quinta-feira, 24 de novembro de 2011

JANELAS DO TEMPO: O COMANDANTE ERNESTO

Autor: Cândido Marinho da Rocha

“O “Almirante Alexandrino”, pequeno navio a vapor que fazia a ligação diária entre Belém e a Ilha, deixava a capital às 4 horas da tarde, chegava ao Mosqueiro mais ou menos às 6,30, lá passava a noite para regressar no dia seguinte às 6 da manhã. Aos domingos e feriados, zarpava de Belém às 6 da manhã, regressando do Mosqueiro às 5 da tarde. Assim por muitos anos.

Um dos mais notáveis comandantes do pequeno barco, de nome Ernesto Dias, modesto marinheiro, muito relacionado entre os frequentadores e habitantes da ilha, tem, hoje, uma rua com seu nome. O Comandante Ernesto conhecia a vida de cada um dos passageiros e dava aqui uma palavra a uma senhora idosa, ali ajudava uma jovem mãe a resolver os problemas do garotinho que levava nos braços, oferecia seus serviços a qualquer figurão que viajasse, palestrava com os rapazes, lembrava episódios com os conservadores, seus contemporâneos políticos.

Ernesto Dias era de pequena estatura, amorenado, esguio, afável, mas dirigia com energia o navio, cuja tripulação lhe devotava respeito e admiração. Tanto que, por muitos anos, foi o comandante do “Almirante Alexandrino”, até que a morte o colheu. Perfeito nas manobras de aportamento, nunca albaroou seu barco com os cais quer de Belém quer do Mosqueiro. Era mesmo famoso por suas manobras e se tornou durante algum tempo motivo de curiosidade a forma suave, elegante, lenta e segura com que encostava o “Almirante Alexandrino”, aproveitando as vantagens do vento e da maré. Nunca errou um cálculo de atracação, nunca foi obrigado a fazer o navio circundar o porto, em manobras frustradas, repetidas e morosas.

Naquela madrugada de Junho o navio, sob a balsâmica aragem mosqueirense, puxava fogo nas caldeiras, preparava-se para deixar a ilha rumo a Belém. Chovera durante toda a noite, as folhas das árvores que pendiam sobre as praias como que choravam inutilmente, por cima da areia, que sorvia aquelas lágrimas vegetais, num velho e indiferente hábito.

Os passageiros, que se destinavam a Belém, passavam apressadamente pela Praça da Matriz, uns embuçados em capas, outros protegidos por guarda-chuvas e os mais desprevenidos acobertando as cabeças com jornais velhos. O navio dava o último apito, avisando a partida. Faltavam dez minutos para largar com destino a Belém.

À proa, braços cruzados, cigarrinho pendido à boca, o comandante Ernesto dava ordens para a desatracação.”

(FONTE: MARINHO ROCHA, Cândido. “Ilha Capital Vila”- GRÁFICA FALANGOLA EDITORA. Belém-Pa, 1973- pp. 35 e 36)

MOSQUEIRANDO: A Travessa Comandante Ernesto Dias foi a rua onde vivi a maior parte da minha infância. Ali nasci e cresci até os nove anos de idade, vendo os carros de boi passarem a custo e os poucos ciclistas, retidos pelas fartas areias, obrigados a descerem de suas pesadas bicicletas do tempo da guerra. E como esquecer as festas no Pedreira E. C., quase em frente de casa, ou a movimentação no Partido (sede do PSD), em tempos de política? Como não lembrar o Bloco da Vitória, durante o carnaval? Ou a passagem do tradicional Mastro de São Pedro e, em noites iluminadas pelas fogueiras juninas, do boi-bumbá Pai do Campo? Ou o foguetório da disputa saudável e alegre entre o alvi-celeste Mundiquinho Bastos e o azulino Álvaro Mello, em dias de RE-PA? Impossível! São recordações que marcam uma vida! Essa rua, uma das primeiras da Vila, já foi chamada de Rua das Mangueiras, quando variadas espécies desse vegetal ocupavam seu leito. Depois que as frondosas árvores foram substituídas pelos trilhos do bondinho, foi denominada Travessa do Bispo, pois tem início naquela praia. Hoje, ostenta orgulhosa o nome do valoroso comandante do Alexandrino

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