sábado, 18 de dezembro de 2010

A ILHA CONTA SEUS “CAUSOS”: MISTERIOSOS SERES DA ILHA

“Hoje, a ilha ostenta as marcas do progresso. O asfalto recobriu o solo arenoso das ruas e a luz mortiça da antiga usina, que invariavelmente se apagava às onze da noite, deu lugar a uma iluminação elétrica constante e mais potente. Veio a estrada, veio a ponte, vieram os carros. Aumentou o movimento e a população cresceu. Devastaram-se trechos da mata e construíram-se casas. A poluição doméstica maculou as praias e a insensibilidade da maioria das pessoas não consegue detectar a beleza e a força mágica da ilha. Parece que os entes misteriosos e os seres sobrenaturais que vagavam dentro da noite ficaram presos no passado.

Entretanto, esses espíritos errantes ainda existem. Espreitando por trás das seculares rochas das praias, rondando os antigos casarões, emergindo dos rios e igarapés, movendo-se por entre as árvores, surgem inesperadamente diante do olhar estupefato daqueles que, na solidão, ousam penetrar em seus domínios, tentando descobrir os mistérios da ilha.

Avançando na espessa mata, o caçador não teme apenas o bote mortífero da surucucu ou o abraço fatal da sucuri, que enrodilhada espera um pé descuidado. Sente medo, sobretudo, da presença do curupira, que o faz perder o rumo, ou apavora-se com o encantamento da mãe d’água, na cabeceira dos igarapés.

Não se surpreenda o solitário caminheiro se, no silêncio da noite, for seguido pelo assovio persistente e macabro da Matinta Pereira ou se deparar com estranhas bolas de fogo e animais diabolicamente agressivos.

As pedras da morte continuam atraindo os incautos na praia Grande e se, lanceando em noite escura no Paraíso, sentir a presença maligna de um ser invisível, não se surpreenda o noctívago pescador.

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Se não acreditas no que digo, proponho que caminhes sozinho na baixa do Ipixuna. Escolhe uma noite de lua cheia, quando, em época invernosa, pesadas nuvens deslizam ao sabor do vento e, por vezes, cortam totalmente a fantástica claridade. Sentirás, com a umidade da mata, um calafrio percorrer o teu corpo e ouvirás, com o estalido de galhos mortos, as batidas do teu coração, quebrando o lúgubre silêncio. Então, repentinamente, escutarás, no meio do emaranhado de árvores, um grito lancinante, horrível, um pedido de socorro, como que partindo das profundezas do inferno. Não deves parar nem voltar, nem olhar para trás, porque, se o fizeres, ...

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Nascer do Sol visto da ilha das Guaribas (FOTO: Edivaldo Cadeira, 1989).

O dia vinha nascendo. Estávamos eu e meu amigo fotógrafo na ilha das Guaribas, para conferir o final da história que acabara de escrever. O Sol despontava de forma indescritível em frente à baía. Emudecidos, contemplávamos o magnífico espetáculo proporcionado pela natureza, sentindo, através do ar frio, as carícias dos primeiros raios.

Já começara a enchente da maré e a correnteza era notável. Sem percebermos, o pequeno casco usado na travessia se soltara e, não fosse uma pedra submersa que lhe impedira a fuga, ficaríamos irremediavelmente presos na ilha.

De repente, vivendo toda a emoção do momento, ouvimos aquele ronco prolongado e cavernoso partindo das pedras.

-- É, meu amigo. As guaribas não estão dormindo!”

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(WANZELLER, Claudionor. “Mosqueiro Lendas e Mistérios”. Ed. GRUPO RBA, 2009- pp. 65, 66, 67)

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A ilha das Guaribas em frente à praia do Marahu (WANZELLER).

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