quarta-feira, 28 de abril de 2010

A ILHA DO MOSQUEIRO: NA ROTA DA HISTÓRIA

 

A ILHA DO MOSQUEIRO: NA ROTA DA HISTÓRIA

CHAPÉU VIRADO

Século passado, primeiras décadas. Momentos que lá se vão carregados pela voragem do tempo. Cenas que não presenciamos e que buscamos reconstruir pelo poder da imaginação. Parece-nos ainda ver os visitantes em seus melhores trajes desembarcarem no trapiche da Vila e, ano após ano, seguirem alegremente em caleches e tilburis (carruagens de tração animal), no bondinho puxado a burro, no trenzinho conduzido por uma locomotiva a vapor apelidada de Pata Choca e nos ônibus de carroceria de madeira. Seu destino: o Chapéu Virado, lugar preferido pela elite de Belém por seu intenso bucolismo e uma paisagem de beleza paradisíaca.

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Desembarque de passageiros no trapiche da Vila do Mosqueiro, no início do século passado (Fonte: Blog H. Baleixe).

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Trapiche da Vila do Mosqueiro em armação de ferro e pista de madeira - 1.908 (Meira Filho, 1978).

 

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Bondinho puxado a burro no trajeto Vila-Porto Arthur (Meira Filho, 1978).

Primeiro ônibus da Ilha do Mosqueiro (Meira Filho, 1978).

Chapéu Virado é nome antigo em registros cartográficos (Ponta-do-Chapeo-Virado, atualmente Ponta do Farol), de origem desconhecida, talvez uma referência à forma da enseada (chapéu beirado), talvez lembrança da velha clareira ali existente, hoje praça, ontem “o lugar onde o chapéu virava” arrancado da cabeça dos caboclos pelo vento forte que ali chegava canalizado por diversos caminhos.

No final do séc. XIX e início do XX, entre os anos de 1.880 e 1.912, no apogeu da borracha, a ilha foi descoberta pelos estrangeiros que trabalhavam em Belém, nas empresas como a Pará Eletric, Amazon River, Port of Pará e outras. Ingleses, franceses, alemães, americanos, portugueses, libaneses e hebraicos estiveram na costa oeste da ilha e muitos construíram, inclusive no Chapéu Virado, vários casarões, cuja arquitetura é um misto de estilos europeus com a realidade climática local, em traços que vão desde o barroco ao neoclássico. Posteriormente, a elite da sociedade de Belém aderiu a esse movimento na busca do merecido repouso de fim-de-semana.

E eles vinham, gente ruidosa, elegante, feliz, antegozando o fim-de-semana no convívio da família e dos amigos, sentindo a magia da Ilha na fartura do verde e das águas, no beijo ardente do sol ou no aconchego do luar. Alguns se dirigiam a seus chalés, vivendas e retiros; outros buscavam hospedagem no Hotel Chapéu Virado, o famoso Hotel do Russo, prédio que ainda existe, porém como um condomínio de apartamentos.

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Família reunida em frente ao Chalé Cardoso, no Chapéu Virado antigo (Fonte: Blog H. Baleixe).

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Fachada do antigo Balneário Hotel Chapéu Virado ainda em madeira (Fonte: Blog Haroldo Baleixe).

A princípio, humilde pousada em madeira e casa de pasto sob a administração do francês Monsieur Pinet, o Hotel Chapéu Virado passaria depois a ser conduzido pela firma Ferreira Gomes Cia. e pelo especialista em hotelaria Sr. Manuel Tuñas. Em 1.936, foi adquirido pelo casal português Manoel Maria Fernandes Tavares e Dona Glória Marques Tavares. O Sr. Tavares construiu um anexo em alvenaria ao antigo prédio e, com seu retorno a Portugal em 1.939, a gerência do hotel ficou nas mãos de sua filha Dona Carolina e de seu genro, o português Antônio Joaquim Ferreira, o Russo, apelido oriundo da cor de seus cabelos. Foi, então, que um incêndio destruiu a primitiva construção em madeira e os novos proprietários receberam do prefeito de Belém Abelardo Conduru e, depois, do governador Magalhães Barata, em forma de ajuda, o pagamento de três parcelas de vinte contos de réis, como financiamento para a reconstrução do hotel.

Entretanto, esse prédio não é o único marco histórico do local. Bem no meio da praça está a Capelinha do Sagrado Coração de Jesus, edificada pelo Sr. Guilherme Augusto de Miranda Filho, como pagamento de promessa por ter recuperado a saúde na ilha, e inaugurada em 17 de dezembro de 1.909 pelo arcebispo efetivo de Belém Dom Santino Coutinho. É dessa Capela que, no segundo domingo de dezembro, sai o Círio de Nossa Senhora do Ó, padroeira do povo mosqueirense, com destino à Igreja Matriz.

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O Russo e família em frente ao Hotel Chapéu Virado (Fonte: Blog HB, foto: Hermínio Pessoa).

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Capela do Sagrado Coração de Jesus e, ao fundo o Hotel Chapéu Virado (Meira Filho, 1978).

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Banhistas na praia do Chapéu Virado. Vê-se, ao fundo, a curva do Porto Arthur (Fonte: Blog HB).

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Poeta Mário de Andrade (1927), em traje de banho masculino, no Chapéu Virado (Fonte: Blog HB).

Dois outros prédios destacavam-se nos limites da Praça do Chapéu Virado com a Avenida Beira-Mar, ambos de frente para a praia. Um deles ainda existe, embora parte de seu terreno tenha sido negociado e abrigue duas farmácias: trata-se da Vivenda Porto Franco, em estilo neoclássico, antiga residência da família do Sr. José Franco. O outro era o Chalé do Coronel Lourenço Lucidoro Ferreira da Mota (Dr. Loló), Presidente da Executiva do Partido Republicano do Mosqueiro; depois foi transformado em casa de hóspedes, passou a ser propriedade do Dr. Cypriano Santos e, finalmente, demolido para a construção do Edifício Lilian-Lúcia.

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Vivenda Porto Franco (Foto: Regina, 1.978).

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Chalé do Dr. Loló em 1.907 (Meira Filho, 1.978).

A pracinha do Chapéu Virado (Praça Abelardo Conduru), na confluência da Avenida16 de Novembro com a Avenida Beira-Mar, ocupa um lugar privilegiado de onde, através do antigo Caramanchão, pode-se divisar a magnífica baía do Marajó e assistir a um belíssimo pôr-do-sol. Um lugar que guarda lembranças de fatos históricos como a luta heróica e sangrenta de nossos avós cabanos em 1.836; a aterrissagem na praia, em 13 de outubro de 1.927, do avião “Breguet 118” vindo de São Luís do Maranhão e pilotado por Paul Vachet; a chegada ao Hotel do Russo, em 14 de junho de 1.959, da expedição que, vinda de Belém, percorreu a pé, na mata, o trajeto da atual estrada; a primeira visita da Imagem Peregrina de Nossa Senhora de Nazaré, no dia do Círio do Mosqueiro, em dezembro de 1.965; ou a presença, pela primeira vez na ilha, de um Presidente da República, Ernesto Geisel, que veio inaugurar, no dia 12 de janeiro de 1.976, a Ponte Sebastião Rabelo de Oliveira sobre o Furo das Marinhas.

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Desbravadores traçando o percurso da futura estrada Belém-Mosqueiro em junho de 59 (Fonte: A. M. Filho).

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Chegada dos expedicionários ao Hotel do Russo, na Praça do Chapéu Virado: o primeiro passo na futura estrada (Fonte: A. M. Filho).

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Construção da estrada Belém-Mosquiro (Fonte: A. M. Filho).

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No Furo da Marinhas (1.965), uma placa que entrou para a História (Fonte: A. M. Filho)

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Recepção à Imagem Peregrina de Nossa Senhora de Nazaré em 1.965 (Fonte: A. M. Filho).

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A Imagem Peregrina é conduzida em andor no Círio do Mosqueiro de 1.965 (Fonte: A. M. Filho)

Os tempos mudaram, no entanto a pracinha do Chapéu Virado continua sendo atraente, embora sem o “glamour” do passado que levou Arthur Pires Teixeira a torná-la famosa em Paris e sem o Hotel do Russo, o Ponto Chique, onde a nata da sociedade de Belém se reunia em festas de caridade, bailes, concursos e jogos.

E a praça recebe os visitantes da ilha com uma linda visão da Copacabana Mosqueirense e despede-se deles com a certeza de que, em breve, estarão ali novamente, vivendo as alegrias de momentos inesquecíveis.

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Visão aérea da antiga Ponta-do-Chapeo-Virado, hoje Ponta do Farol (Fonte: A. M. Filho)

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Visão panorâmica da antiga praia do Chapéu Virado ( Fonte: Blog Haroldo Baleixe)

sexta-feira, 16 de abril de 2010

NA ROTA DA HISTÓRIA: O TRAPICHE DA VILA

NA ROTA DA HISTÓRIA
O TRAPICHE DA VILA
De suma importância, quando a ilha era ligada a Belém exclusivamente por via fluvial, o Trapiche da Vila do Mosqueiro data do século XIX, antes mesmo de o “Gaivota”, primeiro barco a vapor da linha regular, fazer o transporte de passageiros. Sabe-se, por exemplo, que, em 1891, acontecia uma demorada reforma do velho trapiche, conforme notícia publicada em edição do jornal da época “O Democrata”.
Aliás, quando europeus e americanos, no final daquele século, descobriram a ilha como balneário aprazível, recanto e encanto para o repouso de fim-de-semana, as viagens eram feitas em pequenos barcos. Belenenses bem aquinhoados e comerciantes portugueses, libaneses e hebraicos aprovaram a ideia e acabaram construindo imponentes casarões na orla praiana, onde surgiriam trapiches particulares, marcando alguns um lugar na história, como o da família de Arthur Pires Teixeira (Porto Arthur, hoje nome da praia) e o da família de José Franco (Porto Franco, que passou a designar a vivenda localizada na praia do Chapéu Virado).
Certo é que, no dia 06 de setembro de 1908, inaugurava-se um novo trapiche em armação de ferro e pista de madeira, tendo na extremidade uma coberta em estilo arquitetônico francês. Posteriormente, outras reformas ocorreram, mas o projeto de um ancoradouro em cimento armado não saiu do papel, restando algumas pilastras tubulares abandonadas à ação implacável do tempo.
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O Trapiche da Vila em 1908 (Fonte: A.Meira Filho
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O Trapiche da Vila no início do século XX (Fonte: Família Mathias)
Por décadas, nesse primeiro portal da ilha-paraíso, atracaram navios muitas vezes apinhados de gente ávida por gozar as delícias de uma terra ainda selvagem e misteriosa. Assim, além do “Gaivota”, aportaram “Mosqueiro” e “Soure” (navios de uma empresa de alemães, em 1915), o “Valparaíso”(da firma do Sr. Alberto Engelhard), o “Almirante Alexandrino” (navio da empresa Port of Pará, o qual foi pilotado pelo Comandante Ernesto Dias, famoso por suas manobras precisas e seguras) e o saudoso “Presidente Vargas” (navio fabricado na Holanda, especialmente para a linha Belém-Mosqueiro, sempre pilotado pelo Comandante Hosana Pacheco; viajou de 1958 a 1972, quando inexplicavelmente afundou em frente à cidade de Soure, no Marajó).
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O famoso vapor “Almirante Alexandrino” (Fonte: A. Meira Filho)
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O saudoso navio “Presidente Vargas”, o cisne branco do rio Pará (Fonte: A. Meira Filho)
Naquele tempo, era moda esperar a chegada do navio, o que geralmente acontecia às seis da tarde, e receber os passageiros ruidosamente, com palmas, assovios, gritaria e vaias estrondosas. O interessante é que muitos vaiavam sem saber exatamente o porquê. O importante era seguir quem começou. Ai do primeiro passageiro que, ao subir a rampa, pisasse no marco de forma redonda, ali localizado e encoberto, hoje, pelo asfalto! Xingamentos não faltavam para o desavisado. Não sei o significado do tal marco, mas, segundo dizem, representa o ponto da maior maré que já atingiu a ilha. E a rampa do trapiche era, na época, o ponto obrigatório para a moçada e, enquanto aguardavam o navio, alguns paqueravam e outros jogavam futebol nas areias da praia (o “beach soccer” não foi novidade por aqui).
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“Chatinha” dos SNAPP que fez várias viagens para a ilha (Fonte: A. Meira Filho).
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Navio “Lobo d’Almada”, navio substituto do “Presidente Vargas” (Fonte: A. M. Filho)
Após o navio atracar, tudo era animação e muito colorido, no vai-e-vem dos carregadores de bagagens e seus carrinhos-de-mão identificados com chapas numeradas; no corre-corre dos passageiros buscando os melhores lugares nos autolotações; na disputa do inigualável tacacá da Dona Raimundona, senhora gorda e muito simpática; na movimentação das bonitas garotas e senhoras ostentando roupas da moda, chapéus de palha, tamancos (que, na Vila, eram produzidos pelo Seu Cesário e pelo Espanha) e varetas bordadas; na música gostosa do Rauland-Mansour tocada no Praia-Bar, convidando à dança e ao bate-papo com os amigos, sempre regado à cerveja bem geladinha; e até mesmo na repressão da polícia aos jogadores de “beach soccer” que, sorrateiramente, se posicionavam sob o trapiche para espiar, através das frestas, as calcinhas (ou seriam calções?) das mulheres. Enfim, era um caos festivo e gostoso: recepção calorosa nos risos, sorrisos, apertos de mão e abraços efusivos; bagagens que se avolumavam aos montes causando tropeços; mães visivelmente preocupadas com os filhos menores, pássaros antes cativos e agora soltos no meio da multidão; pregões aos berros dos vendedores de jornais, paçoca de gergelim, pirulitos embandeirados e sorvetes de raspa-raspa. Mas a festa acabou.
Depois do “Presidente Vargas”, o cisne branco das águas do rio Pará, que desapareceu tragicamente como o seu patrono, e anos de paralisação, a linha fluvial ressurgiu no governo do prefeito Hélio Gueiros e foi novamente desativada no segundo mandato do prefeito Edimilson Rodrigues, com a alegação de prejuízo financeiro. O prefeito Duciomar Costa até que tentou resgatar essa tradição da ilha, reativando a linha e inaugurando o barco de classe turística “Antônio Lemos”, com capacidade para 400 passageiros. Hoje, entretanto, povo e turistas continuam “a ver navios” passando ao largo. É bom lembrar que, mesmo no tempo dos réis e dos tostões, a navegação para o Mosqueiro sempre foi subsidiada. O Centenário Trapiche da Vila, no decorrer dos anos, diminuiu de tamanho e mudou de linha (agora faz curva). No entanto, para sua conservação, necessita sempre do bom senso do povo e da atenção das autoridades, por ser um patrimônio histórico da mais alta relevância.
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O Trapiche Centenário. Ao fundo, Tatuoca e Cotijuba (Foto: Gerlei Agrassar).
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O primeiro portal da ilha-paraíso (Foto: C. S. Wanzeller)
 















quinta-feira, 15 de abril de 2010

NA ROTA DA HISTÓRIA: RESUMO DA HISTÓRIA DA ILHA DO MOSQUEIRO

(Uma visão panorâmica da História da ilha do Mosqueiro)

UNIVERSIDADE DE SAMBA PIRATAS DA ILHA


CARNAVAL 2011

ENREDO: “MOSQUEIRO: SUA HISTÓRIA E SUAS GENTES”
(Baseado nos escritos de Claudionor Wanzeller, A. Meira Filho e Eduardo Brandão)

Conta-se que, lá pelo ano de 1520, vindo da Espanha, um navio pirata singrava as águas do Atlântico, quando, à altura dos Açores, enfrentou violenta tempestade, ficando bastante avariado. Mastros destruídos, a embarcação, que buscava as terras do sul do Brasil, perdeu a rota e, por simples acaso, veio parar na foz do grande rio. Fortes correntes marinhas empurraram-na para dentro da baía do Marajó e, em pouco tempo, aportava numa praia de areias fartas e vegetação exuberante, localizada em aprazível ilha tropical.
Na praia do Areião, muitos nativos olhavam curiosos o estranho barco. Eram os morobiras, índios tupinambás que pescavam na baía de Santo Antônio e moqueavam os peixes naquelas areias. O moqueio, processo de conservação usado pelos índios, consiste em assar, no calor de um braseiro, o pescado envolto em folhas de bananeira ou de guarumã.
Os piratas, comandados pelo espanhol Ruy de Moschera, desceram à terra e foram recebidos amistosamente pelos nativos. Além de lhes oferecerem grande quantidade de comida, os índios ajudaram a tripulação no conserto do navio, tornando-o pronto para navegar.
Moschera decidiu, então, fazer da ilha a sua base. Saía em excursões pelas Antilhas, onde abordava, saqueava e afundava caravelas inglesas, francesas e holandesas. Depois retornava e, durante longos meses, isso aconteceu.
É provável que a denominação atual “ilha do Mosqueiro” se tenha originado de “ilha do Moschera” ou de “ilha do moqueio”. O certo é que, no mapa mais antigo da região datado de 1680, essa ponta de praia aparece com o nome de “Ponta da Musqueira”.
Entretanto, outros espanhóis estiveram na ilha. Primeiro aventureiro europeu a descortinar tão paradisíaco cenário, o espanhol Vicente Yánes Pinzón aportou na Baía-do-Sol em janeiro de 1500 e, na praia, onde pôde deleitar-se com o clima tropical atenuado pelo vento norte, observou maravilhado a imensidão de águas doces e esbranquiçadas pelos sedimentos a que chamou “mar dulce”, em sua perene e titânica luta contra o avanço do oceano sobre as terras verdejantes. Estava ele na costa oriental do rio Pará, braço sul do Amazonas. Outro explorador espanhol, Francisco de Orellana, de volta ao delta amazônico em 1545, fundeara, com certeza, sua nau na baía do Sol, entre as ilhas de Colares e do Mosqueiro. É provável ter desembarcado na praia mosqueirense, já que existe relato de sua surpresa ao constatar a abundância de peixes e frutas.
A Baía-do-Sol é a povoação mais antiga da ilha do Mosqueiro, uma vez que ali chegaram, ainda no século XVII, os primeiros colonizadores portugueses vindos de São Luís do Maranhão. Até o fundador da cidade de Santa Maria de Belém do Grão Pará, Francisco Caldeira Castelo Branco, ao deparar-se, em 1616, com a orla praiana que se abre para a baía do Sol, pensara ali instalar o primeiro núcleo de colonização portuguesa, não o fazendo pela dificuldade de desembarque das naus causada pelas enormes maresias da tarde, tão comuns naquela costa da ilha.
A instalação da Missão Myribira pelos jesuítas e o casamento de colonos com nativas da região marcam esse primeiro momento da ocupação da ilha, cujas terras, no século XVIII, seriam concedidas pelo governo imperial como léguas de sesmarias, ou seja, enormes áreas destinadas ao cultivo. Assim, surgiriam os sítios agrícolas, primeiro com o trabalho de índios escravizados e, depois, com a mão-de-obra de escravos africanos. É a época da Casa Grande e senzala. À pesca artesanal e ao extrativismo dos primeiros tempos junta-se a agricultura de subsistência, com a feitura de roças.
No início do século XIX, a ilha era ocupada pelos ribeirinhos, população mestiça, indioide, pobre, explorada, vivendo nas matas, às margens de rios e igarapés, em humildes cabanas cobertas de palha. É justamente essa população esquecida pela Regência do Império e perseguida no governo de Lobo de Souza que vai engrossar as fileiras da maior revolta popular ocorrida no Brasil: a Cabanagem.
Em 1835, quando os cabanos tomaram Belém, o governo legal da Província do Grão Pará, sob o comando do Marechal Manuel Jorge Rodrigues, ficou sediado na ilha de Tatuoca, no outro lado da baía de Santo Antônio, em frente à praia do Areião. Na época, a ilha do Mosqueiro era um reduto cabano e os rebeldes, que lutavam contra o despotismo implantado na Província, fixaram-se nas praias do Areião e do Chapéu Virado.
Depois de receber reforços de Pernambuco, o governo legalista organizou várias expedições para combater os cabanos instalados na ilha. A primeira grande batalha aconteceu no Areião, no dia 20 de janeiro de 1836, quando uma tropa de cem homens fortemente armados tentou o desembarque, mas teve de enfrentar a resistência dos revoltosos entrincheirados na praia. Após a batalha, os cabanos seguiram para o Chapéu Virado, reunindo-se aos que lá estavam fortificados.
No dia seguinte, o 2º. Batalhão de Caçadores, comandados pelo Major Manuel Muniz Tavares, desembarcava na praia do Chapéu Virado, sob a proteção de dois navios de guerra, “Independência” e “Brasília”, além de outras embarcações de pequeno calado.
Durante horas, os cabanos combateram bravamente, porém não puderam resistir ao poder de fogo e à perícia bélica dos legalistas. Abandonaram, então, as trincheiras e fugiram para as matas, onde foram perseguidos por vários dias. Ocorreram algumas escaramuças no interior da ilha e muitos cabanos morreram. Outros, entretanto, conseguiram chegar à cidade de Vigia, no continente, atravessando a baía do Sol, embora as embarcações inimigas, entrando pelo Furo das Marinhas, tentassem impedir-lhes a fuga.
O sangue dos bravos cabanos regou o solo mosqueirense, deixando sempre vivo em nosso povo o anseio de liberdade e o amor à terra.
Após esse episódio sangrento, a ilha voltou a mergulhar na sua calma habitual. Os sítios agrícolas, ao norte, floresciam impulsionados pelo trabalho escravo, extinto no dia 06 de abril de 1888. No sul, a humilde povoação de pescadores artesanais, que pertencia à Benfica, transformava-se na Freguesia de N. Srª. Do Ó, no dia 10 de outubro de 1868, e, com o crescimento da população, seria elevada à categoria de Vila, já no período republicano, em 06 de julho de 1895. Assim, como paraíso perdido, a ilha viveu por longos e tranquilos anos até que, no fim do século XIX, uma nova invasão seria iniciada.
Ingleses, alemães, franceses e americanos, que trabalhavam em Belém, nas empresas estrangeiras como a Pará Eletric, Amazon River e Port of Pará, começaram a procurar a ilha nos momentos de lazer e para o merecido repouso de fim-de-semana. Posteriormente, a elite da sociedade de Belém aderiu a esse movimento, além de comerciantes portugueses, libaneses e hebraicos, que participaram da descoberta da ilha como balneário.
Grandes palacetes e casarões, em diversas linhas arquitetônicas européias ou em estilo eclético, surgiram ao longo do litoral, em frente à baía do Marajó e em outros locais aprazíveis. São o reflexo do apogeu da borracha vivido pela Amazônia entre 1880 e 1912, quando a sociedade de Belém primava pela ostentação, luxo e modernidade. Até uma usina para o beneficiamento de borracha foi instalada na ilha em 1924: Usina Santo Antônio da Pedreira, conhecida como Fábrica Bitar. No início do século XX, Mosqueiro era transformado em Distrito da Capital (26 de fevereiro de 1901) e, seguindo a orla praiana de sul para norte, crescia a urbanização e outras praias, além do Areião e do Bispo, atraíam os banhistas: Grande, Chapéu Virado, Porto Arthur, Murubira e Ariramba. Ano após ano, aumentava a vocação da ilha para o turismo de sol e praia.
Com a criação da linha fluvial regular para o Mosqueiro, a inauguração do novo trapiche (06 de setembro de 1808) e a implantação de transporte coletivo (bondinho puxado a burro e depois por uma locomotiva a vapor e os auto-ônibus) o deslocamento de pessoas para a ilha aumentou. É a época dos grandes veraneios, quando os navios Almirante Alexandrino e Presidente Vargas, durante décadas, conduziam a população ruidosa e animada da Capital, em viagens memoráveis, principalmente nos fins-de-semana. Naquele tempo, era costume esperar a chegada do navio e receber os passageiros efusivamente com palmas, assovios, muita gritaria e sonoras vaias. A rampa do trapiche era ponto obrigatório para a moçada da época. Após o navio atracar, tudo era animação e muito colorido no vai-e-vem dos carregadores e seus carrinhos-de-mão, no corre-corre dos passageiros buscando os melhores lugares nos autolotações, na disputa pelo tacacá da Dona Ramundona, na movimentação das bonitas garotas e senhoras ostentando roupa da moda, chapéus de palha, tamancos e varetas bordadas, na música gostosa tocada no Praia-Bar convidando à dança e ao bate-papo com os amigos regado à cerveja bem geladinha.
Hoje, a ilha ostenta as marcas do progresso. O asfalto recobriu o solo arenoso das ruas e a luz mortiça da antiga usina, que invariavelmente se apagava às onze da noite, deu lugar a uma iluminação elétrica constante e mais potente. No fim da década de 50, veio a estrada. Veio a ponte nos anos 70 e com ela vieram os carros. Aumentou o movimento e a população cresceu. Chegaram os imigrantes nordestinos, os farofeiros, os sem-terra, os sem-teto, os grileiros, os especuladores imobiliários. Devastaram-se imensos trechos da mata, lembrando a frase do compositor mosqueirense Jorge do Cavaco: “O verde é cinza sobre a terra”. A ocupação desordenada ainda ameaça as nascentes e a mata ciliar. A poluição doméstica maculou as praias e a insensibilidade da maioria das pessoas não consegue detectar a beleza e a força mágica da ilha.
Parece que os entes misteriosos e os seres sobrenaturais que vagavam dentro da noite ficaram presos no passado, mas o povo continua assombrado pelas promessas mirabolantes dos políticos que, em ano de eleição, invadem a ilha à caça de votos. E a ilha clama por justiça social e por políticas públicas que, verdadeiramente, atendam às suas reivindicações.
Claudionor Wanzeller