rodovia, unindo seu Tauarié à cidade de Belém.

Alegres, satisfeitos, felizes, reunimo-nos na casa de Aníbal que se desdobraria em gentilezas para seus convidados. Dirigindo-nos a palavra, dizia:

-- Bem o disse ao senhor doutor. Sua presença aqui hoje nos daria maior esperança de que nossos sonhos comuns se realizem. Afinal, esses rapazes vieram de Benevides, por dentro da mata, e aqui estão sãos e salvos. Onde passaram, brevemente, uma estrada poderá estar pronta, para glória de todos que colaboraram ou venham a cooperar nesse empreendimento. Ora viva, Sr. doutor! Viva!

Realmente o lusitano estava eufórico e não se fartou de nos obsequiar. Ofereceu-se, a partir daquele instante, a ser mais um soldado a favor da grande obra que tentávamos lançar e realizar com a ajuda do poder público. Em certo momento, indicando a ilha fronteira, nos revelou:

-- Lá está o Mosqueiro. Conheço-a de ponta a ponta, por dentro e por fora. Qualquer coisa que necessitem, aqui estou no meu posto avançado. Tenho casas para abrigar pessoal, braços para ajudar na obra e alimento para garantir a maiores dificuldades. O senhor doutor poderá dispor inteiramente e aqui aguardo suas ordens. Basta-me um bilhete e pronto. Tudo será servido. Nunca, ninguém, antes do senhor, veio ao Tauarié para nos dar tanta garantia de que essa estrada um dia será uma realidade. E nós confiamos na sua palavra e no seu nome.

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CONSTRUÇÃO DA RODOVIA BELÉM-MOSQUEIRO EM 1964 (FONTE: MEIRA FILHO)

Jurandir assistiu a tudo aquilo, boquiaberto e extasiado. Que milagre!

Na mesma lancha do SESP, retornaríamos todos a Belém, via Pinheiro. As informações, a caderneta de campo, os esclarecimentos complementares teríamos em Belém, depois dessa maravilhosa empreitada. Logo, no barco, ainda, Delbim nos confiaria suas conclusões de topógrafo e conhecedor da matéria.

-- Não há dúvida de que o terreno é o melhor possível para a construção de uma estrada. Os pequenos igarapés que encontramos não serão o obstáculo a considerar em uma obra dessa natureza. O pedaço pior de toda a caminhada foi, exatamente, esse trecho próximo à margem do Furo das Marinhas, tudo pantanoso, mole e escorregadio. São cerca de oitocentos metros de extensão, da parte sólida ao furo. Pela sua natureza, acredito que, nas marés grandes, as águas penetram toda essa região e o mesmo deve acontecer do lado de lá, na Ilha do Mosqueiro.

Mais tarde, chegaríamos a essa verdade, desde logo revelada pelo técnico Delbim e essas laterais seriam, durante anos, a maior dor-de-cabeça de executantes, em ambos os lados...”

(MEIRA FILHO, Augusto. “Mosqueiro Ilhas e Vilas”, ED. GRAFISA, 1978, PP. 129, 130, 131, 132, 133, 134, 135 e 136).